A agricultora Maria Selma Magalhães Paiva e seu marido Afrânio José Ferreira Paiva, donos da fazenda Recanto, no município de Machado, no sul de Minas Gerais, são produtores de café há dez anos. O aniversário de uma década é emblemático. Os cafés com certificados têm se tornado um nicho de mercado cada vez mais promissor no País. Isso porque o consumidor vem reconhecendo o esforço por trás das certificações, pagando mais pelo produto. Um quilo de café especial pode custar até R$ 100, enquanto o máximo para o grão commodity são cerca de R$ 25. Sem contar que a quantidade de cafeterias tem crescido continuamente. Hoje, o País possui cerca de 3,5 mil casas. O mercado externo também tem sido generoso. No primeiro semestre deste ano já foram 2,2 milhões sacas, sendo os principais destinos os Estados Unidos, a Alemanha, a Bélgica, a Itália e o Japão.

“Trabalhamos juntos para aumentar o índice de certificação de propriedades” Eduardo Trevisan Gonçalves,do Imaflora (Crédito:Divulgação)

Na Recanto, de 440 hectares, dos quais o café está em 170 hectares, a certificação é feita pela americana Rainforest Alliance, organização com sede em Nova York e que atua em cerca de 70 países. A fazenda colheu em 2016 seis mil sacas do grão, mantendo o ritmo de crescimento. Na safra anterior foram 5,7 mil sacas e nesta safra a previsão são 6,1 mil sacas. “Nós estamos conseguindo manter uma produtividade média de 38 sacas por hectare há oito anos”, afirma Maria Selma. O desempenho é espetacular. A média brasileira é de 25 sacas por hectare. “Nosso café tem boa liquidez, qualidade e um histórico de mercado.” Por causa dos cuidados com o cultivo, o casal obteve um ganho extra de R$ 20 por saca. Assim, a receita do ano passado foi de R$ 3,2 milhões, ante 2,9 milhões em 2015. Maria Selma diz que os desafios de produzir café são grandes. Para ela, o maior deles e o custo de produção em função da topografia acidentada da propriedade. Apenas 60% da propriedade é mecanizada, o que levou o custo da safra passada para R$ 390 por saca produzida, valor equivalente a 40% de uma saca do grão. Na década, a família já investiu cerca de R$ 500 mil para tornar a fazenda sustentável. Usaram o dinheiro para construir corredores ecológicos, por exemplo, e também em uma torrefação. “Ter uma fazenda com práticas sustentáveis abre as portas para um mercado maior e mais valorizado”, afirma Afrânio. Cerca de 80% da produção, 4,9 mil sacas por safra, são é vendidas com a marca Recanto para a italiana Illy Caffè, a suíça Nespresso e outros grupos internacionais. O restante atende cafeterias, como a Casa do Brasil, em Austin, no Texas; o Café Cultura, em Florianópolis e pequenas cafeterias de Belo Horizonte e São Paulo. A filha do casal, Paula Magalhães Paiva, especializada em comércio exterior, cuida da parte de torrefação. Segundo ela, o processo ajuda na divulgação da marca. “Além de valorizar o nosso produto, a torrefação própria permite conhecer cada vez mais e melhor o café que produzimos, mesmo que em pequena escala”, afirma.

Em Busca da certificação: os irmãos João Paulo (à dir.) e Lucas Aguiar apostam em cafés especiais e já negociam exportações (Crédito:Divulgação)

O crescimento desse nicho de mercado tem atraído jovens produtores para o campo. Para muitos, o cultivo do café é quase um retorno às origens. Os irmãos José Paulo de Aguiar e Lucas de Aguiar, há dois anos receberam como herança a fazenda Glória, em São Sebastião da Gama (SP), uma propriedade de 90 hectares que está há três gerações na família e onde são cultivados 40 hectares do grão. A região, que tem tradição na produção de café de qualidade, ganhou dois entusiastas. João Paulo, que se tornou advogado e administrador de empresa, desde 2010 havia se desligado da propriedade para ser dono da Sweet Fine Coffee, também em São Sebastião da Grama, empresa de café torrado de linha gourmet. Agora, de volta à fazenda, ele quer dar um passo além. “Estamos reestruturando a fazenda para trabalhar com cafés especiais, torná-la sustentável e receber a certificação da Reinforest”, diz João Paulo. Para cumprir as exigências da certificadora, eles devem investir cerca de R$ 500 mil, entre elas está adequação ambiental. O próximo passo é exportar café verde. “Estamos negociando com países da Europa e da Ásia, além de Canadá e dos Estados Unidos”, afirma João Paulo. Lucas, que é engenheiro agrônomo e responsável pela lavoura, diz que a partir deste ano a ideia é plantar 50 mil de pés de cafés, por ano, até chegar a 300 mil pés. Por safra são produzidas atualmente 1,5 mil sacas, das quais 90% são vendidas para as exportadoras e 10% enviadas para a torrefação própria. No ano passado, a venda de 1,3 mil sacas rendeu R$ 624 mil.

“Em 2018, publicaremos o primeiro relatório de sustentabilidade da cafeicultura brasileira” Marcos Matos,
gerente geral do Cecafé (Crédito:Divulgação)

O professor da Universidade Federal de Lavras (MG), Paulo Henrique Leme, diz que a sustentabilidade e certificação caminham juntas. “É um caminho sem volta, mas ainda há muito o que fazer”, afirma. “A rastreabilidade e a transparência irão aumentar.” Para se adequarem aos processos da certificação, o professor afirma que as fazendas precisam padronizar as atividades e investir na capacitação da equipe. “As práticas sustentáveis devem ser adotadas por todos na propriedade, dos funcionários ao patrão, diz. Segundo Eduardo Sampaio, representante da UTZ no Brasil, a empresa tem 132 mil hectares certificados no País, com produção de quatro milhões de sacas, sendo 2,2 milhões para a demanda interna e 1,8 milhão para exportação. Além dos ganhos ambientais e sociais, ele afirma que o sistema é organizado em blocos e auxiliam na gestão da propriedade. “Considerando a análises de risco, o organograma de funções, o treinamentos e a rastreabilidade, há vários benefícios, principalmente ligados à redução do custo de produção e a racionalização do sistema produtivo”, diz Sampaio. “Além disso, o preço do café certificado chega a ser 4% superior ao preço do grão comum.” Ele aponta a necessidade de indicadores de desempenho por categorias de produtores mais desenvolvidos para melhor comparar impactos positivos.

Outra grande que atua no mercado, a certificadora brasileira Imaflora, com sede em Piracicaba (SP), trabalha há 15 anos com a sustentabilidade do café. Faz treinamento de produtores e técnicos, certificação de propriedades e promove o concurso de Café Sustentável. “Trabalhamos junto com a Nespresso, da Nestlé, que tem ajudado a aumentar o índice de certificação, feita em grupo, o que dilui os custos”, diz Eduardo Trevisan Gonçalves, gerente de projetos da empresa. Ele aponta como benefícios a gestão da fazenda, a economia de insumos, o aumento dos dias trabalhados, por causa da redução do número de acidentes na aplicação de defensivos, além da melhora da qualidade exigida pelo comprador que também quer que o café seja sustentável e certificado. O diretor geral do Cecafé, Marcos Matos, afirma que a atenção do órgão está voltada para a sustentabilidade desde 2013, com a criação do programa Café na Escola. “Montamos 137 laboratórios de inclusão digital nas escolas públicas das regiões cafeeiras do Brasil”, diz Matos. Em 2015, firmou parceria com a Plataforma Global do Café e incluiu no curso o Currículo de Sustentabilidade do Café, baseado em documento elaborado pela Embrapa e 19 instituições, entre elas Sebrae e Imaflora. “Entraram em pauta temas como boas práticas, leis trabalhistas e ambientais, entre outros.” Neste ano, o órgão criou o Polo Café Sustentável para integrar todos os projetos. Também será criado o indicador de desempenho do café sustentável. “Em 2018, publicaremos o primeiro relatório de sustentabilidade da cafeicultura brasileira.”