A fazenda São João, no município de Inhaúma (MG), é o coração da empresa True Type, do produtor Rafael Tadeu Collin Dias. Atualmente, a propriedade de 1,1 mil hectares produz diariamente 45 mil litros de leite, com um rebanho de 1,8 mil vacas em lactação. A São João é uma das maiores produtoras de leite do País e a terceira maior em Minas Gerais. No ano passado, com 12,8 milhões de litros de leite produzidos, média de 35 mil litros por dia, a receita chegou a R$ 20 milhões. A cerca de 500 quilômetros dali, fica o município de Coromandel, onde está a sede da Agropecuária Carola, de 760 hectares. Em 2016, a propriedade de Henrique Carola atingiu a média de 11 mil litros de leite por dia, com 602 vacas em lactação e uma receita anual próxima de R$ 6 milhões. Independentemente do tamanho e da receita, as duas propriedades têm algo em comum, que faz a diferença no negócio: possuem um sistema de gestão financeira eficiente, pautado no fluxo de caixa. “Não vejo como uma fazenda possa rodar sem esse instrumento. Sem ele não sabemos quando e como utilizar nosso dinheiro. Com o fluxo de caixa paramos de trabalhar no escuro”, diz Carola. “Estudar o fluxo de caixa mostra se é possível investir, se é possível gastar. Ou não”, afirma Collin Dias.

Aprendiz: desde 2015, Henrique Carola, de Coromandel (MG), gerencia sua fazenda com base no fluxo de caixa (Crédito:Divulgação)

O País possui 5,6 milhões de propriedades rurais, das quais 4,8 milhões têm área inferior a mil hectares, de acordo com o IBGE. As grandes propriedades, geralmente são empurradas para uma gestão refinada, sob pena de desaparecerem. Mas não é o tamanho da área que determina o sucesso de um negócio. As médias e as pequenas fazendas, que passam por uma revolução, têm desmistificado a crença de que são insustentáveis em uma economia de escala. Para Vitor Barros, consultor e coordenador do curso de pós-graduação em Gestão no Agronegócio da Rehagro, consultoria com foco no agronegócio, o que ocorre hoje é que as fazendas estão crescendo em produtividade e se tornando um negócio mais complexo. “É necessário trabalhar com o fluxo de caixa”, diz Barros. A ferramenta que parece simples, afinal, a grosso modo é apenas controlar entradas e saídas, tem particularidades que precisam ser respeitadas. De acordo com o consultor, para que o sistema funcione corretamente, é preciso respeitar três fases em seu processo de implementação. Na primeira etapa é necessário desenvolver um relatório com o histórico financeiro de uma propriedade, com entradas e saídas. Isso serve para entender a movimentação de valores. Em um segundo momento, que é o mais importante, é feito um orçamento com os históricos da fazenda. “Depois, será criado outro relatório projetando as entradas e saídas do caixa, com bases nos históricos, tendências de mercado, entre outros”, afirma Barros. “É com isso que conseguimos fazer uma estratégia de operação de compra e venda.” O terceiro passo é a checagem de metas, com o acompanhamento mensal e as análises comparativas, para entender os desvios, que são os pontos onde se gastou a mais ou a menos do que foi planejado. Essa é a hora do diagnóstico do negócio, da checagem para ver se nada está fora do planejado.

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No dia a dia, um fluxo de caixa bem realizado dá a oportunidade de tomadas rápidas de decisão gerencial. Collin Dias, que trabalha diariamente com a ferramenta, diz que todo o planejamento da True Type em executar procedimentos de forma correta é feito com base nela. “A pecuária leiteira é uma atividade na qual as receitas e as despesas variam muito ao longo do ano”, afirma ele. “Por isso, identificamos a produção e utilizamos dados, como os de custos e despesas, e adicionamos ao fluxo de caixa, que aponta o que necessita ser alterado nas metas. Se a projeção será de queda no preço do leite e o fluxo de caixa mostra que haverá aperto financeiro, reduzimos as despesas.” No ano passado, por exemplo, o preço bruto recebido pelos produtores de leite, segundo a média Brasil do índice do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP), indicava R$ 1,06 por litro, em janeiro, e R$ 1,69, em agosto, um aumento de 59%. Mas, quatro meses depois, já estava em R$ 1,29 por litro, um recuo de 26%. No último dado divulgado, o preço era de R$ 1,38.

True type: na fazenda São João, onde as raças holandesa e girolando (foto acima) são criadas em sistema free-stall e pasto com pivô central (aqui), o controle do fluxo de caixa tornou a administração financeira mais eficiente (Crédito:Divulgação)
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Para o diretor da Rehagro, Clóvis Corrêa, um melhor controle do fluxo de caixa impacta em todo o negócio, não importa o setor no qual está concentrada a sua produção. “É a ferramenta gerencial mais eficaz a uma empresa. No caso dos grãos, onde os custos e receitas são anuais, com meses onde não se ganha nada, é essencial um bom planejamento”, afirma Corrêa. “Nesse setor, em momentos descasados, pode ocorrer compromissos com o banco, mudança nos preços e atraso de colheita.” No caso de Carola, o produtor diz que ao deslocar uma receita em um mês para cobrir um eventual estouro de caixa em outro, nunca mais foi pego de surpresa. “Pagamentos inesperados podem ocorrer e é preciso estar preparado”, afirma Carola. Mas não foi somente isso que ocorreu em sua propriedade, ao implantar o fluxo de caixa. “Passei a levantar os custos de produção e o benchmarking”, diz o produtor. Em inglês, a palavra benchmarking significa fazer uma avaliação comparativa entre dados de empresas do mesmo setor, para identificar as melhores práticas ou métodos executados.

Na base: Rafael Tadeu Collin Dias, proprietário da True Type, adotou o fluxo de caixa em sua empresa em 2002 (Crédito:Arquivo pessoal )

A ascensão do negócio de Carola começou justamente em 2015, ao perceber que ganhava pouco dinheiro com o negócio do leite. “Estávamos muito desanimados com a atividade leiteira”, diz ele. “Mas notamos que o problema era da porteira para dentro e que precisávamos de ajuda para nos organizar.” A empresa iniciou o trabalho de arrumar o fluxo de caixa, em novembro daquele ano, quando a produção diária era de 7,5 mil litros de leite, com 498 vacas em lactação, gerando um faturamento mensal em torno de R$ 260 mil. Um ano depois, captava 11 mil litros por dia, com 602 vacas em lactação e faturamento de R$ 490 mil mensais. “Pelo orçamento de 2017, teremos uma produção diária de 12,6 mil litros em novembro, com 641 vacas em lactação”, afirma Carola. “O faturamento deve ficar em R$ 530 mil.” Já na True Type, a produção cresceu 50%, desde 2002, quando o fluxo de caixa começou a ser analisado nos detalhes, “Há 15 anos produzíamos cerca de 30 mil litros diários de leite”, diz Collin Dias. Até dezembro, a meta é ultrapassar a média registrada no ano passado. “Deveremos ultrapassar uma receita de R$ 25 milhões neste ano.”