No início do mês passado, o executivo alemão Martin Richenhagen, 64 anos, CEO global da americana AGCO, uma das grandes fabricantes de máquinas agrícolas do mundo, embarcou um avião em Duluth, no Estado da Geórgia, com destino a Foz do Iguaçu (PR), um dos principais cartões postais do turismo no País. Foram quase 20 horas de viagem, mas Richenhagen não estava interessado nas cataratas do Parque Nacional do Iguaçu. Nos sete dias após o desembarque, ele mergulhou em reuniões com os 700 concessionários da América Latina e da África, das duas principais marcas do grupo – Valtra e Massey Fergusson –, para detalhar os planos da companhia. “Estamos otimistas com os sinais de recuperação do mercado de máquinas”, diz Richenhagen. “Vamos voltar a crescer porque é certo que o produtor vai voltar a investir em tecnologia.” O executivo comanda um movimento que busca a recuperação de mercados perdidos em 2015, em função da crise econômica mundial. Naquele ano, o grupo faturou US$ 7,5 bilhões, 23% abaixo de 2014. “Sei que podemos reverter esse resultado e seguir em frente”, afirma ele. Aliás, essa é a sua especialidade. Nos últimos 12 anos, tempo que está à frente da AGCO, o executivo levou o grupo a crescer 9,5% ao ano, em faturamento. Nesse período, a economia americana cresceu 1,8% ao ano.

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Richenhagen tem pressa em colocar a empresa nos trilhos porque se aposenta da vida de executivo em quatro anos, quando espera entregar o cargo e se dedicar à criação e ao treinamento de cavalos, uma paixão que tem desde a sua adolescência. Hoje, ele é dono de um haras em Atlanta, onde cria cavalos da raça alemã hanoveriano. “É um belo e prazeroso hobby”, diz ele. Mas até lá, o executivo sabe que, além de retomar o mercado perdido, deve preparar o seu sucessor. “Tenho quatro candidatos e todos com excelentes chances para dar continuidade ao comando da empresa.” Mas ele sabe que não tem uma missão fácil pela frente. Isso porque o mercado de máquinas agrícolas é um setor bem competitivo e concentrado, dividido com outras gigantes globais, como a também americana John Deere e a italiana CNH Industrial. Foi na gestão de Richenhagen que a AGCO passou por uma de suas mais profundas reengenharias corporativas. Nesse processo, a companhia, que era dona de 13 marcas, a partir de 2004 ficou com apenas cinco. “A concentração dos negócios nos levou a um maior e melhor desempenho industrial”, diz Richenhagen. “Promovi também mudanças na infraestrutura e no desenho das fábricas, além da organização do RH da empresa.” Hoje, a AGCO, que completa seu portfólio com as marcas Fendt, Challanger e GSI, especializada em silos para armazenagem de grãos, atua em 140 países, possui cerca de três mil concessionários, 19,6 mil funcionários e 35 fábricas, das quais seis estão no Brasil.

A trajetória do executivo formado em filosofia e teologia é um exemplo do que hoje os especialistas chamam de carreira disruptiva. Traduzindo: aproveitar as oportunidades que surgem e enfrentar os seus desafios. “Meu plano nunca foi ser presidente de uma companhia”, diz Richenhagen. “Tinha apenas uma convicção: para onde eu fosse, faria sempre o melhor possível”. Leandro Muniz, diretor da Page Executive no Brasil, especializada em recrutamento de profissionais de alto escalão do grupo inglês Page, afirma que o empenho para galgar níveis de liderança é um processo diário, mesmo que o topo de uma organização não seja o foco. “Já ouvi a mesma sentença de outros CEOs, que declaram trabalhar com afinco em qualquer posição”, diz Muniz. “Em geral, esses profissionais sempre se comprometem em entregar mais do que é pedido a eles.”

Foi essa crença que levou Richenhagen a deixar o cargo de professor de língua francesa e teologia católica, em 1985, aos 33 anos, para trabalhar no escritório de uma companhia siderúrgica. E não pestanejou em trocar de setor por várias vezes, até que em 1995 foi convidado para ser o vice-presidente da suíça Schindler, especializada em elevadores. Em 1998, ele presidiu a Claas, fabricante de máquinas e equipamentos agrícolas. Em seguida, mais precisamente em 2003, Richenhagen virou vice-presidente da suíça Forbo International, fabricante de revestimentos para a construção civil. Mas para dar certo, de acordo com Muniz, além do aprendizado constante, é essencial que o profissional esteja disposto a sair de sua zona de conforto. “Desbravar outras opções, como uma nova cultura ou língua”, diz o consultor. No caso de Richenhagen, além da Suíça, o executivo já residiu na Holanda e agora nos Estados Unidos. Fala fluentemente o inglês, o francês e o italiano. “Agora quero aprender o espanhol. Acho que vai ser mais fácil do que o português”, diz.

Ser sempre um aluno é outra de suas crenças, apesar de nunca ter perdido uma qualidade desenvolvida lá no início da carreira: Richenhagen é tido na AGCO como um exímio professor. “Com a motivação certa, as pessoas são capazes de aprender qualquer coisa”, afirma. Ele, por exemplo, depois dos dois diplomas iniciais, ainda foi estudar contabilidade, finanças, produção e mecânica. “Nunca fui bom em matemática, mas quando os números vinham acompanhados por cifrões, tudo parecia fazer sentido.” Não por acaso, a sua notoriedade na área de engenharia agrícola lhe rendeu a nomeação de professor honorário da Faculdade de Maquinário Agrícola da Universidade de Tecnologia de Dresden, na Alemanha, em 2008.