Donald Trump, ao menos na presidência americana, está cumprindo o que prometeu na campanha. E uma de suas promessas mais propagadas era a construção de um muro para separar territorialmente os Estados Unidos do México. Politicamente complicada, essa barreira terá consequências econômicas muito graves, uma vez que a ligação entre os países é quase umbilical. Porém, a retórica de Trump, que já provocou o cancelamento da visita do presidente mexicano Enrique Peña Nieto aos Estados Unidos, no dia 31 de fevereiro, pode abrir uma oportunidade para os produtores rurais brasileiros. “Não sei até onde vai esse endurecimento americano, mas as medidas do presidente Trump estão deixando os mexicanos bem nervosos, e isso é positivo para o agronegócio brasileiro”, diz Alysson Paolinelli, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho). O governo mexicano já começou buscar a outros fornecedores para substituir o milho americano. Os candidatos são o Brasil e a Argentina. Para isso, as autoridades brasileiras e mexicanas agendaram uma reunião em Brasília, no dia 20 de março, para dar início às negociações entre os governos. “Estou otimista que isso vá vingar”, afirma Paolinelli. Ele diz acreditar que as conversas podem ir além do milho. O México compra soja, algodão e carne suína em grandes quantidades dos Estados Unidos, e agora o Brasil pode morder uma fatia desse mercado.

Os números impressionam. O México importou US$ 387,1 bilhões no ano passado, e desse total US$ 179,6 bilhões, ou 46,4%, vieram dos Estados Unidos. As exportações brasileiras a esse país, porém, são bem menores, cerca de US$ 4,7 bilhões. O agronegócio respondeu por US$ 648,4 milhões, equivalente a 13,7% do total, segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC). Entre os principais produtos da pauta de importações mexicanas estão madeira, carne de frango, couro e soja. O milho nem estava nessa conta. “Agora, temos tudo para transformar o México, que é um dos maiores importadores do cereal em todo o mundo, em um bom parceiro comercial”, diz Paolinelli. Segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda, na sigla em inglês), a demanda mexicana nesta safra 2016/2017 deve alcançar 13,8 milhões de toneladas de milho.

De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Brasil está capacitado a ampliar as exportações. Nesta safra, a produção estimada é de 87,4 milhões de toneladas do cereal, com um consumo interno esperado de 56,1 milhões. Assim, um estoque de 24 milhões de toneladas pode estar disponível aos exportadores. “Teremos uma boa safra neste ano, o que nos permite atender a essa demanda”, diz Paolinelli. No ano passado, o País faturou US$ 3,7 bilhões exportando 21,8 milhões de toneladas de milho. Só não exportou mais por causa da quebra da safra, causada pela seca. A produção de 66,6 milhões de toneladas foi a menor dos últimos cinco anos.

Agora, para aproveitar toda a fome mexicana, o essencial é que o País saiba negociar bem. Segundo Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), entidade que reúne a cadeia produtiva das carnes de aves e suínos, o Brasil tem de oferecer contrapartidas e se abrir mais para o mercado do México. “Não podemos imaginar que só haverá abertura comercial de um lado”, diz Turra. “Vamos ter de comprar deles também, e isso começa a ser definido a partir da agenda de março. É um novo momento comercial e precisamos aproveitá-lo.” Os produtores brasileiros de carne suína, que até hoje não exportam para o México, têm uma excelente oportunidade à frente. No ano passado, o México importou 754,6 mil toneladas de carne suína, dos quais 646,5 mil toneladas, vieram dos Estados Unidos. O volume representa 87,5%. Para se ter uma ideia, no ano passado, o total das exportações de carne suína brasileira, para 85 países, foi de 719,8 mil toneladas, 21,8% da produção nacional. A indústria processa hoje 3,3 milhões de toneladas de carne. “Isso quer dizer que temos estoque para vender aos mexicanos”, afirma Turra.

As vendas de soja e de algodão também podem avançar. Em 2016, o México comprou dos Estados Unidos, 3,7 milhões de toneladas de soja, 89,6% de suas importações, e 364,3 mil toneladas de algodão, volume equivalente a 59,7% do total importado. “Mas, para acessar esse mercado, precisamos superar dificuldades”, diz Paolinelli. Segundo ele, negociar acordos comerciais com os mexicanos sempre foi difícil, devido às cláusulas do Acordo Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta, na sigla em inglês), do qual o México é signatário. “No entanto, acho que agora isso tem tudo par mudar.”