Entre a manhã da sexta-feira do dia 17 de março, quando a Polícia Federal (PF) iniciou o cumprimento 309 mandados judiciais de prisão em seis Estados, até a segunda-feira da semana seguinte, um ambiente de guerra tomou conta da pecuária brasileira. A operação batizada de Carne Fraca pela PF, montada para apurar o envolvimento de fiscais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em um esquema de liberação de licenças e fiscalização irregular em frigoríficos de abates de bovinos, suínos e aves, pegou esse setor do agronegócio no contrapé. Em vez de se preparar para um ano que já prometia ser difícil, em função da tendência do consumo em baixa, os produtores e seus representantes saíram em desenfreada corrida para tentar reverter os estragos da ação da PF. “É um tremendo soco na gente”, disse o ministro da Agricultura Blairo Maggi, no dia da deflagração da Operação Carne Fraca. Em poucas horas, estava sob suspeita generalizada de graves irregularidades uma cadeia produtiva que, em 2016, obteve um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 458,2 bilhões, valor 1,7% acima do ano anterior, de acordo com os dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP). A PF vendeu para o mundo, como um “gigantesco e macabro” esquema de corrupção, problemas pontuais que poderiam ser resolvidos com ações cirúrgicas e corretivas a 33 funcionários suspeitos e a 21 plantas frigoríficas. Tudo sob leis que já existem. Mas armou um circo através de operação com 1,1 mil policiais, que resultaram em 27 prisões preventivas, 11 prisões temporárias, 77 conduções coercitivas e 194 ações de busca e apreensão. No fim das contas, o que era para ser uma operação – justa, é bom frisar – contra a corrupção, colocou em dúvida a qualidade da carne brasileira.

A carne não é fraca, mas a operação da PF é capaz de causar uma tragédia à imagem externa do Brasil” Roberto Rodrigues, coordenador do GVAgro, da FGV
A carne não é fraca, mas a operação da PF é capaz de causar uma tragédia à imagem externa do Brasil” Roberto Rodrigues,
coordenador do GVAgro, da FGV (Crédito:FELIPE GABRIEL)

Para estancar a sangria, Maggi entrou em campo com duas tarefas. A primeira era apagar o incêndio dentro do próprio governo Michel Temer, causado pela ação considerada desastrosa da PF. A segunda tarefa era controlar o tsunami que se anunciava no mercado internacional, prontamente enfurecido para cortar relações com as cadeias produtivas de carne bovina, de frango e de suínos. A possibilidade de travamento total das exportações de carnes era um fato dado como certo, um segmento que no ano passado rendeu US$ 13,6 bilhões. Dos cerca de 150 destinos para onde a carne brasileira é enviada, países importantes começaram a se pronunciar sobre restrições ao produto brasileiro, como China, Chile, Catar, México, além da União Europeia. Alguns com maior ênfase, outros andando na linha da diplomacia internacional. As contas do setor despencaram. O valor dos embarques diários de carne para o exterior, que era de US$ 63 milhões antes da ação da PF, quatro dias após o anúncio da operação caiu para míseros US$ 74 mil. Mesmo com todos os esforços oficiais, o resultado de uma semana de Operação Carne Fraca foram perdas ordem de US$ 130 milhões para a agroindústria da carne. Nesse mesmo tempo, os frigoríficos listados na BMF&Bovespa haviam perdido quase R$ 7 bilhões em valor de mercado, segundo a Economática. O estrago, porém, foi minimizado pela atuação do governo, que incluiu a participação do próprio presidente Michel Temer, em fazer o chamado corpo a corpo com os principais importadores. No começo de abril, 90% das exportações já haviam voltado à normalidade. Mas, mesmo assim, o Brasil ainda terá de fazer um bom trabalho de imagem.

A cadeia da proteína animal tem um peso na economia que não pode ser desprezado. Juntando a mão de obra nas fazendas, a agroindústria e o setor de insumos, há uma força de trabalho de 19,1 milhões de pessoas (confira na pág. 24). “A carne não é fraca”, diz Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas . “Desde 1990, a produção anual de frangos cresceu 8,6%, a de suínos 5,9% e a de bovinos, 3,2%. Para Rodrigues, a Operação Carne Fraca é, de fato, capaz de causar uma tragédia à imagem externa do Brasil e ele sabe do que fala. Já foi ministro da Agricultura e conhece muito bem os meandros do agronegócio internacional, por ter comandado por 16 anos entidades cooperativas, entre elas a Aliança Cooperativa Internacional, um organismo que reúne mais de 900 milhões de pessoas em todo o mundo. “Pode ser que não ocorra agora, mas em 2005 bastou um foco de febre aftosa no Brasil, próximo à fronteira do Paraguai, para 47 países suspenderem o comércio com o País”, afirmou.

"Fizeram o problema parecaer maior do que é” Pedro Eduardo de Felício, professor da Unicamp, consultor e especialista em qualidade de carne
“Fizeram o problema parecer maior do que é” Pedro Eduardo de Felício,professor da Unicamp, consultor e especialista em qualidade de carne (Crédito:FKelsen Fernandes)

Mas, na sua origem, o que ocorre com a Operação Carne Fraca é diferente dos demais impasses pelos quais o setor já passou. Os atropelos da cadeia da proteína animal têm sido deflagrados por questões sanitárias, em geral doenças nos rebanhos aqui e no mundo (leia mais na pág. 36). Jamais na história do setor, e em outros países, ocorreu uma operação como a Carne Fraca: um tiro no próprio pé. Na pecuária brasileira há passagens pitorescas, que poderiam ser classificadas como tal, mas que estão enterradas no passado e que jamais aconteceriam de novo, entre elas o que ocorreu em meados dos anos 1980. No Plano Cruzado do governo do presidente José Sarney, o Brasil chegou ter cinco mil toneladas de estoque regulador de carne bovina. Uma miséria suficiente para abastecer a cidade de São Paulo por uma semana. Então, importou carne (e também leite) de áreas contaminadas pela explosão de uma usina nuclear na Ucrânia, em Chernobyl. O leite foi para o mercado, a carne até hoje carece de explicação de seu destino. O certo é que os europeus venderam essa carne ao Brasil em “condição extremamente favorável”: enquanto o preço de mercado era de cerca de U$ 1 mil por tonelada, o governo brasileiro pagou a bagatela de US$ 650 por tonelada. Na época, o Brasil produzia pouco mais de 200 mil toneladas.

Hoje, a indústria da carne é pujante, moderna e internacionalizada. Grupos como BRF em aves e suínos, ou grupos identificados com a carne bovina, como JBS, Marfrig e Minerva, têm feito um esforço contínuo de melhoria em seus processos de segurança alimentar (leia mais na pág. 26). O professor Pedro Eduardo de Felício, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, um dos maiores especialistas do País em qualidade de carne e que acompanhou toda a história recente desse setor, diz que ficou assustado com os primeiros movimentos da operação da PF. “Mas os fatos começaram a aparecer, como o anúncio de papelão misturado à carne, um erro primário de interpretação de áudio”, diz Felício. “Fizeram o problema parecer maior do que é.”

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AFP PHOTO/RODRIGO FONSECA

Passado o primeiro impacto da operação, resta agora o rescaldo da fogueira que ainda deve queimar por um bom tempo. Não por acaso, neste mês, Maggi começa uma agenda de missões internacionais para limpar a imagem do setor. Isso porque as perdas econômicas ainda podem ser gigantescas daqui para a frente. Disso, o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra, não duvida. “Vivemos um momento muito dramático, nunca vi igual, e com dificuldades de se reverter”, afirma ele. “A solução não demandará uma semana ou uma simples palavra oficial.”

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Um tiro no pé: A ação rápida do ministro da Agricultura Blairo Maggi (acima), na defesa da cadeia pecuária, estancou a sangria momentânea, mas não é garantia de futuro

A sangria no horizonte não deve parar por si só, como um estouro de boiada em pasto aberto. De acordo com Maggi, nos próximos anos, o Brasil poderá ter um prejuízo de até US$ 1,5 bilhão por período, porque a tendência da Operação Carne Fraca é de permanência na pauta dos importadores. “Os prejuízos que vamos ter serão muito grandes”, diz ele. Até o fechamento desta edição da DINHEIRO RURAL, as empresas frigoríficas que operam no exterior não haviam se pronunciado sobre qual serão as estratégias daqui para a frente. Mas do lado oficial, na agenda do ministro, constava que já neste mês sua equipe deveria sair em viagens pelo mundo. A viagem de Maggi, marcada para maio, deverá ser para Ásia, com atenção especial para a China, mais Emirados Árabes, Arábia Saudita e Europa. “Agora, será uma viagem de reconstrução”, espera o ministro.