O pecuarista Gérson Bortoli, 58 anos, é dono de uma pequena área de 350 hectares, em Umuarama, região do noroeste paranaense, na fronteira com os Estados de Mato Grosso do Sul e de São Paulo. As terras de Bortoli, como as demais das regiões também no lado sul-mato-grossense e no paulista, formam uma imensa mancha de solos arenosos e fracos, muito deficientes em nutrientes e em retenção de água. No Paraná, essa mancha é chamada de Arenito Caiuá, muito diferente das famosas terras roxas mais ao sul, cobiçadas pela alta fertilidade. A fazenda de Bortoli poderia ser o retrato de uma terra arrasada, com pastos degradados, como ocorre em 100 milhões de hectares de pastagens no País, dos quais 50 milhões estão justamente sobre solos arenosos. Mas não é. A fazenda Flamboyant, nome de uma árvore que se cobre de vermelho intenso na primavera, se transformou em uma oportunidade de negócio que Bortoli não deixou escapar. Em dez anos, ele conseguiu triplicar seus ganhos, saindo de um faturamento de cerca de R$ 640 mil para R$ 1,9 milhão, no ano passado. A receita de seu sucesso tem um nome: o casamento da soja com o gado, no chamado sistema de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF). “Em 2005, quando comecei a cultivar soja, passei a colher duas safras em vez de apenas uma, a safra do boi”, diz Bortoli. Para o engenheiro agrônomo João Kluthcouski, pesquisador da Embrapa Cerrados e considerado um dos pais da ILPF, o sistema é a única saída para a salvação financeira de fazendas como a de Bortoli. “Mais do que nunca, de agora em diante, a integração vai ser uma premissa básica para quem quiser lucrar na pecuária, em qualquer lugar do País”, afirma Kluthcouski. “Pensando num rebanho de cerca de 200 milhões de animais, em 200 milhões de hectares de pastos, temos em média um boi para cada hectare. Esse dado é uma vergonha.”

Integração: segundo os cálculos do pesquisador João Kluthcouski, da Embrapa, o sistema de ILPF cresce cerca de 2 milhões de hectares por ano no País
Integração: segundo os cálculos do pesquisador João Kluthcouski, da Embrapa, o sistema de ILPF cresce cerca de 2 milhões de hectares por ano no País

Na região de Umuarama, Bortoli não está sozinho. Ele é um dos 13 mil cooperados da Cocamar Cooperativa Agroindustrial, com sede em Maringá, a 160 quilômetros de Curitiba. No ano passado, a Cocamar integrou a lista das 500 Maiores do Agronegócio no prêmio AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL. A cooperativa vem desenvolvendo um programa de incentivo para que os produtores da região invistam na ILPF. “O aumento da produtividade das lavouras, como efeito da recuperação do solo, irá se refletir positivamente nos negócios da cooperativa e na economia regional”, diz Luiz Lourenço, presidente da Cocamar. Em 2015, a cooperativa que faturou R$ 3,3 bilhões com grãos, gado, café e agroindústria, fez um plano para investir
R$ 1,2 bilhão até 2020 e chegar lá com um receita de R$ 6 bilhões. Com fazendas como a de Bortoli, a cooperativa está mostrando para os demais cooperados que é possível produzir e lucrar mesmo em terras inóspitas. Basta seguir a receita de cultivar soja no verão, milho mais pastagem na entressafra e boi no inverno. É preciso, também, investir em máquinas agrícolas e insumos, como sementes e defensivos. Mas, para Bortoli, o gasto compensa. “Um dos empecilhos para a implantação da ILPF poderia ser o custo. Porém, isso é bastante relativo”, afirma ele. “Posso não gastar nada com a terra, mantendo ela degradada, ou seja, posso ter uma fazenda que só vai gerar prejuízo com a baixa produtividade.” Para o produtor, o retorno do investimento, onde antes só havia a pecuária, é imediato com a agricultura. No caso da fazenda Flamboyant, ela saiu de uma engorda de cerca de uma unidade animal (UA significa 450 quilos de peso vivo) por hectare, para cinco UAs. No ano passado, foram engordados na fazenda 500 bois, entregues no frigorífico com 280 quilos de peso médio por carcaça animal. Já a produtividade de sua soja foi a terceira maior entre os cooperados da Cocamar na safra passada, com 79,3 sacas de 60 quilos por hectare, volume 54% acima da média paranaense. Na safra 2015/2016, o Paraná colheu 51,5 sacas por hectare, de acordo com a Companhia Nacional de bastecimento (Conab). “Foi a terceira vez que consegui ficar entre as melhores médias do concurso da Cocamar”, diz Bortoli. “Se eu não fizesse a integração não tinha como alcançar esse resultado.”

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União: a soja (à esq.) de um lado e o pasto do outro. Este é um retrato comum em fazendas que adotaram a integração. A junção das duas culturas torna férteis áreas antes consideradas impróprias para a agricultura

O projeto de integração lavoura-pecuária-floresta da Cocamar, por sua vez, faz parte da Rede de Fomento de ILPF, uma iniciativa da Embrapa, que conta com o apoio de empresas como as americanas Dow Agrosciences, John Deere e Parker, e a suíça Syngenta. O dado não é oficial, mas, de acordo com estimativas de algumas fontes, o País já possui cerca de 33 mil produtores distribuídos em dez milhões de hectares em áreas de ILPF. Os dados oficiais mais recentes da safra 2015/2016, de acordo com o Ministério da Agricultura, apontam 6,8 milhões de hectares. “Acreditamos que, anualmente, entre 1,5 milhão a dois milhões de hectares têm sido convertidos ao sistema de integração”, afirma Kluthcouski. A aposta de incremento é maior do que os dados oficiais mostram porque nem todo produtor utiliza crédito subsidiado para investir na ILPF. No caso do Programa Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Programa ABC), no qual o sistema está contemplado, desde a sua criação em 2011, já foram liberados pelo governo R$ 13,2 bilhões em crédito. Kluthcouski acredita que, com o atual crescimento da ILPF, em dez anos a área de produção de grãos no País poderá até dobrar, passando de cerca de 60 milhões de hectares para 120 milhões.

"Com o manejo certo, os produtores paranaenses têm todas as condições para obter bons índices de produtividade" Nery Ribas, presidente do Cesb
“Com o manejo certo, os produtores paranaenses têm todas as condições para obter bons índices de produtividade” Nery Ribas, presidente do Cesb

O presidente do Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb), Nery Ribas, diz que hoje há um esforço gigantesco de incorporação de tecnologia, em busca de produtividade e a ILPF é o caminho mais curto. É o que tem mostrado, todos os anos, o concurso nacional Desafio de Máxima Produtividade da Soja, realizado pela entidade, no qual os produtores inscrevem talhões de suas áreas plantadas. Neste ano, por exemplo, a produção máxima foi de 100 sacas, mas em anos anteriores chegou ao máximo de 141,8 sacas.

Na safra 2016/2017, que está sendo plantada em condições melhores de clima, o desafio é localizar produtores que consigam chegar à marca de 143 sacas. Para Ribas, essa marca ainda não é o caso dos produtores do Arenito Caiuá, mas ele não descarta a empreitada. “Com manejo certo, os produtores paranaenses têm todas as condições para obter bons índices de produtividade”, diz Ribas. Na edição deste ano, o campeão do Cesb foi o paulista João Carlos Cruz, da fazenda Lageado, de Buri (SP). Com 20 sacas a mais, Bortoli tomaria dele o primeiro lugar. “Não tenho dúvida de que nós vamos produzir mais, sempre”, afirma ele.

Meta: com a ILPF, Luiz Lourenço, da Cocamar, quer elevar a receita da cooperativa de R$ 3 bilhões para R$ 6 bilhões até 2020
Meta: com a ILPF, Luiz Lourenço, da Cocamar, quer elevar a receita da cooperativa de R$ 3 bilhões para R$ 6 bilhões até 2020