Em dezembro do ano passado, os produtores de cevada do Sul do País, região onde está a maior produção desse grão, prepararam o brinde de passagem do ano com cerveja e não com espumante, como manda a tradição. Isso porque a cultura de inverno, que teve sua colheita encerrada em novembro, se recuperou de safras anteriores muito ruins por causa do clima desfavorável. Foram 331,7 mil toneladas de cevada na safra 2016, volume 26% acima de 2015, e 8,6% acima de 2014. A boa colheita saiu de fazendas como a São Brás, de 65 hectares, localizada no município de Passo Fundo (RS), que pertence ao gaúcho Luís Fernando Sossella, 47 anos. Além de colher quatro toneladas por hectare, superando a produtividade de seu Estado em cerca de uma tonelada, Sossella, que também cultiva milho e soja, dobrou a área de cevada de 15 hectares para 30 hectares. “Na safra de 2017, que começa a ser plantada em julho, quero manter a mesma área”, afirma o agricultor. “Hoje, nenhuma cultura de inverno garante tanto rendimento como a cevada.”

Sossella é o tipo de produtor que Bernardo Paiva, presidente da Ambev, maior grupo cervejeiro do Brasil, quer ter por perto. Em outubro do ano passado, Paiva esteve no Sul do País visitando plantações de cevada e passou pela propriedade de Sossella, um dos parceiros da multinacional brasileira, que no prêmio AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL 2016 ficou em primeiro lugar em Agronegócio Indireto, na categoria Conglomerados. “Precisamos valorizar o produtor, porque é no campo que nasce a nossa bebida”, afirma Paiva.

Não é por acaso que o cereal está despontado como uma das culturas de inverno que mais remuneram o campo. Na safra colhida, os produtores receberam, em média, R$ 740 por tonelada, 24% a mais que o valor pago pela tonelada do trigo, seu maior concorrente, segundo a Conab. Para Sossella, as 120 toneladas de cevada renderam cerca R$ 89 mil, quase um terço de sua receita de R$ 300 mil em 2016. Além da rentabilidade, a cultura traz benefícios, no caso agronômicos para a soja cultivada no verão. “A cevada garante um volume maior de matéria orgânica no solo, nutrindo mais a plantação seguinte”, diz Sossella. “Isso proporciona uma produção de soja mais farta.”

O sucesso do cultivo da cevada tem como métrica o bom desempenho do mercado cerve­jei­­ro, que na última década cresceu 5% ao ano, segundo a Asso­cia­ção Brasileira da Indús­tria da Cerveja (CervBrasil). No País, que é o terceiro maior produtor mundial da bebida, com 14 bilhões de litros, atrás da China e dos Estados Unidos, o setor movimenta cerca de R$ 77 bilhões por ano. Em 2015, as 26 marcas de cervejas da Ambev responderam por 40,6% desse valor, com uma receita de R$ 31,3 bilhões. O faturamento total da empresa foi de R$ 46,7 bilhões. “A ideia é garantir a melhor cevada para uma cerveja de qualidade”, diz Paiva. A Ambev é dona de marcas populares, como Antarctica, Skol e Brahma, e também de marcas premium, como a Colorado e a Wäls, que representam um segmento em ascensão.
Para a Ambev, fidelizar os agricultores por qualidade é uma estratégia para disputar a produção com outras empresas do setor, entre elas a holandesa Heineken e o grupo Petrópolis. Hoje, dois mil produtores são parceiros da Ambev nos Estados do Rio Grande do Sul e do Paraná. No ano passado, eles entregaram à empresa 130 mil toneladas do cereal. Os produtores têm as sementes, os insumos e a assistência técnica subsidiados. A contrapartida é a fidelidade na entrega da cevada. Na safra passada, os produtores ligados à Ambev cultivaram 56 mil hectares, área equivalente a 58,5% dos 95,7 mil hectares do grão plantado no País. Mas a empresa também reserva o direito de não receber a carga. Em troca dos insumos e da assistência, os produtores precisam entregar uma cevada com qualidade cervejeira. Isso significa grãos inteiros e graúdos, por volta de três milímetros de comprimentos. Essa é a medida ideal para um bom malte, resultado da dessecação do cereal germinado artificialmente. De acordo com a Embrapa Trigo, em Passo Fundo (RS), apenas 43% da cevada colhida no País possui qualidade cervejeira. Na safra passada, 142,6 mil toneladas estavam dentro do padrão de qualidade, menos da metade da produção nacional. Por conta da produção insuficiente e da baixa qualidade, no ano passado o País importou 653,7 mil toneladas, das quais 458,8 mil vieram da Argentina e do Uruguai. Incluindo a cevada processada importada, o malte já pronto, a indústria nacional demanda por 1,3 milhão de toneladas anuais do principal ingrediente da cerveja.

Precisamos valorizar o produtor porque é no campo que nasce a nossa bebida” Bernardo Paiva, presidente da Ambev
Precisamos valorizar o produtor porque é no campo que nasce a
nossa bebida” Bernardo Paiva, presidente da Ambev

Marcelo Coelho Otto, diretor agroindustrial da Ambev, diz que a meta da empresa é ter mais parceiros para acabar com essa defasagem. O projeto é monitorar toda a cevada de que a empresa necessita. “Queremos gradualmente reverter o resultado das duas safras ruins de cevada, e ir além”, diz Otto. “Nossa meta é incentivar a produção para sermos autossuficientes na elaboração da bebida.” A empresa não revela sua necessidade anual de cevada, mas as maltarias de Passo Fundo e a da capital Porto Alegre possuem uma capacidade instalada para processar 232 mil toneladas de cevada, por ano. Em 2014, quando houve a maior quebra de safra dessa cultura, a Ambev conseguiu comprar no País apenas 20 mil toneladas do grão, 90% menos que na safra anterior.