Se tudo correr como o governo espera, a economia brasileira deve crescer cerca de 2% em 2020, e nesse impulso, claro, deve estar o setor agropecuário. O boletim Focus, do Ministério da Agricultura, aponta uma expectativa de crescimento de 3% para o setor no ano que vem. Mas, como tudo que se refere à economia do campo, as estimativas de crescimento são incertas. Isso porque, argumenta Felippe Serigati, pesquisador da GV Agro, as safras dependem de ciclos biológicos como o clima e a chuva, suscetíveis a mudanças.

Segundo dados do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (GV Agro), o setor agro representa hoje 25% do PIB brasileiro. O agronegócio está representado por duas vertentes, explica Serigati: o setor agropecuário, que inclui a produção agrícola e pecuária, e o setor da agroindústria. É justamente esse último que deve puxar o crescimento, se houver, diz o pesquisador.

Apesar dos impactos sofridos com a greve dos caminhoneiros do ano passado e um cenário externo instável, a agroindústria deve chegar em 2020 com uma atividade mais aquecida.  Comandam a alta da agroindústria dois produtos: o de carnes (ênfase em bovinos e aves), com alta nas exportações à China, e o setor sucroalcooleiro, com a produção de açúcar e etanol.

De acordo com pesquisas da GV Agro, estes dois produtos devem trazer competitividade ao agronegócio brasileiro. O crescimento do mercado deve repercutir na economia, com efeito multiplicador em regiões e municípios, aponta Serigati. “Os efeitos do agronegócio vão muito além do setor, veremos melhorias no mercado de trabalho, taxa de emprego e crescimento econômico”.

OS PLAYERS – A consultoria de Inteligência de Mercado INTL-FCStone divulgou estudo que mostra as perspectivas do agronegócio no primeiro trimestre de 2020.  Os produtos que aparecem no radar de exportações são: soja, milho, trigo, algodão, fertilizantes, cacau, açúcar, etanol, etanol de milho.

Para Vitor Andrioli, coordenador de Inteligência de Mercado da consultoria, em 2020 teremos um crescimento potencial da agropecuária brasileira, com a safra de soja em expansão e o etanol de milho como nova tendência. O relatório trimestral apresenta o seguinte cenário para as commodities:

  • Soja: a safra terá recorde de produção alcançando 121,6 milhões de toneladas. A commodity encontrará oportunidade na quebra de safra dos EUA, a recuperação do rebanho suíno chinês e o consumo forte de ração e biocombustíveis no Brasil. O que deixará a oferta e demanda mais equilibradas.
  • Milho: a safra em 2020 deve ser de 26,65 milhões de toneladas. As exportações de milho serão favorecidas pela quebra de safra nos EUA, a alta de vendas no Brasil, Argentina e Ucrânia, assim como a proibição do uso de restos de comida para alimentar os animais na China.
  • Trigo: esta commodity deve acompanhar o aumento de demanda global, e ser beneficiado pelas perdas de safra no hemisfério sul, o aumento de consumo de trigo nos EUA.
  • Algodão: Com a perda de espaço das safras na Austrália e Índia, líderes nos mercados globais, o algodão brasileiro encontrará oportunidades de venda na Reserva Estatal da China, e as exportações para os EUA durante o inverno mais quente no cinturão de algodão americano.
  • Cacau: O cacau apresentará um déficit de 50 mil toneladas na safra 2019/2020, contudo a perda de safra em Gana e um acordo entre EUA e China podem garantir a melhora dos índices.
  • Açúcar: Com os players globais Índia, Tailândia e Austrália em queda, e o crescimento da demanda dos EUA, o Brasil ganha espaço para exportar. A redução de exportações de açúcar do México e América Central também favorece este cenário.
  • Etanol: O produto deve colocar Brasil nos holofotes em 2020. A demanda por hidratados permanece elevada e o ajuste da gasolina A abre espaço para o etanol. Importações mais brandas e queda acelerada nos estoques globais devem contribuir com a alta das vendas brasileiras. Segundo o estudo, no primeiro trimestre, o Norte e Nordeste devem ser destaque nas importações de etanol.
  • Café: a alta da safra 2020/2021 deve impactar o mercado durante o ano inteiro, mas a incerteza pode afetar os preços. O mercado brasileiro encontra oportunidades na queda contínua dos estoques de café no mundo, e a recuperação do real brasileiro.

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), os produtos agropecuários respondem por 7% do PIB brasileiro, e seus efeitos repercutem na indústria e serviços. A estimativa para 2020 é positiva, contudo, a guerra comercial entre EUA e China deve impactar a nossa balança comercial com um possível acordo que diminua a exportação de commodities brasileiras.

Os impactos da trégua comercial

O fechamento de um eventual acordo comercial entre EUA e China pode repercutir nas exportações brasileiras, avalia Serigati. É o caso da soja, por exemplo, que teria um cenário desfavorável caso a China opte por comprar soja dos EUA. Outro setor que pode sofrer impactos segundo o pesquisador é a exportação de carne, porém, não em curto prazo.  “Mesmo com a desaceleração da demanda de carne na China, ainda falamos de escassez de carne no país asiático. Os EUA não têm como atender esta demanda sozinhos. Mas não podemos ignorar que um acordo comercial entre estes países pode ser prejudicial para o Brasil a longo prazo”, justifica Serigati.

Outros produtos que podem sentir os impactos do acordo comercial EUA-China são o papel e a celulose. O etanol ainda não foi formalmente inserido na pauta do acordo.

Para Vitor Andrioli, coordenador da INTL- FCStone, as commodities afetadas pela primeira fase do acordo comercial EUA-China seriam: a soja, o algodão, o café e o milho.  No caso do etanol, o cenário pode ser diferente porque o produto deve ser incluído no pacote de compras chinês que procura reduzir emissões e conter a poluição urbana. Outro fator é o etanol nos EUA: se os EUA começarem a exportar mais etanol, teremos uma demanda aquecida para os preços do milho.

A carne pode ter sua demanda reduzida pela trégua comercial. No entanto, a recuperação dos rebanhos chineses pode levar algum tempo, favorecendo ainda o Brasil.

Mesmo com uma eventual consolidação do acordo comercial EUA-China, os especialistas acreditam que o Brasil continuará sendo um player internacional importante do agronegócio. Em 2020, as expectativas são de o país ser fornecedor mundial de alimentos, agroindústria, biocombustível, papel, celulose, fibras e borracha. A produção da pecuária brasileira deve ocorrer de forma mais profissional.

Caso aconteça a perda de espaço no mercado chinês, nosso principal parceiro comercial, os especialistas afirmam que ainda há muitos destinos para as exportações brasileiras. Por exemplo: o mercado árabe, para a carne brasileira; e a União Europeia, para a soja, algodão e milho e outras commodities. O destino da EU deve ser favorecido com novo acordo MERCOSUL-UE, ainda que barreiras protecionistas emperrem um fluxo maior de vendas em alguns casos.

Outro fator que deve contribuir para o crescimento do agronegócio brasileiro será a exportação de produtos lácteos à China, já sinalizada pela ministra Tereza Cristina. “Se o Brasil conseguir exportar estes produtos para uma economia rigorosa como a China, abriremos portas em outros países com políticas de exportação rígidas” explica Serigati.

Desafios futuros

Mesmo com as perspectivas de crescimento, o Brasil terá que superar alguns gargalos para potencializar a produção do setor. Entre estes: logística, uso da água e desmatamento.

A logística do setor encontra grandes desafios na infraestrutura portuária, especialmente nos picos de safra. Os especialistas acreditam que 2020 ainda devem permanecer com estes gargalos, mas as melhorias devem se concretizar em 2025. Serigati explica que a agenda de reformas do governo pode atrair projetos de privatização e concessões muito importantes para a infraestrutura de portos e estradas.

O uso correto de água deve fazer parte de uma das tendências do agro em 2020, com o uso sustentável da terra na produção conjugada de lavoura, floresta e pecuária.

Já a questão do desmatamento, fundamental para o sucesso dos acordos com a União Européia, vai depender das decisões das associações e produtores.  “Alguns defendem, por exemplo, a moratória da soja, outros acreditam que não é necessária”, explica Andrioli.

Serigati acredita que há uma idéia errada de culpar o agronegócio pelo desmatamento da Amazônia. “Esta é uma idéia problemática, o desmatamento não é defendido pelas entidades de classe, nem pela ministra Tereza Cristina. Mas hoje é difícil tirar essa idéia da população”, defende. Para ele lidar com a desinformação sobre a origem do desmatamento ilegal será um grande desafio em 2020.

Enquanto isso, um novo protagonista rouba os holofotes da agroindústria brasileira: é o etanol de milho, que promete impulsionar o crescimento do setor, com a implantação de novas unidades de produção no país. Contudo, a soja ainda deve permanecer no seu posto de líder do agronegócio nacional.