Cerva, breja ou loira gelada. Tanto faz, desde que a cerveja chegue na temperatura ideal à mesa do bar. Ao saborear o famoso líquido feito com malte de cevada e lúpulo, poucos sabem de sua origem e muito menos de que se trata de um produto que, em sua essência, surge no campo. A matériaprima básica é a cevada, cereal que foi uma importante fonte de alimentação para os primeiros homens por volta de 10.000 a.C. Cultivar um relacionamento próximo dos agricultores que produzem esse grão é essencial para a Ambev, maior cervejaria brasileira, com faturamento de R$ 32,2 bilhões em 2012 e cujo valor de mercado é de R$ 276 bilhões, superior ao da Petrobras e ao da Vale. “Ao abrir uma cerveja, poucos imaginam como nossa cadeia produtiva é extensa”, diz João Castro Neves, presidente da Ambev, eleita o destaque em Agronegócio Indireto do anuário AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL.

O caminho da cerveja até o copo do consumidor brasileiro, de fato, é extenso. Ele começa na lavoura, onde, atualmente, mais de 2,5 mil famílias, com o apoio da Ambev, se dedicam ao cultivo da cevada no Sul do País, região com clima mais ameno e considerada ideal para o desenvolvimento da planta. A relação da Ambev com esses produtores rurais não é de um mero comprador. “Temos um modelo de negociação bem diferente”, diz Vinicius Barbosa, vice-presidente de logística e suprimentos da Ambev. A cervejaria atua como uma espécie de incentivadora da cultura, fornecendo treinamento, sementes selecionadas e fertilizantes para alguns agricultores de menor porte. Pelo menos dez técnicos da companhia estão, literalmente, em campo para ajudar esses produtores.

Não é toda cevada que pode ser considerada cervejeira. Ela segue um rigoroso processo de qualidade, acompanhado pela Ambev. Ao contrário da uva, que é influenciada pelo solo e pelo clima – o que os especialistas chamam de “terroir” –, a cevada precisa ser rigorosamente igual, independentemente da região onde é cultivada. Quando não pode ser transformada em malte, o produtor corre o risco de amargar prejuízo com o produto. Para evitar isso, a Ambev desenvolveu um mercado secundário que revende a cevada para forragens – isso é algo comum na Europa, mas raro no Brasil. Dessa forma, o agricultor conta com um estímulo para manter o cultivo. “É preciso convencê-los todo ano que vale a pena plantar cevada”, afirma Barbosa.

É o caso do agricultor Lisandro Webber, da Sementes Webber. Seu pai, Setembrino, começou a cultivar cevada na década de 1990, em Coxilha (RS), a 310 quilômetros de Porto Alegre. Na época, vendia para a antiga Brahma, que ao comprar a Antarctica deu origem a Ambev. Sua produtividade chega a até cinco mil quilos por hectare, considerada alta – a média é de três mil quilos por hectare. Neste ano, sua expectativa é colher duas mil toneladas de grãos nos 400 hectares de sua propriedade. No total, ele conta com 1,6 mil hectares, onde, além da cevada, produz trigo no inverno – no verão, suas culturas são milho e soja. “Investimos na genética da semente de cevada”, afirma Lisandro, que foi escolhido pela Ambev para fornecer sementes para outros produtores rurais.

Apesar de todo esse trabalho, a Ambev ainda precisa importar cevada para dar conta de sua produção de cerveja. Atualmente, 30% da matériaprima é cultivada no País. O restante vem do Uruguai e da Argentina. Os grãos, depois de colhidos ou importados, são transferidos para as maltarias. A Ambev conta com duas no Brasil, em Porto Alegre e Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. Nesses locais, os grãos são lavados e colocados num ambiente com umidade e temperatura controlada, onde vão germinar. Esse processo dura de quatro a seis dias. Por fim, são torrados. Dependendo da intensidade deste processo, o malte pode assumir colorações e aromas característicos de cada tipo de cerveja. A mais comum no Brasil é o tipo Pilsen, originária da cidade de Pilsen, na República Tcheca. Ela é reconhecida por sua cor clara e teor alcoólico médio, de 3% a 5%. Por fim, o malte de cevada é transportado para as 36 fábricas da Ambev, onde passará por um processo industrial que o transformará na cerveja que chega até o copo do consumidor brasileiro.

Da mesma forma que a cevada, a Ambev fomenta o cultivo do guaraná em Maués, no Baixo Amazonas, à beira do rio Maués-Açu. O município, que fica a 20 horas de barco de Manaus, é o maior produtor da fruta que dá nome ao famoso Guaraná Antarctica, que detém uma fatia de 10% do mercado de refrigerantes. Lá, desde a década de 1970, fica a fazenda Santa Helena, de dez mil hectares, que funciona como um laboratório natural a céu aberto para o cultivo da planta nativa da Amazônia. “É um trabalho similar ao dos produtores de cevada, mas com características diferentes”, afirma Renato Gouveia, diretor de compras da Ambev. “São agricultores muito pequenos, menos organizados e mais dependentes do nosso modelo.”

A Ambev compra o guaraná de aproximadamente 2,5 mil agricultores. Na sua imensa maioria, são famílias que usam a renda gerada com a venda do guaraná para sua subsistência. “Recebemos cartilhas, mudas e até orientação para as podas das árvores”, diz Paulo Eures Vasconcelos, dono de uma área de três hectares, que produz 450 quilos por ano de guaraná. A  Ambevcriou 12 polos agrícolas na região. Em cada um deles, há um técnico que visita os produtores com um barco com motor. De acordo com Vasconcelos, além do apoio para a plantação, a Ambev faz os pagamentos de forma antecipada. O produtor planta também mandioca, que é transformada em farinha, o que o ajuda a complementar sua renda anual.

O apoio da companhia brasileira vai além do campo. A Ambev financiou a construção de 1,3 mil casas populares na zona rural de Maués, onde vive cerca de 40% da população do município. Desenvolveu também projetos de avicultura e ovinocultura, com o objetivo de proporcionar fontes alternativas de subsistência aos produtores. Até uma oficina de costura, responsável pela confecção dos uniformes escolares, foi inaugurada. Hoje, ela emprega 32 costureiras. Além disso, a companhia estima que gasta cerca de R$ 20 milhões por ano só na compra do guaraná em Maués. Uma pequena parte da produção da fruta vem da Bahia. “Mas seria muito ruim para o marketing do produto se a fruta não viesse majoritariamente do Amazonas”, afirma o vice-presidente Barbosa.

O trabalho agora é aumentar a produtividade, pois a produção amazonense do guaraná é insuficiente para atender toda a demanda – não só da Ambev, mas de todos os interessados na fruta, desde os produtores de refrigerantes até os que usam o pó do guaraná, como fabricantes de estimulantes e as indústrias farmacêutica e de cosméticos. Nesse caso, a Ambev atua em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em pesquisas e técnicas de manejo, visando obter as melhores plantas em termos de produtividade, teor de cafeína e resistência a pragas e doenças. Em meados de novembro, a Embrapa informou que desenvolveu uma nova semente que permitirá ao País elevar a produção da planta amazônica em até 40%, sem a necessidade de desmatamentos. Trata-se da BRS Saterê e BRS Marabitana, que tem produtividade até seis vezes superior às sementes usadas na Amazônia. “São parceiros muito importantes para garantirmos a excelente qualidade de nossa matériaprima e, consequentemente, dos produtos da Ambev”, diz Castro Neves.