A economista Elizabeth Farina, presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), tem viajado de São Paulo a Brasília pelo menos uma vez por semana, desde o início do ano. Mas pode ser até duas vezes, como tem ocorrido nos últimos meses. Na capital, a agenda de Elizabeth se desdobra em reuniões com técnicos, ministros e seus assessores, e quem mais ela encontrar pelo caminho. A presidente da Unica busca por quem possa contribuir com a sua missão de fazer chegar ao governo federal as demandas de um setor que tem padecido dos efeitos de uma crise que parece não ter fim, provocada por três fatores perversos: clima adverso, rápida mecanização das lavouras de cana-de-açúcar e, principalmente, falta de políticas coerentes e adequadas. Além, é claro, de erros de gestão nas usinas e do “efeito manada”, que provocou uma onda de investimentos, nem sempre amparados em planos de negócios consistentes, na segunda metade da década passada. “O setor sucroenergético necessita de soluções urgentes, sob pena de perder o rumo definitivamente”, diz Elizabeth. 

Para a presidente da Unica, a saída para a crise está fundamentada em quatro propostas. A primeira é a formação de um sistema de preços previsível e de longo prazo para o combustível. A segunda, o retorno da cobrança da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a gasolina, imposto que chegou a representar R$ 0,28 por litro em 2012. Sem ele, o etanol perde competitividade diante do combustível fóssil. As outras duas propostas são a valorização da bioeletricidade a partir da queima da palha da cana-de-açúcar e o estímulo à indústria automobilística no desenvolvimento de motores que explorarem toda a eficiência energética do etanol.

Com a reeleição da presidenta Dilma Rousseff (PT) no mês passado, há indícios de que finalmente poderá haver algum diálogo mais maduro e produtivo entre o setor sucroenergético e o governo federal. Pelo menos foi o que a presidenta acenou logo após os resultados das urnas. Há uma sinalização de mudança nos preços dos combustíveis e a Cide sobre a gasolina pode ser ressuscitada. Para o economista Plínio Nastari, presidente da consultoria Datagro, essas políticas não podem demorar muito para serem implantadas. O rombo provocado pelo endividamento das empresas do setor é de R$ 70 bilhões. Atualmente, 66 usinas estão em recuperação judicial, das 390 em operação. No mês passado, a Datagro reuniu na capital paulista 650 participantes de 32 países e 40 palestrantes para a 14ª Conferência Internacional sobre Açúcar e Etanol, que contou com o apoio da DINHEIRO RURAL. Nos dois dias de debates, o endividamento do setor sucroenergético foi um dos temas centrais. “Em muitas empresas não há mais recursos nem mesmo para pagar os serviços da dívida”, disse Nastari. “Este fato está gerando uma desestruturação de tal ordem, sob pena de o segmento diminuir de tamanho e o Brasil ter de importar mais gasolina”. Nos últimos três anos, somente com o combustível, o País gastou US$ 6,8 bilhões em importações.  

Mas apenas as políticas do governo não explicam a dificuldades do setor. “Nos últimos cinco anos, as adversidades climáticas enfrentadas pelos produtores de cana na região Centro-Sul do País, responsável por 80% das lavouras do País, foram decisivas para o acirramento da crise”, diz Ana Paula Malvestio, especialista em direito tributário na consultoria Pricewaterhouse Coopers, de Ribeirão Preto (SP). “Ora por excesso de chuva, ora por seca, as lavouras têm sofrido muito, numa escala sem precedentes de comparação.” Nesta safra, por causa da seca, a previsão é de uma quebra de cerca de 9%.” A moagem de cana deve cair de 597 milhões de toneladas em 2013/2014 para 546 milhões de toneladas na temporada 2014/2015. Colabora, ainda, para esse quadro a obrigatoriedade da mecanização da colheita da cana, medida que nos últimos anos reduziu a produtividade das lavouras em até 15%.

Para Elizabeth, apesar do atual quadro de penúria de uma parte significativa de usinas, o setor sucroenergético é um modelo vencedor de negócio. E assim deve ser encarado. De acordo com dados da Unica, entre 2004 e 2010, enquanto parte das usinas fechava por desacertos provocados pelo mercado, ou por má gestão, outras 100 usinas entravam em operação. Nesse período, as empresas investiram US$ 30 bilhões para ampliar a produção, dos quais US$ 5 bilhões foram gastos na mecanização da colheita da cana e US$ 1,5 bilhão desembolsado em infraestrutura. Até 2017, os investimentos previstos em dutos e hidrovias para melhorar a logística da cana somam US$ 3,5 bilhões. “É preciso não se esquecer de que o setor sucroenergético gera riqueza”, diz Elizabeth. “Perde o País se ele não voltar a crescer.” Na safra 2013/2014, o Produto Interno Bruto (PIB) dessa cadeia produtiva foi de US$ 43 bilhões, o equivalente a cerca de 2% do PIB nacional de 2013. “Hoje, além de produzir açúcar e etanol anidro e hidratado, a biomassa para a produção de bioeletricidade entrou definitivamente como um subproduto da cana”, diz a presidente da Unica. “As usinas têm conseguido operar com autonomia de energia elétrica e ainda 40% delas vendem excedentes às redes de distribuição.” 

A crença de que mudanças são possíveis é refor çada por Paulo Roberto de Souza, presidente da Copersucar, cooperativa de usinas que reúne 43 unidades em São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Goiás. No ano passado, a Copersucar faturou R$ 23,2 bilhões, 58% a mais que em 2012, e foi um dos destaques na categoria Gestão de Cadeia Produtiva no ranking AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL. “Apesar da crise e das dificuldades de operação, continuamos otimistas com o etanol”, diz Souza. Ele acredita que, embora o cenário não seja favorável a novos investimentos, os preços tendem a melhorar para o setor, aliviando o aperto financeiro. “Os sinais de uma demanda maior pelo biocombustível devem aparecer dentro de seis meses.” Uma das medidas seria a entrada em vigor do aumento do etanol anidro na gasolina, dos atuais 25% para 27%. Em setembro, o governo federal encomendou um estudo ao Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes) sobre a viabilidade da medida. Durante o evento da Datagro, o deputado federal Arnaldo Jardim (PPSSP), um dos líderes do Movimento Pró-Etanol, disse que os resultados do teste já estão com o governo e que as informações de bastidores dão o teste como positivo. “Mas o aumento da mistura deve ficar para a safra do ano que vem”, disse Jardim.