Nascido em Araguari, no Triângulo Mineiro, José Roberto Ferreira Alves é um tipo de produtor singular. Em sua fazenda, Moenda da Serra, em Araguapaz, no noroeste de Goiás, ao lado do gado nelore, com o qual trabalha há mais de três décadas, há espaço para uma atividade pouco comum ao povo que se dedica à pecuária: a criação da tartaruga-da-amazônia para o aproveitamento da carne, um produto gourmet no mercado gastronômico, cujo óleo é destinado à fabricação de cosméticos. Em 1998, época em que Alves decidiu trabalhar com esse animal de água doce, a Podocnemis expansa, como é conhecida entre os cientistas, a espécie estava ameaçada de extinção e fazia parte de um programa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) batizado de Quelônios da Amazônia. O objetivo do Ibama era incentivar a formação de criatórios para recuperar as populações dessas tartarugas e também combater a caça ilegal. A atividade deu tão certo que a criação virou um negócio para o pecuarista. “Hoje, a tartaruga-da-amazônia está fora do risco de extinção”, diz Alves, que é engenheiro eletricista. “Ajudamos a proteger a espécie, ao mesmo tempo em que garantimos o fornecimento de carne e óleo de uma maneira legal e sustentável.” Atualmente, Alves cria 27 mil tartarugas – trata-se do único criatório legal de Goiás – em cinco tanques que ocupam 15 hectares de um total de 480 hectares da fazenda.

A dedicação às tartarugas se refletiu na formação do filho, o veterinário José Roberto Ferreira Alves Júnior, hoje pesquisador e doutor, professor do Instituto Federal Goiano, no campus de Urutaí. “Quando comecei a trabalhar com a criação das tartarugas, havia muitas dificuldades”, diz Alves Júnior. Na época, pouco se sabia sobre como deveria ser a estrutura dos tanques, por exemplo, ou mesmo sobre a reprodução da espécie em cativeiro. Os tanques quadrados permitiam que as tartarugas fugissem. “A vontade de vencer as dificuldades na criação me fez estudar”, diz Alves Júnior. “E assim começamos a gerar conhecimento.”

Em 2010, o pesquisador foi responsável pelo desenvolvimento da metodologia de abate industrial da tartaruga-da-amazônia, aprovada pelo Ministério da Agricultura. Desde então, com a autorização do Ibama, a fazenda Moenda da Serra já enviou ao abate cerca de 3,5 mil animais. A carne leve e delicada, vendida por R$ 35 o quilo com osso, ou por R$ 50 no caso do filé, já é servida em bares e restaurantes de Goiânia, Brasília (DF) e Bonito, em Mato Grosso do Sul. Neste ano, a família Alves espera que o frigorífico em Brasília, no qual as tartarugas são abatidas, receba a aprovação do rótulo do Serviço de Inspeção Federal (SIF). “Teremos abates mais frequentes, garantindo a carne do animal com maior regularidade no mercado”, diz Alves. O projeto é abater até seis mil tartarugas por ano, o que daria para colocar no mercado seis toneladas de carne e 180 litros de óleo. As tartarugas são abatidas com peso vivo entre quatro e cinco quilos, quando atingem a idade de 5 anos.

A carne exótica da tartaruga representa um filão de mercado que tem atraído os chefes de cozinha, mas o produto com maior potencial de mercado, segundo o criador, é a gordura do animal. O que representava um resíduo para o frigorífico, hoje vem sendo valorizado pela indústria cosmética. De olho nesse mercado, há pouco mais de um ano Alves abriu uma empresa de cosméticos, a Cotomi, com uma linha de sete produtos, entre xampu, condicionador, sabonete líquido e creme hidratante. O óleo da tartaruga, rico em proteínas e nutrientes, é indicado principalmente para a hidratação de peles secas. Há muito tempo, as propriedades cosméticas desse óleo já eram conhecidas pelos ribeirinhos do Araguaia, rio que divide Goiás de Mato Grosso. “Os ribeirinhos também usam o óleo como expectorante e no tratamento de contusões”, diz Alves. No entanto, ele é pioneiro na utilização formal e sustentável dessa matéria-prima. O investimento na Cotomi cosméticos foi de R$ 600 mil, com a meta inicial de faturar R$ 1 milhão por ano. Alves calcula que, para cada mil tartarugas abatidas, as vendas da carne rendam cerca de R$ 35 mil e as de cosméticos, R$ 300 mil. “O mundo dos cosméticos é uma coisa fantástica e com infinitas possibilidades”, afirma. No futuro, o projeto é ampliar a linha de produtos com esmaltes e batons, além da venda do óleo puro, hoje cotado em R$ 2 mil o litro, para outros fabricantes de cosméticos. “Também estamos buscando formas de aproveitar o casco e o couro da tartaruga”, diz Alves. “São produtos que podem servir ao artesanato.”

A sedução dos gigantes

Grupos como as francesas L’Occitane e L’Oreal e a brasileira Natura apostam na fauna e flora do País

No mercado da beleza, espaço é o que não falta para crescer. A Cotomi, da família Alves, é uma das 2,3 mil empresas que hoje atuam no mercado de produtos de beleza no País, que movimentou R$ 34 bilhões em 2012, segundo estimativas da ABIHPEC, a entidade do setor. Além de empreendedores como Alves, a biodiversidade do País atrai nomes como as francesas L’Occitane e L’Oreal e a brasileira Natura. Para investir no Brasil, por exemplo, a L’Occitane fez parcerias com agricultores e lançou, no ano passado, uma marca de produtos exclusivos do País. Batizada de L’Occitane au Brésil, a linha tem perfumes, sabonetes e cremes que levam na composição o jenipapo cultivado no interior de São Paulo, o mandacaru baiano, a araucária do Paraná e a vitória-régia colhida no Pará. “Buscamos ingredientes que nunca tinham sido usados pela indústria cosmética”, diz Marialice Rocha, gerente de comunicação corporativa da L’Occitane. “Vimos a oportunidade de mostrar um Brasil inédito.”

Não é de hoje que a indústria cosmética busca inspiração no agronegócio. A gigante Natura, com receita de R$ 6,3 bilhões em 2012, foi uma das primeiras a valorizar matérias-primas, como óleos vegetais, sementes e extratos de frutas, quando lançou a linha Natura Ekos, no início dos anos 2000. Atualmente, mais de 12 produtos são explorados por 35 comunidades de agricultores e extrativistas, a maioria localizada na região amazônica. A empresa também busca suas matérias-primas em outros Estados, como é o caso da erva-mate, no Rio Grande do Sul, e do cacau na Bahia. “Esses produtos geram renda e desenvolvimento local”, diz Renata Puchala, gerente de sociobiodiversidade da Natura. “Além disso, a indústria cosmética, que precisa de inovações constantes, leva novas práticas e técnicas ao campo”, afirma. “Há muito para se descobrir, principalmente na região do Cerrado e na caatinga.”

Uma parceira importante da Natura para o trabalho de pesquisa é a Beraca, empresa paulista que fornece insumos à indústria cosmética. Com o seu Programa de Valorização da Biodiversidade, a Beraca mantém um trabalho permanente com cerca de oito mil agroextrativistas de sete Estados. Para Daniel Sabará, diretor executivo da área de saúde e higiene pessoal da empresa, a principal política da empresa é passar o conceito de que a floresta em pé vale mais. “O agroextrativista entende que é mais vantajoso deixar a árvore produzir sementes a vida inteira, o que gera renda por gerações”, diz Sabará.

Atualmente, além da Natura, a Beraca fornece matérias-primas para grandes clientes, como a L’Oreal, que compra o cupuaçu para a linha Garnier Fructis, e o óleo de murumuru, extraído da semente de uma palmeira típica da Amazônia, para uma linha profissional. Segundo Sabará, o mercado de cosméticos não vai parar de crescer. Dos R$ 180 milhões faturados em 2013 pela Beraca, R$ 25 milhões vieram da divisão de cosméticos. “Estamos na maior fonte de biodiversidade do planeta”, diz Sabará. “O Brasil tem um enorme potencial para atender ao mercado cosmético, ávido por novidades.”