Em 1982, ano em que o Brasil perdeu a Copa do Mundo com o time dos sonhos, um jovem de 23 anos deixou a cidade de Caiçara, na fronteira do Rio Grande do Sul com Santa Catarina, dirigindo um caminhão. Seu nome, Otaviano Pivetta. Seu destino, o Mato Grosso, que ele só conhecia de nome e das histórias de onças que devoravam gaúchos aventureiros. Seu sonho era ter um pedaço de terra. Duzentos hectares, talvez. Pivetta chegou de mansinho, fez alguns fretes para os produtores, juntou dinheiro, comprou uma fazenda, criou porcos, plantou soja, montou cooperativas… e então ele já havia crescido. Aos 37 anos, era prefeito de Lucas do Rio Verde, um dos pólos emergentes do novo Brasil que pode ser a salvação de um mundo com medo da fome. Ficou lá por oito anos, até sair para um mandato de deputado federal. Mas a grande transformação aconteceu no campo empresarial – e não político. Os 200 hectares do sonho de menino se transformaram num império: o Vanguarda do Brasil, que faturou R$ 365 milhões em 2007, ocupando 220 mil hectares, onde pastam 90 mil bois e se produzem grandes quantidades de soja, algodão e milho. “Fui bem mais longe do que sonhava, mas, agora, quero ter 500 mil hectares”, antecipou Pivetta à DINHEIRO RURAL, numa de suas raras entrevistas. Esse é o tamanho que ele avalia ideal para que a sua empresa possa chegar à Bolsa de Valores de São Paulo, num possível lançamento de ações.

Para crescer, esse gaúcho desbravador vem adquirindo terras num ritmo frenético e também tem realizado grandes parcerias. A mais recente aconteceu em março passado, quando ele comprou 50% de uma empresa com 110 mil hectares em Luis Eduardo Magalhães, no oeste baiano. As terras fazem parte do chamado Consórcio Cachoeira do Estrondo, que detém 235 mil hectares, envolvendo 23 sociedades anônimas. Segundo Ronald Levinsohn, administrador do consórcio, a parceria com Pivetta aparece em boa hora. “Ele é um dos homens que mais entendem de soja no Brasil e nós temos parte das melhores terras do País”, diz ele. Levinsohn é também um personagem que fez história no capitalismo brasileiro. Na década de 70, ele trouxe as cadernetas de poupança para o Brasil, através da Delfin, foi vítima de uma blitz apoiada por grandes bancos, mas conseguiu retomar a atividade empresarial na área educacional, com a UniverCidade, do Rio de Janeiro, e também com sua aposta agrícola. “É o maior projeto do oeste baiano e a região é, sem dúvida, a Califórnia de 1850”, compara.

Entre áreas próprias e parcerias, Pivetta já acumula 330 mil hectares, mas está procurando terras em novas fronteiras, como o Maranhão. Para gerenciar o negócio, o produtor tem trazido gente de peso. Da operadora de celulares Claro, trouxe Leonardo Slhessarenko, responsável pela implantação do sistema financeiro da operadora. Missão que recebeu do mexicano Carlos Slim, um dos homens mais ricos do mundo. “Será um desafio trabalhar na agricultura, mas estamos desenvolvendo tecnologias para ampliar a eficiência”, diz.

Atualmente, a Vanguarda já conta com tecnologia de ponta. Mapas de produção, áreas semeadas, áreas colhidas, tudo é acompanhado praticamente online dos computadores da sede.

COM SISTEMA DE CONFINAMENTO, EMPRESA ENGORDOU 90 MIL CABEÇAS DE GADO EM 2007

“Como nossa produção é verticalizada, os negócios se ‘falam’, o que nos permite lucrar de formas diferentes”, explica Emílio Soares, diretor de produção. Há dez anos, ele trabalha com Pivetta, que comprou seu “passe” do ex-rei da soja, Olacyr de Moraes. “Do algodão vendemos a pluma, mas também aproveitamos o caroço para fazer silagem para o gado, que é criado de forma intensiva, com dez cabeças por hectare”, explica. O número é mais do que dez vezes superior à média nacional, de 0,8 cabeça por hectare. Os pastos são plantados em áreas antes agricultáveis, com alto índice de fertilidade. O resultado é um capim mais alto e a possibilidade de aumentar a taxa de lotação nos piquetes. No ano passado, eles entregaram 90 mil cabeças ao frigorífico Marfrig.

Pivetta acredita que pode fazer de sua empresa um modelo de gestão e controle ambiental. Para isso, estabeleceu uma parceria com a certificadora Global Gap, para estabelecer protocolos de produção para soja, milho e algodão. Com isso, ele pretende diminuir a distância entre o produtor e comprador final e, ainda por cima, tirar do caminho tradings como Bunge, Cargill e ADM. “Por termos um produto rastreado, recebemos US$ 10 a mais por tonelada de soja”, explica. Mas sua grande tacada para o futuro está depositada numa empresa de agroturismo, desenvolvida pela OP Participações, que além de “dona” da Vanguarda do Brasil, possui dois hotéis, um em Cuiabá e outro recéminaugurado em Lucas do Rio Verde. Pivetta pretende fazer de suas fazendas uma “Disney” do agronegócio. Diferentemente do conceito mais difundido no mercado, ele pretende trazer ao Brasil investidores que farão visitas guiadas em suas fazendas, e conhecerão como é a agricultura brasileira.

EM LUCAS DO RIO VERDE, FAZENDA POSSUI PISTA DE POUSO ASFALTADA COMO PARTE DA INFRA-ESTRUTURA

Quanto à parte administrativa da empresa, ele é taxativo: “Estamos nos preparando para abrir o capital, mas só vamos fazer quando não conseguirmos mais crescer”, afirma. Seguindo os mesmos passos de outras empresas do setor, como a SLC, que abriu seu capital em 2007, ou como os frigoríficos Friboi e Marfrig, ele acredita que terá de criar sua própria fórmula. “O que eu quero é deixar a minha obra e um legado para as próximas gerações”, comenta, dando uma dica de como será a gestão da Vanguarda do Brasil no futuro. A vida de Pivetta é também a prova de que o Brasil é uma terra de oportunidades para quem tem um sonho e corre atrás dele – nem que seja de caminhão.