O Capril do Bosque, no município de Joanópolis (SP), era para ser apenas um local de lazer da família de Heloísa Collins, 66 anos, que por 38 anos foi professora do departamento de inglês e pesquisadora na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Localizado nas encostas da Serra da Mantiqueira, foi o que aconteceu com o sítio de 11 hectares por quase quatro décadas. Mas, desde 2010, ele vem sendo transformado por Heloísa em um negócio raro no País: uma queijaria artesanal de produtos finos, elaborados com leite de cabra. São oito tipos de queijos, alguns com protocolos desenvolvidos por ela. O mais recente, o Serra do Lopo, em homenagem ao pico de 1,7 mil metros de altitude, localizado a poucos quilômetros do capril, foi registrado em novembro do ano passado. De casca lavada na cerveja, o queijo meio rosado e de sabor suave, é curado por 60 dias. Há também o Azul do Bosque, inspirado no protocolo do queijo inglês Stilton, fabricado com leite de vaca e famoso por sua textura cremosa; e o Caprino do Embaixador, inspirado no pecorino italiano, um queijo compacto e de sabor acentuado, que na Europa é produzido com leite de ovelha.  “Eu tive uma educação provocadora”, diz Heloísa. “A queijaria nasceu porque até no lazer eu tinha o ímpeto da pesquisa.”

Heloísa está um passo à frente dos demais produtores artesanais” Bruno Cabral, da mercearia Mestre Queijeiro, em São Paulo

As experiências que deram origem aos queijos do Capril do Bosque começaram na década de 1990, quando Heloísa possuía quatro vacas e uma cabra leiteiria. Ao longo dos anos, ela descartou a possibilidade do leite bovino e passou apenas a testar o leite de cabra. Foram analisados cerca de 20 tipos de queijos, a partir da produção diária de 30 litros de leite. Na época, o volume era suficiente para quatro quilos de queijo por semana, vendidos a uma rede informal de amigos em São Paulo e em dois mercados de Joanópolis. O negócio começou a ganhar corpo em 2009, quando Heloísa deixou a universidade e decidiu investir R$ 700 mil para modernizar as instalações do sítio. A partir de 2010, com um estábulo funcional, uma fábrica artesanal com inspeção sanitária estadual e um restaurante administrado pela filha Juliana, chef de cozinha que elabora pratos à base de queijos, a pequena queijaria ganhou escala de produção. O sítio possui hoje 75 animais da raça saanen, dos quais 50 cabras são adultas e 25 estão em lactação. Com as melhorias, somente a terra está avaliada atualmente em cerca de   R$ 2 milhões. A produção é de 60 litros diários de leite, mas a meta é chegar a 100 litros até o próximo ano. Mesmo assim, o leite ordenhado ainda representará metade da demanda atual da queijaria, de 200 litros por dia, para produzir 50 quilos de queijo por semana, ou 200 quilos por mês.


Olhar francês: para o chef Suaudeau, os queijos lembram os produtos do vale do Loire

A gestão do rebanho é tarefa do filho Vítor, mestre em antropologia também pela PUC, que, assim como a mãe, deixou a universidade. “A ideia é incentivar a região a produzir leite e formar uma cadeia que agregue valor ”, diz Vítor. A demanda do capril é coberta por pequenos produtores da região. Para Heloísa, não importa o tamanho do empreendimento, porque o importante é a qualidade do produto. “Para ter um bom queijo, o leite precisa ser sadio, sem bactérias e coliformes”, diz ela. “Com qualidade, o que a queijaria não usar, o produtor pode transformar em iogurte, coalhada ou mesmo em cosméticos.”
O esmero no processamento dos queijo tem levado Heloísa a se tornar unanimidade entre personalidades de renome no mundo da gastronomia paulistana. Entre elas estão a chef Carla Pernambuco, apresentadora de TV e dona do restaurante Carlota; Juscelino Pereira, responsável por casas de sucesso, como Piselli e Zena Caffé, e Daniela Bravin, sommelière  do Bar da Dona Onça e da Casa do Porco, todos clientes do Capril do Bosque. Mais recentemente, Heloísa conquistou o exigente chef francês Laurent Suaudeau, com o qual fechou uma parceria em janeiro. Suaudeau está utilizando os queijos nas aulas de sua Escola da Arte Culinária Laurent, em São Paulo, aberta em 2000 e por onde já passaram cerca de cinco mil alunos.  Em março, o chef realizou a primeira compra de queijos para o seu restaurante Kaá, de inspiração franco-italiana. “O aroma dos produtos do Capril me lembra os queijos da região de Cholet, no vale do Loire, de onde vim”, diz Suaudeau.  “De modo geral, os queijos são muito equilibrados, mas me chamam a atenção o Pirâmide, o Cacauzinho e o Azul do Bosque.” O cacauzinho é um queijo maturado com mofos brancos sobre cobertura de cacau e baunilha. O Pirâmide tem casca de mofos brancos que crescem sobre uma camada de carvão vegetal de madeira francesa.

Para Suaudeau, o Capril do Bosque possui um desafio e um espaço enorme a ser ocupado no mercado de queijos finos.  Não há números oficiais sobre esse nicho, mas, de todos os tipos de queijos, o Brasil consome cerca de um milhão de toneladas por ano, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Queijo. Desse total, apenas 3% são importados. O consumo anual de 5,5 quilos per capita, apesar de ter crescido nos últimos três anos, ainda está longe do consumo argentino de 11 quilos, ou do francês e italiano, de 25 quilos. “Mesmo assim, a importação acaba incentivando uma produção de melhor qualidade e nos últimos tempos aparecem, cada vez mais, pequenos produtores que estão desencadeando esse nicho de comércio no Brasil”, diz Suaudeau.


Rebanho Saanen: o manejo das cabras é tarefa de Vítor, filho de Heloísa, que também deixou a vida acadêmica

Os queijos de Heloísa também são vendidos em lojas de produtos finos, como a rede italiana Eataly, que chegou ao Brasil no ano passado, em São Paulo, para vender cerca de sete mil produtos gourmet, a maior parte importados. Na mercearia Mestre Queijeiro, de Bruno Cabral, os queijos do Capril do Bosque são vendidos desde 2012. “Eu diria que Heloísa está um passo à frente dos demais produtores artesanais”, diz Cabral. “Ela montou um negócio com qualidade sanitária, gestão e logística perfeita porque nunca há falha na qualidade do produto ou na entrega.” No ano passado, Cabral faturou R$ 800 mil vendendo 35 tipos de queijos, dos quais seis de cabra, elaborados por nove produtores. Os preços ao consumidor vão de R$ 180 até R$ 280 o quilo. “Os apreciadores de queijos finos são fiéis”, diz Cabral. “Nos três primeiros meses de 2016 crescemos 20%, comparado a 2015.”


Fábrica artesanal:uma das cinco câmaras nas quais os queijos são maturados até o ponto ideal

A tática do Capril do Bosque, de produzir somente queijos de protocolos mais elaborados e apenas a partir da demanda do consumidor, orientou os negócios de Heloísa desde o início. Por exemplo, é bom não pedir pelo tipo boursin, de origem francesa, em bolinhas embebidas no azeite, um dos queijos de cabra mais comuns no mercado. “Já produzi esse queijo, mas parei”, diz Heloísa. “Decidi que iria fazer o que outros queijeiros não produziam, porque eu nunca quis entrar na competição do mercado e sim em um nicho.” Em março, a convite da universidade americana de Wisconsin, em Madison, o Capril do Bosque ganhou seus primeiros prêmios internacionais ao participar do World Championship Cheesse Contest, concurso que avaliou três mil queijos de 21 países.  O Azul do Bosque ficou em 11º lugar e o Serra do Lopo em 13º lugar nas suas categorias. “Quando comecei, não tinha pretensão de reconhecimento”, diz Heloísa. “Queria apenas trabalhar em algo que eu gostasse muito.” E deu certo. Heloísa já foi convidada pela universidade americana, famosa mundialmente por suas tecnologias queijeiras, para ser a conselheira de um projeto que ela pretende, no futuro, implantar no Brasil: formar técnicos queijeiros nas escolas públicas de segundo grau. “Por causa da pesquisa, mais uma vez eu não resisti e já disse sim aos americanos.”