BISNETO, EM MATO GROSSO DO SUL: ele compra e recupera usinas em dificuldades

As memórias do usineiro José Pessoa de Queiroz Bisneto estão povoadas pela cultura sucroalcooleira. Representante da quarta geração de uma das mais tradicionais famílias de Pernambuco, ele lembra das férias escolares que passava na Usina Santa Terezinha. Foi nessa época que tomou gosto pelo nada agradável cheiro da vinhaça, subproduto do processo de fabricação do açúcar. Queiroz Bisneto também lembra das longas partidas de gamão com o bisavô, de quem herdou o nome.

Durante o jogo, o velho José Pessoa dava ensinamentos ao bisneto sobre a vida, a lavoura de cana e as usinas de açúcar. Afinal, o patriarca havia construído um império no Nordeste ligado ao setor sucroalcooleiro na primeira metade do século XX. “Ele foi um dos homens mais ricos de sua época. Só que teve oito filhos e 50 netos, que torraram tudo o que ele construiu”, conta ele. “Nos anos 70, a empresa estava quebrada. Não sobrou nada.” Pois bem, o mais velho bisneto do velho José Pessoa também está construindo o seu império. Aos 47 anos, Queiroz Bisneto é dono de seis usinas e inaugura mais uma nos próximos 60 dias. Seu grupo está entre os dez maiores produtores de açúcar e álcool do Brasil, com capacidade de moer sete milhões de toneladas de cana por ano. A meta da empresa, no entanto, é chegar a um processamento de 11 milhões de toneladas. Mas não é só. Queiroz Bisnesto planeja a abertura de capital do grupo. Com os ativos que possui, o grupo é avaliado em US$ 500 milhões. “Estamos preparando a empresa para isso. Se de fato iremos para a bolsa é uma questão de oportunidade de mercado”, despista ele.

COLHEITA DA CANA: Grupo J.Pessoa está entre os dez maiores do País

O empresário começou a construir seu império no início do declínio do Próalcool. Sua estréia no setor foi com o arrendamento de uma área de exatos 1.050 hectares de cana na cidade de Água Preta, em Pernambuco. Passou a atuar também no comércio de açúcar no Recife. Pouco a pouco foi ampliando a produção de cana em terras de terceiros. Em 1986, ele comprou sua primeira usina em Alagoas. Cinco anos depois adquiriu a Debrasa, planta industrial em Brasilândia, sua primeira usina em Mato Grosso do Sul e primeira incursão fora do Nordeste. Na época, era considerada uma usina “inviável” que havia passado por muitas mãos. Até chegar a Queiroz Bisneto. “Eu olhava aquilo e achava uma beleza”, conta ele, que hoje é presidente do Sindicado do Açúcar e Álcool de Mato Grosso do Sul. É verdade que a terra era fraca, comparada às altas produtividades das lavouras de São Paulo, já em plena expansão. “Quando comprei a usina, a produtividade era de 40 toneladas por hectare. Hoje, é de 70”. A partir de então, Queiroz Bisneto fez a fama de administrador competente, capaz de tornar rentável usinas em dificuldades. Até hoje, foram sete unidades compradas, sendo que uma delas foi vendida. Agora, no entanto, ele experimenta a sensação de construir sua primeira unidade do zero. Nos próximos 60 dias, deverá entrar em operação a usina Everest, localizada em Penápolis, oeste paulista. As obras atrasadas tiram o bom humor do empresário. Afinal, a nova estrutura já tinha que estar moendo desde o começo da safra. “Estamos perdendo dinheiro.”

O USINEIRO EM SEU AVIÃO: ele acompanha pelo laptop todos os números das suas fazendas

Hoje, o grande desafio de Queiroz Bisneto é transformar as usinas em um grupo integrado. Em 2004, ele criou a Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool, a CBAA, uma estrutura unificada. É sobre o chapéu dessa empresa que José Pessoa vem aglutinando as usinas e prepara as unidades para a abertura de capital. Mas o empresário não está deslumbrado com o farto dinheiro que pode vir da bolsa. Do mesmo modo, olha com cautela a expansão acelerada do setor que conhece desde a infância. Queiroz Bisneto contabiliza cerca de 70 projetos anunciados em Mato Grosso do Sul. “Se 20 usinas saírem do papel, será muito”, diz ele. Queiroz Bisneto acredita que o Brasil vive um momento parecido com o auge do Próalcool, no qual empresários de outras áreas investiram no setor. E o usineiro é enfático com o destino de muitos desses novos empreendimentos sucroalcooleiros: muitos vão quebrar. O que pode vir a ser um bom negócio para os tradicionais produtores de açúcar e álcool. “Os grandes grupos hoje ganharam escala comprando usinas falidas. Nós crescemos assim”, diz ele.

PROCESSAMENTO INDUSTRIAL: sua meta é atingir 11 milhões de toneladas

NOVAS USINAS: grupo tem seis unidades e está prestes a inaugurar mais uma

Se o sobrenome famoso abre portas no mundo sucroalcooleiro, também lhe rende eventuais dissabores. Em 2003, duas fazendas da Usina Santa Cruz, no Rio de Janeiro, foram alvo de denúncias de trabalho degradante pelo Ministério do Trabalho. O empresário nega as acusações e se defende dizendo que, ao comprar a usina carioca em 2002, passou a contratar com carteira assinada os trabalhadores, o que teria contrariado os interesses de agenciadores locais de mão-de-obra temporária. Outra dor de cabeça foi o trabalho indígena nas usinas de Mato Grosso do Sul. A empresa já chegou a ter mais de 1,2 mil índios guarani trabalhando na lavoura e no corte de cana. O contrato era feito com a Funai, que recebia o dinheiro e repassava para as comunidades, já que o índio é considerado incapaz pela lei. Não tardou para surgirem problemas com o INSS, que exigia o vínculo empregatício tradicional. “Ficamos no meio de um fogo cruzado”, lembra o usineiro. Ainda restam indígenas nas duas usinas de Mato Grosso do Sul, mas Queiroz Bisnesto reconhece que é uma questão de tempo para que a mecanização seja adotada por completo. Só as usinas de São Paulo contam com colheita com máquinas. “Não tem como fugir. Vai faltar mão-de-obra e os padrões ambientais são cada vez mais rígidos com a queima da cana”, diz Queiroz Bisneto, que já se programa para a compra de novas máquinas em 2007 e 2008. Na correria para colocar o grupo com dez mil funcionários para funcionar, Queiroz Bisneto cruza os céus do Brasil em um Citation 500 I. O expediente não é uma novidade. Nos anos 50, o velho José Pessoa deixava Recife em um avião Beechcraft em direção às usinas. Nem tanta coisa mudou assim na vida dessa família de usineiros.

US$ 500 MILHÕES é a estimativa do valor de mercado da empresa