Cotegipe, no interior da Bahia, a 900 quilômetros de Salvador, é um município tão minúsculo no mapa brasileiro que dificilmente alguém tomaria nota se não fosse por um motivo: é nele que se localiza a fazenda Nova Terra, que pertence ao empresário Alexandre Grendene, dono de uma fortuna avaliada pela revista americana Forbes em US$ 2,5 bilhões, em negócios que vão do ramo calçadista a investimentos em siderurgia e cana-de-açúcar. Na Nova Terra, Grendene desenvolve um dos maiores projetos de seleção e melhoramento de touros nelore no País, conduzido pelo inglês Ian Hill, há 40 anos no Brasil. A propriedade foi comprada para abrigar o rebanho bovino que até 2005 era criado no interior paulista, no município de Valparaíso, onde hoje há uma usina de etanol em parceria com o empresário e também pecuarista Jonas Barcelos, com capacidade para moer 1,2 milhão de toneladas de cana-de-açúcar por safra.

Passada uma década, a fazenda baiana, de 45 mil hectares, que faz parte da Agropecuária Jacarezinho, o braço rural de Grendene, presidido por Hill, se transformou em uma fábrica de touros de alta qualidade, ao promover o melhoramento de bovinos nelore. O rebanho de cerca de 10,5 mil fêmeas dá origem, anualmente, a 1,5 mil touros para serem comercializados. “Nossa meta é chegar a uma produção de dois mil touros por safra”, diz Hill. As vendas da safra de touros 2015 começam neste mês, realizadas diretamente na fazenda ou em leilões. Segundo o leiloeiro Miguel Lourenço Campo, dono da Central Leilões, de Araçatuba (SP), bons reprodutores estão sendo vendidos neste ano por valores médios que vão de R$ 10 mil a R$ 12 mil, acima dos valores de 2014. “Mas já realizamos vendas de touros, nos quais os animais saíram da pista cotados à média de     R$ 15,5 mil”, diz Campo. Em arrobas de boi gordo, que é a moeda de referência para os pecuaristas que compram reprodutores, o preço de cada um desses animais equivale a 110 arrobas.


Alvo certo: Manjabosco (à esq.) e Fichtner querem reprodutores adaptados às condições da região

O mercado de touros tende a ficar aquecido por causa da principal função desses animais numa fazenda: serem pais de bons bezerros. De acordo com Hill, os próximos cinco anos serão um ótimo período para quem cria bezerro, porque eles continuarão a ser um produto em falta no mercado, como já vem ocorrendo nas últimas safras. “E para fazer bezerros valorizados no mercado é preciso touros de qualidade”, diz o CEO da Jacarezinho. “Nós estamos prontos para vender a melhor genética do mercado.” A fazenda Nova Terra não está sozinha nessa tarefa. Ela integra o programa DeltaGen de melhoramento genético, que conta com a participação de outras 26 propriedades espalhadas pelo País.

São projetos que servem como modelo de uma pecuária eficiente, integrada à agricultura como, por exemplo, o Grupo Braido, de Comodoro, em Mato Grosso, que pertence à família do empresário paulista do setor químico Nelson Braido, ou a fazenda Maragogipe, do empresário gaúcho Wilson Brochman, de Itaquiraí, em Mato Grosso do Sul.   


“Nos próximos cinco anos será a vez do criador mandar no mercado” Ian Hill, diretor da Agropecuária Jacarezinho

Ao se unirem no programa DeltaGen, é como se esses pecuaristas fossem donos de uma única e imensa fazenda na qual todos os animais são submetidos aos mesmos filtros de avaliação. Atualmente, o DeltaGen avalia os bezerros nascidos de um rebanho total de 170 mil vacas, candidatas a se tornarem mães de reprodutores. “Com o DeltaGen não nos referimos mais apenas à nossa produção, mas à produção de todas as fazendas”, diz Hill.  “Isso muda a perspectiva do negócio.” 

Nos meses de maio e junho, o zootecnista Cassiano Roberto Pelle, diretor do DeltaGen, e o veterinário Luiz Fernando Boveda, consultor e um estudioso em melhoramento genético, viajaram cerca de 15 mil quilômetros, por sete Estados, para avaliar quais são os melhores filhos dessas fêmeas e separá-los para um teste de progênie, ou seja, buscar nesse universo os touros que poderão ir para uma central para a coleta de sêmen e disseminação de sua genética em larga escala. Todos os anos, para chegar a alguns reprodutores superiores, em geral não mais que dez animais, o DeltaGen inicia essa filtragem  a partir de 30 mil bezerros nascidos, até sobrarem os  considerados superiores, em média cerca de 7 mil animais, metade de machos e metade de fêmeas. Esse grupo já pode receber, pelo Ministério da Agricultura, o chamado Ceip, sigla para Certificado Especial de Identificação e Produção, documento que comprova as avaliações realizadas no campo.

Para o teste de progênie, em busca dos destaques, o filtro continua. Neste ano, por exemplo, no grupo que passou pela avaliação DeltaGen havia 396 machos superiores apartados em todas as fazendas, dos quais 106 animais são da Jacarezinho, equivalente a 27% do total. “Animal melhorador é o que está na ponta desse processo e que vai resultar em mais carne produzida lá na frente, no frigorífico”, diz Pelle. “Quando se perde essa referência o melhoramento genético deixa de ter sentido.”  De acordo com Boveda, em um projeto de melhoramento genético não se pode ter dó de descartar animais porque o impacto econômico de um touro em um rebanho comercial é gigantesco. “Num plantel de mil vacas, uma arroba a mais por animal no final do processo de cria significa uma renda que pode ser a diferença entre o lucro e o prejuízo de uma fazenda”, afirma Boveda.

O produtor Eduardo Antonio Manjabosco, da fazenda Novale, em Riachão das Neves, no Oeste baiano, é um dos clientes da Agropecuária Jacarezinho. A família de Manjabosco, que é veterinário, atua na agricultura e pecuária no Estado e no Rio Grande do Sul. “Começamos a investir em pecuária na Bahia para usar os resíduos das lavouras de milho e soja que servem de alimento para o gado”, diz Manjabosco. O produtor abate 2,5 mil animais por ano, mas o projeto é chegar a cinco mil animais. “Para obter um produto valorizado pelo frigorífico é preciso investir em touros, não há outro caminho para fazer carne a partir de animais no pasto.” Atualmente, Manjabosco utiliza 70 touros no rebanho e está produzindo animais que são enviados aos frigoríficos da região com 18 arrobas antes de completarem dois anos de idade.

No Oeste da Bahia, a Jacarezinho tem influenciado muitos agricultores a investirem na pecuária. O administrador de empresas André Velasco Fichtner, dono da Otura Agropecuária, de 5,7 mil hectares, começou a criar gado de corte em 2010. Atualmente, Fichtner possui 4,2 mil bovinos, dos quais 2,5 mil são fêmeas. “Montei um rebanho no qual 80% do gado tem origem na Jacarezinho”, diz o produtor. “São pessoas sérias que tocam o negócio e sabem o que estão fazendo. É como se eu tivesse uma consultoria do mais alto padrão.” Do total de 52 touros da fazenda, 47 foram comprados da fazenda de Grendene. No ano passado, entre produção própria e compra de terceiros, o produtor abateu 1,2 mil animais, mas a intenção é abater dois mil por ano. “Por causa da Jacarezinho, eu não apenas comecei a criar gado, como passei também a ter foco no melhoramento genético”, afirma Fichtner. Há duas safras, o produtor colocou seus animais em avaliação no programa DeltaGen. “Um dia vou ser dono de um gado tão bom quanto o que vejo na fazenda Nova Terra, ou que sabe até melhor.”