Afirmar que o boi protege as matas parece ser uma heresia. Nas duas últimas décadas, a pecuária ganhou fama de destruidora da natureza, acusada de promover o desmatamento do bioma amazônico em sua marcha rumo ao Norte do País. No entanto, hoje conta-se uma história diferente em Alta Floresta, município de Mato Grosso, na divisa com o Amazonas. Até 2012, Alta Floresta constava na lista suja do Ministério do Meio Ambiente, como um dos principais desmatadores do País. Agora, o boi ajuda a preservar matas e nascentes. É o projeto Novo Campo, que reúne pecuaristas, ONGs, frigoríficos e entidades. “Produção de carne, renda no bolso do produtor e floresta são complementares, e ditam nosso futuro”, diz Francisco Militão Matheus Brito, pecuarista há 29 anos no município, onde cria bois em 538 hectares da fazenda São Matheus.


Gente no campo:Bastos, do GTPS, entre Oliveira (à esq.) e Micol, do ICV: expectativa de ter 200 pecuaristas no projeto

A região de Alta Floresta é uma das maiores fornecedoras de gado para a indústria frigorífica mato-grossense. Do total de 28,6 milhões de animais criados no Estado, 5,6 milhões, ou 19,5%, estão nessa área. O projeto de intensificação na criação bovina, defendido pelo Novo Campo, aponta para o casamento perfeito entre boi e floresta. Outra vantagem é que essa combinação garante sustentação econômica ao produtor. Com ele, até a safra 2021/2022 será possível ampliar o rebanho em 46%, das atuais 4,1 milhões de cabeças para seis milhões. A produção de carne poderá aumentar em 158%, saltando das atuais 235 mil toneladas em equivalente-carcaça para 607 mil toneladas. Pelo modelo anterior, isso só seria possível com a derrubada de vastas áreas de floresta. “Nada disso vai acontecer”, diz Brito. “Eu sou um exemplo de fazendeiro no caminho certo.”

O produtor faz parte do grupo de 14 pecuaristas que integram o projeto piloto do Projeto Novo Campo, desenvolvido entre 2012 e o fim do ano passado, em sete municípios da região. O Novo Campo é coordenado pelo Instituto Centro de Vida (ICV), com o apoio do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS) e das fundações Moore e Vale. O projeto conta com três parceiros: a Embrapa, o Instituto Interna­cional para a Susten­tabilidade (ISS) e a JBS, interessada no gado da região para abastecer suas unidades de abate em Mato Grosso. Até o fim deste ano, a previsão é ter 100 pecuaristas integrados ao sistema, e mais 200 em 2016. Laurent Micol, coordenador executivo do ICV, diz que a intensificação aconteceria de uma forma ou de outra na região. “Há pressão para elevar a produtividade da pecuária”, diz Micol. “O que estamos fazendo é juntar as pontas para que isso ocorra mais rapidamente.”

Vando Teles de Oliveira, que coordena o projeto em Alta Floresta, revela os números da São Matheus. O rebanho é de 810 animais do tipo nelore, cruzados com angus e brahman. Uma área de 32 do total de 348 hectares de pastos da São Matheus, cerca de 9%, foi intensificada. Os pastos foram divididos e o gado recebeu uma dieta mais proteica. No fim do ano passado, 661 cabeças passaram pela área intensificada, com uma taxa de lotação de animais de 2,98, mais que o dobro da taxa de 1,22 na área não intensificada. A produção de arroba por hectare, a melhor medida de desempenho de uma fazenda, foi de 29 na intensificação e de dez no restante da área. Só para comparação, a média em Mato Grosso é de quatro arrobas por hectare. “Os animais antes eram abatidos entre 36 e 44 meses, e agora vão para o frigorífico com 24 meses”, diz Jessica Brito, zootecnista e braço direito do pai na São Matheus. “Ao concentrar a produção, guardamos pastagem para o período seco. Por isso, a área intensificada funciona como um pulmão.” Em 2014, a margem bruta foi de R$ 683 por hectare, com o custo de R$ 56,49 por arroba produzida. Para o presidente do GTPS, Eduardo Bastos, a sustentabilidade da pecuária está em levar lucro ao produtor. “O projeto está mostrando que podemos ter boi jovem e boa carne”, diz.

Em outra fazenda, a do pecuarista Celso Crispim Bevilaqua, de 1,4 mil hectares de pastos, o projeto começou em 37 hectares intensificados e hoje são 100 hectares. Bevilaqua faz o ciclo completo, utilizando as raças nelore, angus e a japonesa wagiu, uma das carnes mais valorizadas do mundo. A produtividade da área intensificada subiu para 22 arrobas por hectare, ante a média de 11,4 arrobas no resto da fazenda. Bevilaqua vendeu 900 lotes de animais em 2014, entre bezerros e gado pronto para o abate. A margem líquida foi de R$ 899 por hectare, o dobro da média da região.

Há produtores indo além da pecuária, caso de Wagner Ferrarezi. Quando decidiu participar do Novo Campo, seu objetivo era integrar a lavoura e a pecuária. “Sabia que passaria por dificuldades, por falta de estrutura”, diz. “Mas queria enfrentar o desafio.” Ele avalia que é possível mudar o padrão de produção na região. Em Alta Floresta, não há silos para armazenar a produção agrícola, por isso a dobradinha entre agricultura e pecuária ainda não é uma realidade. Dos 550 hectares de área explorada da fazenda Cinco Irmãos, em 300 hectares, Ferrarezi está plantando soja e milho safrinha, e 200 hectares são de pastos nos quais ele engorda 800 novilhas por ano. “A pecuária bem manejada leva a gente a pensar longe”, diz o criador. “Já estou planejando construir até silo na fazenda.”

Boi no padrão

Circuito 100% PMGZ quer mostrar que é possível ter gado mais produtivo no campo

A Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) iniciou, em março, uma série de 13 encontros com pecuaristas de todo o País que devem ocorrer ao longo deste ano. O objetivo é discutir os padrões do boi perfeito. “Estamos em um impasse, porque a pecuária precisa produzir mais, com menos recursos”, diz Luiz Cláudio Paranhos, presidente da ABCZ. Chamado de Circuito 100% PMGZ, sigla para Programa de Melhoramento Genético das Raças Zebuínas, o ciclo de encontros tem como finalidade avaliar o impacto da genética na sustentabilidade da pecuária.

Para o pesquisador Fabyano Fonseca e Silva, da Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais, melhorar o gado significa acumular valor na fazenda. Ele dá como exemplo apostar em fêmeas cada vez mais jovens na reprodução. “Se a fêmea parir mais cedo, isso significa um ganho genético incorporado ao rebanho”, diz Silva. “Isso vale também para para outras características, entre elas peso e carcaça.”
De acordo com Paranhos, as discussões sobre a contribuição da genética na sustentabilidade da pecuária podem ajudar no ajuste de metas dentro da fazenda. “Nos últimos 20 anos tivemos grandes avanços na intensificação da pecuária, mas podemos ir além”, diz Paranhos. “Intensificar a pecuária é economicamente viável, vamos mostrar quanto deve ser creditado à genética.”