Os números do empresário João Faria da Silva, um fazendeiro paulista nascido em Piratininga, nas proximidades de Bauru, são superlativos. Chefe da terceira geração de uma família de cafeicultores, ele administra sete fazendas, onde estão plantados 18 milhões de pés de café arábica. Sua produção anual, de 180 mil sacas, não só o coloca como o maior produtor do Brasil como também na liderança global. Não há, no mundo, ninguém à sua frente. Dono de uma grande rede de revendas de pneus Pirelli, a Campneus, com 60 lojas espalhadas em São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso, ele jamais havia concedido entrevista. Falou pela primeira vez, à DINHEIRO RURAL, na fazenda Samambaia, em Alfenas. Disse que o segredo para construir um império rural foi relativamente simples. “Nunca tirei dinheiro das fazendas”, afirmou. “Tudo o que eu ganhei foi reinvestido na compra de outras terras.” Hoje, suas propriedades estão fincadas nas principais regiões de café do País, como o sul de Minas, o cerrado mineiro, a mogiana paulista e o oeste baiano. Em todas elas, a lavoura e a colheita seguem os padrões da certificação Utz Kapeh, garantindo que o café foi produzido de forma sustentável tanto do ponto de vista econômico como também trabalhista e ambiental.

ESCASSEZ DE MÃO-DE-OBRA IMPULSIONA MECANIZAÇÃO DA LAVOURA. OUTRA TENDÊNCIA É A RASTREABILIDADE

O que diferencia o empresário João Faria de outros grandes cafeicultores brasileiros é a sua estratégia de inserção internacional. Em vez de recorrer a cooperativas ou tradings para comercializar sua produção, ele constituiu a Terra Forte Importação e Exportação de Café, que vende toda a produção do grupo. Ela já chega a 250 mil sacas do grão, montante que inclui o volume de seu sócio, o empresário Paulo Sibin. Além disso, com as compras de terceiros, o volume de exportação foi de 450 mil sacas no ano passado, o que colocou a Terra Forte na posição de décima maior trading nacional, atrás de gigantes como Unicafé e Cooxupé. Mas o objetivo de João Faria é também estar entre os primeiros na exportação. “A meta para este ano é exportar um milhão de sacas de café”, antecipa o empresário. A história de João Faria remete à do governador Blairo Maggi. O político primeiro se tornou o maior produtor de soja do globo para depois constituir sua trading e concorrer com gigantes como a Louis Dreyfus e ADM. No caso do café, João Faria vive uma realidade positiva: os preços internacionais têm melhorado e a perspectiva mundial é de aumento do consumo.

PARA PEREIRA, A VANTAGEM DO CAFÉ ESPECIAL É A QUALIDADE E O ÁGIO DE 40% EM RELAÇÃO AO CONVENCIONAL

Neste cenário, suas fazendas têm apostado em dois diferenciais competitivos: ganhos de escala e tecnificação. “Estamos quase 100% mecanizados, porque daqui a alguns anos não haverá mão-de-obra para a cafeicultura”, diz. A mecanização da colheita teve início há 15 anos. Na época, ele tinha dois mil funcionários, hoje são 380 funcionários fixos e mais 300 temporários no período de safra. Sempre pioneiro, agora comprou 11 silos secadores, cada um com capacidade de 500 mil litros. “É uma novidade no mercado que elimina a passagem do café pelo terreiro”, diz. Administrador por formação, ele diz que a experiência empresarial ajuda até certo ponto. “Comprar e vender é uma coisa. Produzir é outra bem diferente”, explica. Focado em escala, 90% de sua produção é café commodity e 10% cafés especiais. “Meus clientes são grandes torrefadores, como Sara Lee e Nestlé, que compram café commodity, não compram especiais”. O fato é que, só no ano passado, o braço agrícola da Campneus faturou R$ 600 milhões

No entanto, enquanto o consumo mundial de café cresce numa taxa de 1,5% a 2% ao ano, o de grãos especiais avança num percentual de 10%. Hoje há empresas e fazendas se especializando na produção destes grãos diferenciados. É o caso da Ipanema Coffees (leia boxe à pág. 44) e da fazenda Monte Alegre, ambas no sul de Minas. A Ipanema ficou conhecida por ter sido a primeira a fornecer café para a gigante Starbucks. Já a Monte Alegre, que este ano deve totalizar 100 mil sacas de café, foi uma das sócio-fundadoras da Associação Brasileira de Cafés Especiais (Bsca, sigla em inglês), entidade que criou o Cup of Excellence, concurso que elege os melhores cafés de qualidade. Mas, para produzir uma saca de café especial, o cafeicultor desembolsa US$ 25 a mais. Tudo é minuciosamente acompanhado. Na fazenda Monte Alegre, o cuidado inicia-se com a compra das sementes, todas certificadas; estende-se para o plantio, os tratos culturais, a colheita, o beneficiamento do grão, a estocagem até o carregamento dos contêineres que é feito na própria fazenda. Tudo para garantir a rastreabilidade do produto, que hoje é exportado para os EUA, a Europa e a Ásia. Embora toda a produção receba este tratamento diferenciado, apenas um porcentual entre 30% a 45% atinge a classificação de especiais. A vantagem é que, em média, este café tem um ágio de 40% em relação ao convencional. “Em períodos de baixa, seu preço não acompanha a queda e a vantagem competitiva pode ultrapassar 100%”, diz José Francisco Pereira, diretor-geral da Fazenda Monte Alegre.

HERMAN FRIELE, EM VISITA ÀS LAVOURAS DE CAFÉ, NO SUL DE MINAS GERAIS

Porteira adentro, no entanto, a situação ainda não é a ideal. Embora tenha havido uma recuperação nos preços (leia gráfico à pág. 43), a valorização do real frente ao dólar anulou esta correção. A mãode- obra está cada dia mais escassa e o salário mínimo, que era de R$ 350 em 2006 passou a R$ 415. Tanto que a Monte Alegre está decidida a mecanizar o máximo que puder. “Hoje 60% da colheita é manual, mas estamos eliminando as áreas de baixa produtividade com colheita manual e plantando novos cafezais em áreas onde a mecanização é possível”, diz Pereira. Outra saída adotada por alguns foi migrar do café arábica para o robusta, que, como o nome já diz, é mais resistente. No passado, ele era usado para baratear o preço do produto final, já que com uma saca de café arábica se compravam três de robusta. Mas hoje a diferença entre um e outro não passa de R$ 60. Além disso, enquanto a melhor produtividade por hectare do arábica não ultrapassa 60 sacas, o robusta chega a 120 sacas. E as grandes indústrias têm aumentado a porcentagem de robusta no blend de seus cafés. Em alguns casos, o porcentual chega a 40%. Foi esta realidade que levou o empresário Ricardo Tavares, dono da exportadora Atlântica, a investir R$ 11 milhões para o plantio de 1,8 milhão de pés de robusta no norte de Minas. No entanto, para João Faria, “o café robusta pode ser até mais rentável, mas não me simpatizo com o arbusto e não vou investir nele”, diz.

PARA RODRIGUES, ENTRADA DA FRIELE AJUDARÁ NA ESTRATÉGIA DA IPANEMA

TEM NORUEGUÊS NO CAFÉ

Com o objetivo de estreitar o vínculo com o Brasil, Herman Friele, presidente da norueguesa Kaffehuset Friele AS, comprou a participação de 20% da Gávea Investimentos na Ipanema Coffees. A aquisição concretiza um namoro de longa data, iniciado em 2002. Na época, Herman, em visita ao Brasil, se empolgou com a possibilidade de comprar cafés naturais certificados. Daí em diante, tornou-se cliente da Ipanema, cujas fazendas são certificadas pela Utz Kapeh e Rainforest Alliance. No ano seguinte, inaugurou um centro educacional em uma das fazendas do grupo Paraguaçu, um dos acionistas da Ipanema do qual Friele se tornou sócio em 2004 ao comprar parte de uma propriedade.

Em termos práticos, a entrada da Friele favorece ambos os lados. “As duas empresas ganham em know-how e troca de conhecimentos”, diz Rasmus Wolthers, representante da norueguesa no Brasil. “Para a Ipanema, a entrada da Friele traz o expertise de presença comercial em um mercado bastante importante como o europeu”, diz Washington Rodrigues, presidente da Ipanema. E ainda salienta: “Com certeza, isso ajudará a definir nossa estratégia para os próximos cinco anos.” No ano passado, das 100 mil sacas comercializadas pela brasileira, 12% teve como destino a Noruega. Nos blends da Friele, no mínimo, 50% de café é brasileiro. Outro diferencial do país é que, depois da água, a bebida mais consumida é o café. Por ano, um norueguês consome 11 quilos de café. No Brasil, o consumo é de 5 quilos per capita. Mas o fato é que a entrada da Friele alavanca o processo de internacionalização da Ipanema, deflagrado oficialmente no início do ano com a abertura de um escritório na Flórida.