O cenário é de grandes salas em um prédio suntuoso na capital paulista. Homens e mulheres estavam reunidos, na última semana de julho, para uma discussão ao redor de um nome: como seria batizada uma empresa que já havia nascido. Publicitários ligados a Nizan Guanaes, um dos sócios da agência Africa e que comanda o grupo, quebram a cabeça. Até então, o nome de guerra era ETH Bioenergia – uma referência ao principal produto da empresa: etanol (ou, em inglês, ethanol). Mas é preciso um novo, que entre fácil na cabeça das pessoas, que possa ser utilizado nas campanhas e transforme-se na marca do grupo – até o fechamento desta edição, havia nada menos que 250 possibilidades sobre a mesa, oferecidas pelos marqueteiros. O grupo em questão é o Odebrecht, que começou a preparar uma série de aquisições para formar o que, esperam seus executivos, deve vir a ser, no futuro, um dos três maiores conglomerados na exploração do álcool tanto no Brasil como no Exterior.

Os testes com os nomes existentes já começaram. Um executivo da empresa, que pediu para não ser identificado, revelou que têm sido feitos experimentos com nomes e logotipos. E os adesivos e impressos têm sido colocados em caminhões, uniformes, capacetes e carros das empresas como forma de saber qual ficará mais adequado aos planos da empresa. O que importa, no entanto, já está acontecendo a todo o vapor. O grupo tem R$ 5 bilhões em caixa para gastar – 40% em capital próprio e o restante tomados de outras fontes. Quer chegar, em no máximo seis anos, ao grupo das três maiores empresas do setor. E transformar o empreendimento sucroalcooleiro no terceiro pilar do grupo Odebrecht, que, com origem na construção civil, também atua no petroquímico através da Braskem, maior empresa do setor no País. Para falar sobre o assunto, DINHEIRO RURAL entrevistou os dois executivos que se associaram à Odebrecht na nova empreitada, ambos já consagrados nos campos do açúcar e do álcool. Trata-se de Clayton Hygino Miranda, ex-presidente da Coimex Trading, empresa especializada na exportação de commodities agrícolas, que será o presidente da nova companhia. E Eduardo Pereira de Carvalho, ex-presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única), que será conselheiro da empresa e terá uma atuação mais política junto ao setor sucroalcooleiro. A seguir, eles falam dos planos da Odebrecht para o setor que incluem, além da produção de açúcar e etanol, a geração de bioeletricidade, o desenvolvimento de projetos na área de logística e a comercialização dos produtos, inclusive no Exterior.

“Em sete ou oito anos, o novo negócio tem de representar de 20% a 25% do faturamento do grupo”

EDUARDO PEREIRA DE CARVALHO

“Vivemos a primeira onda de consolidação da produção de etanol. A segunda virá com a entrada das petroleiras”

CLAUDIO HYGINO MIRANDA

DINHEIRO RURAL – De que maneira esta nova empresa pretende chegar à liderança do setor, tendo em vista que este mercado ainda é bastante pulverizado? Clayton Hygino Miranda – Hoje são 150 grupos tocando 350 unidades. Haverá uma consolidação, que deverá, ao final, ter de seis a oito grupos, os consolidadores deste mercado. A Odebrecht se vê inserida entre os três maiores grupos num espaço de tempo ao redor de cinco, seis anos. Essa seria uma primeira onda de consolidação no setor. Entendemos que, quando o etanol se tornar efetivamente uma commoditie internacional, negociada no mundo inteiro, com o Brasil tendo um papel de extrema importância, virá uma segunda onda. Será a vinda das grandes petroleiras. Se o etanol ocupar um espaço na matriz energética mundial, como se espera, que venha a ocupar 10% do consumo mundial de gasolina, estamos falando de 300 bilhões de litros de etanol em 2030. Isso é um pouco mais que dez vezes o produzido hoje. Esta segunda onda vai consolidar mais ainda este mercado. E a estratégia da Odebrecht é perpetuar sua existência neste mercado. Para que isso possa ocorrer, ela terá efetivamente que estar entre os líderes.

DINHEIRO RURAL – Vocês construirão usinas próprias ou farão a aquisição de concorrentes?

Eduardo Pereira de Carvalho – A usina de Alcídia, a CZRE havia comprado e foi uma das coisas que fez nos aproximarmos à Odebrecht. O Pontal do Paranapanema é um dos poucos lugares no Estado de São Paulo em que há uma oportunidade de aumento substancial na produção de cana e, conseqüentemente, na transformação de açúcar em álcool, por variadas razões históricas. Seja pela estrutura fundiária existente, pelo problema das terras devolutas, pelo problema do MST, pelo problema de terras que têm uma estrutura diferente das terras ricas de Ribeirão Preto.

“O Pontal é um dos poucos lugares em que há a oportunidade de aumento de produção de cana”

DINHEIRO RURAL – Como ficam os investimentos em pesquisa da nova empresa? Miranda – O setor sucroalcooleiro não investe em tecnologia como deveria. O investimento em pesquisa de álcool a partir da celulose, por exemplo, é pífio – nós estamos falando de R$ 3 milhões. É o que se gasta no mercado para estudar um produto que, se vier a se concretizar, temos que entender que estamos perdendo o bonde. Isso vai acontecer porque lá fora estão investindo bilhões. E você ter que pagar e depender de tecnologia estrangeira amanhã é um absurdo, sendo o Brasil o principal celeiro de açúcar e álcool, e que continuará a ser. Essa é uma visão que entendemos que tem de ser mudada, pelo governo e pelo setor privado.

DINHEIRO RURAL – A Odebrecht já havia entrado neste mercado indiretamente quando a Braskem anunciou a produção do primeiro polímero à base de álcool. Por que o interesse em entrar de vez no setor? Miranda – A Odebrecht vem estudando a entrada num terceiro setor há seis ou sete anos. Foram analisados cerca de 15 setores de atividade econômica distintos. De um ano e meio para cá, concentrou-se no estudo do setor sucroalcooleiro. Foi um dos finalistas, no qual ela focou e começou a despender mais energia e esmiuçar esse estudo. A Braskem vem desenvolvendo suas pesquisas de maneira totalmente independente. O fato de ela ter anunciado o plástico verde não tem absolutamente nenhuma ligação com a idéia da Odebrecht Açúcar e Álcool. Quanto à pergunta natural – se vamos vender álcool para a Braskem – a resposta é talvez. A Braskem será encarada como mais um cliente. Se for interessante, nós venderemos. Não existe nenhuma ligação entre as duas empresas.

DINHEIRO RURAL – Vocês disseram que pretendem adquirir usinas e terras em regiões menos tradicionais em cana. Para onde vocês pretendem ir? Miranda – Para onde tudo mundo está indo: Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul.

DINHEIRO RURAL – A logística tem dificultado o escoamento da oferta crescente de etanol. Vocês acreditam que, quando a empresa estiver em pleno funcionamento, parte desse problema já esteja resolvido? Miranda – O Brasil exportou no ano passado 3,5 bilhões de litros de álcool. Este ano deve estar ao redor de pouco mais de três bilhões. Para isso não é preciso logística excepcional.

A logística que está aí não atende bem, mas de uma certa forma o produto é escoado. Mas, se nós imaginarmos um crescimento neste mercado internacional – e nós efetivamente acreditamos que isso vá ocorrer – e você venha a exportar dez bilhões de litros de álcool, isso é absolutamente impossível de ser feito com a logística existente. Nós e outros grupos estamos atentos, e a saída para isso são os alcooldutos.

DINHEIRO RURAL – A empresa também se concentra agora a atuar no mercado externo? Miranda – Também, é um tripé. Nós temos o nosso tripé, desde a idéia da formação da nossa empresa, que era a CZRE, nós tínhamos o tripé produção, comercialização (trading) e logística. Quando começamos as conversas com a Odebrecht, entendemos que este também era o desejo da Odebrecht, atuar na produção, no comércio e na logística.

“O setor sucroalcooleiro não investe em tecnologia como deveria. Essa visão tem de mudar”

DINHEIRO RURAL – Vocês são especialistas em agronegócio. A Odebrecht é um dos maiores grupos do País. O que vocês esperam desta parceria? Eduardo Pereira de Carvalho – A Odebrecht decidiu que este será um terceiro pilar da organização, que pretende transformar isso em sete ou oito anos num negócio que represente 20%, 25% do faturamento do grupo. É claramente o reconhecimento da enorme potencialidade do setor daqui para frente.