Que ninguém se arrisque a dizer na frente da chef de cozinha Mônica Rangel, dona do restaurante Gosto com Gosto, em Visconde de Mauá, na região serrana do Rio de Janeiro, que picanha de porco, linguiça, torresmo e filé de costela com farofa de ovos são pratos indigestos e nada têm a ver com o que se pode definir como boa alimentação. Para ela, que serve esses pratos em seu restaurante e que há 20 anos está às voltas com panelas e fogão, todos os alimentos podem se enquadrar em um movimento mundial que cada vez mais ganha adeptos no Brasil: o slow food. Na tradução livre do inglês seria “comer devagar”, mas não é só isso. O slow food, mais do que o tempo gasto em cada garfada, não prega o que as pessoas podem comer, mas a maneira como elas devem se alimentar. “O conceito implica bem-estar para todas as etapas da alimentação humana, da produção no campo até a mesa”, diz Mônica. “Há dez anos trabalhamos com essa filosofia, mas foi nos últimos quatro anos que o slow food ganhou força no País.”

O movimento, iniciado em 1986, na Itália, conta atualmente com cerca de 100 mil seguidores em 150 países. Naquela época, liderado pelo sociólogo Carlo Petrini, um grupo de italianos contestava a entrada da rede de fastfood McDonald’s em Roma. Para eles, o modo americano de se alimentar era uma agressão à cozinha mediterrânea, dieta baseada em trigo, azeite, legumes, frutas e carnes grelhadas. Em dezembro do ano passado, essa dieta foi aprovada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como Patrimônio Imaterial da Humanidade. Mas os seguidores do slow food são das mais variadas vertentes: vão de ferrenhos vegetarianos a carnívoros contumazes. Por exemplo, enquanto Mônica Rangel se dedica à comida mineira nas montanhas do Rio de Janeiro, a chef Cláudia Nunes de Mattos, do Espaço Zym, em São Paulo, serve exclusivamente pratos orgânicos, em que as carnes não têm vez.

No Brasil, além de Mônica e Cláudia, cerca de 30 chefs de cozinha são seguidores da filosofia do slow food. Eles formam uma rede chamada Mãe Terra, na qual valorizam os produtos do próprio País e adaptam antigas tradições ao gosto atual dos consumidores. Entre esses chefs figura Ana Luiza Trajano, que em 2006 abriu o restaurante Brasil a Gosto, no bairro de Cerqueira Cesar, em São Paulo. Além das receitas revisitadas, como o pastel de pirarucu, um peixe da Amazônia para o quitute que é o símbolo das feiras de grandes cidades, Ana Luiza, filha da empresária Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, tenta trazer de volta o velho hábito de se levar para as ruas as refeições em marmitas. Para quem não tem tempo na cozinha, ela prepara em seu restaurante marmitas com linguiça na cachaça, picadinho de filémignon, banana empanada e moqueca baiana, entre outros pratos.

Para os chefs que servem refeições à base de carne, o bem-estar animal está no centro da questão. No slow food, o método de criação não pode causar sofrimento ao animal, como sede e falta de alimentação. No frigorífico, as regras internacionais para o que é chamado hoje de abate humanitário pela Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA, na sigla em inglês) devem ser seguidas à risca. O animal não pode, por exemplo, sofrer com contusões, fraturas e hematomas. “O Brasil tem avançado nessa questão, com regras mais claras para a indústria frigorífica”, diz Reinaldo Lourival, diretor do WSPA no Brasil. “Mas o País é grande e ainda precisamos avançar muito.” Outra regra de ouro no slow food é a teoria do quilômetro zero. Ou seja, quanto menor a distância entre a produção  e o consumo, mais saudável será a refeição de uma pessoa. Mônica conta que começou plantando as ervas e as frutas utilizadas em seu restaurante. “No entanto, quando decidi fabricar as linguiças, não havia como criar porcos”, diz. “Fui em busca de parcerias com produtores próximos ao restaurante, assim como aconteceu com os ovos.”

Atualmente, o Brasil faz parte do grupo dos quatro maiores mercados seguidores do conceito slow food, juntamente com a pioneira Itália, Estados Unidos e Inglaterra. Petrini, que já esteve diversas vezes no Brasil, diz que o País é aberto ao conceito de slow food por ter uma população jovem que aprecia inovações.“ Os jovens são os mais suscetíveis às mudanças”, diz Petrini. “A comida é a única coisa que consumimos e que realmente se torna uma parte de nós. Isso não ocorre com nossas roupas, nossos celulares nem com nossos carros.”