Oficina em Campinas: locomotivas da Estrada de Ferro Mogiana recebem manutenção

 

O Arquivo Público do Estado de São Paulo, no centro da capital, é o endereço mais procurado por pesquisadores e estudantes interessados em redescobrir o passado. São mais de 61 mil documentos históricos sobre os mais diversos assuntos – inclusive o agronegócio – que marcaram a construção do Brasil nos séculos passados. Mas não é preciso deslocar-se até lá para viajar no tempo e descobrir como os barões do café, donos de imensas fazendas e de elegantes mansões na avenida Paulista, chegaram tão longe. Basta acessar a internet.

No site da instituição (www.arquivoestado.sp.gov.br), a exposição virtual Ferrovias Paulistas traz fotos e mapas com a saga do grão, da produção à logística de distribuição. Inicialmente, a cultura se estabeleceu no Vale do Paraíba, região que compreende o leste do Estado de São Paulo e o sul do Estado do Rio de Janeiro. Mas, graças às condições climáticas mais favoráveis, a cultura se estabeleceu até meados de 1825 na Alta Mogiana, região que compreende 29 municípios. Foi quando a cultura começou a contemplar um novo ciclo econômico.

Vai e vem: Chegada do trem inaugural, em 1906, ao ramal de Pirajuí . Imigrantes embarcados com destino à hospedaria

Por quase um século, o café motivou o surgimento de cidades e a construção de ferrovias no interior de São Paulo para facilitar o transporte da produção. Isso também impulsionou o comércio internacional. Não é à toa que o Brasil é hoje o maior produtor e exportador do grão. Esse status foi forjado em ferro em meados de 1860, quando o Estado de São Paulo ganhou o projeto audacioso de construir uma ferrovia para levar o café da Alta Mogiana ao Porto de Santos. O trecho de 800 metros de altitude e oito quilômetros de extensão da Serra do Mar era considerado impraticável. Mas, com a ajuda do engenheiro ferroviário britânico James Brunlees, especialista no assunto, o projeto se concretizou. Idealizada pelo empresário gaúcho Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, a estrada de ferro, que ficou conhecida como São Paulo Railway, foi a primeira a ligar o município de Jundiaí ao de Santos. A ferrovia entrou em operação em 16 de fevereiro de 1867. Com 246 quilômetros, o marco zero ficou em Santos, mais precisamente no bairro de Valongo, no centro da cidade.

PARA INCENTIVAR A PRODUÇÃO DE CAFÉ, A ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DEU AUXÍLIO A ITALIANOS

 

Outra ferrovia importante na história da expansão da cafeicultura rumo ao interior de São Paulo foi a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, criada em 1872, em Campinas. Inicialmente, a linha ia de Campinas a Jaguari (atual Jaguariúna), com 34 quilômetros. A ferrovia foi prolongada até Mogi-Mirim e ganhou um ramal de 34 quilômetros até Amparo. Em 1878, chegou à Casa Branca, a 172 quilômetros de Campinas, e prosseguiu desbravando terras até chegar a Franca. Os acionistas da companhia eram a família Silva Prado, Antônio de Queirós Teles e José Estanislau do Amaral, grandes proprietários de plantações de café, e o Barão de Tietê.

No porto: embarque de café, em Santos, em 1920

Como o volume de café rumo ao Porto de Santos era grande, em 1895 a São Paulo Railway também ganhou uma nova linha, paralela à antiga, que ficou conhecida como Serra Nova. O sistema usado era o funicular. O trem descia a serra amarrado em cabos de aço. Enquanto uma composição descia, outra com peso equivalente subia e fazia o contrapeso. No deslocamento de um plano para outro, uma máquina chamada locobreque acompanhava os vagões e prendia o cabo impulsor até a seção seguinte, em que se realizava a mudança de cabo, e assim sucessivamente, até o pé da serra. A Serra Nova foi inaugurada seis anos depois.

Para incentivar ainda mais a produção de café, a administração do Estado de São Paulo fez da imigração o projeto central de suas atividades. Determinou um sistema de auxílio a imigrantes da Europa, especialmente de italianos. Com a mão de obra imigrante, quase toda a geração de riqueza do País se concentrou na agricultura cafeeira. O Brasil dominava 70% da produção mundial e ditava as regras do mercado. Entre 1891 e 1900, o País exportou 74,5 milhões de sacas de café. Na década seguinte, foram 130,6 milhões de sacas. A qualidade do café brasileiro ficou conhecida globalmente como Tipo Santos. Até hoje, o grão da Mogiana é considerado um dos melhores do mundo.

No porto: Fachada da Estação de Estrada de Ferro Rio Claro

A trajetória do café e das estradas de ferro nem sempre foi tranquila. Com a quebra da Bolsa de Nova York, em outubro de 1929, a estabilidade da economia cafeeira no País foi comprometida. O café não resistiu ao abalo financeiro global e o seu preço caiu bruscamente. Nesse processo, milhões de sacas de café estocadas foram queimadas e milhões de pés de café foram erradicados, na tentativa de estancar a queda de preços provocada pela demanda fraca e pelos excedentes de produção.

Quando a economia mundial conseguiu se recuperar, o Sudeste do País voltou a crescer. A São Paulo Railway, em 1946, foi encampada pelo governo brasileiro. Até então, o contrato de 80 anos de monopólio estava em mãos britânicas. Em 1947, a São Paulo Railway foi transformada na Estrada de Ferro Santos-Jundiaí (EFSJ). Dez anos depois, foi uma das formadoras da Rede Ferroviária Federal. Nos idos de 1960, o volume de carga para o Porto de Santos aumentou e o sistema de locobreques ficou obsoleto. Para substituí-lo, em 1974, no traçado da antiga Serra Velha, entraram as locomotivas elétricas. Em 1984, o sistema de locobreques da Serra Nova foi desativado. Em 1996, a administração da linha passa para a concessionária MRS Logística, que a mantém até hoje.

EM 1947, A SÃO PAULO RAILWAY FOI TRANSFORMADA NA ESTRADA DE FERRO SANTOS-JUNDIAÍ

 

A extinta São Paulo Railway ainda risca os municípios de Cubatão, Santo André, Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires, Mauá e São Caetano do Sul até chegar à capital paulista. Em São Paulo, seus trilhos ainda servem como separação entre os bairros do Ipiranga e da Vila Prudente, e entre Cambuci e Mooca. Cruzam os bairros do Brás, Bom Retiro, de Santa Cecília, da Barra Funda, Lapa, de Pirituba, do Jaraguá e de Perus. Pelo interior, seu trajeto compreende os municípios de Caieiras, Franco da Rocha, Francisco Morato, Campo Limpo Paulista, Várzea Paulista e Jundiaí, onde termina, no bairro Vila Arens, no quilômetro 139. Já dos primórdios do café ainda restam as belas sedes das fazendas coloniais no interior, um extenso material técnico-científico, plantações centenárias e algumas mansões na principal avenida da capital.