CRIADOR Professor Sergio Mascarenhas foi o primeiro físico a entrar na Embrapa, reduto de agrônomos, para desenvolver novas técnicas para o campo (Crédito:Divulgação)

Ao longo dos séculos a humanidade entendeu que plantar e colher, desde as formas mais rudimentares até as mais tecnológicas, depende essencialmente de uma coisa fundamental: a luz. Baseado nesse conceito, avança a passos largos no agronegócio o uso da fotônica, ciência que estuda como a radiação luminosa e a das ondas eletromagnéticas podem ajudar ainda mais o produtor. Equipamentos como infravermelho têm capacidade de analisar a qualidade de um fruto ou de um composto, a ressonância magnética avalia a qualidade de um alimento e o laser pode detectar carências ou excessos de substâncias no solo ou até num pedaço de carne. Todas essas tecnologias são baseadas nos fótons, as partículas de luz que estão abrindo portas para um novo universo de possibilidades: a agro-fotônica.

Após se beneficiar da adubação e do melhoramento genético, o agronegócio terá de vencer novas barreiras para elevar a produtividade e lidar com as mudanças climáticas. “E a agro-fotônica vem para ajudar”, disse a chefe da área de transferência de tecnologia da Embrapa Instrumentação, Débora Milori. É nisso que a unidade vem apostando. Criada em 1984, pelo professor Sergio Mascarenhas, da Universidade de São Carlos, a Embrapa Instrumentação marcou a estreia de um físico no universo da empresa que é tradicionalmente formado por agrônomos. “Foi quando começamos a trazer as tecnologias como a física atômica e a fotônica para o agro”, afirmou Débora.

O laboratório utiliza técnicas espectroscópicas, como a ressonância magnética nuclear, infravermelho, Espectroscopia de Emissão Óptica com Plasma Induzido por Laser (LIBS), fluorescência e técnicas de imagens, tanto para avaliação em laboratório quanto para desenvolvimento de sistemas para o campo, como imagens aéreas, robôs com sistemas ópticos, sensores para qualidade de água.

No ano passado, a unidade deu outro grande passo com a abertura do Laboratório Nacional de Agro-Fotônica (Lanaf), oficializado como um dos nove Laboratórios Multiusuários da Embrapa em todo o Brasil. Esse modelo visa a compartilhar a infraestrutura da empresa e suas pesquisas com parceiros externos, aproximação importantíssima para que os estudos se tornem produtos efetivamente viáveis para para chegar ao mercado.

VIABILIDADE Laboratório de agro-fotônica foi inaugurado em 2021 para unir a pesquisa e a iniciativa privada a fim de criar produtos efetivamente viáveis para o mercado agricola

SINERGIA Uma das parcerias bem-sucedidas foi feita com a Agro Robótica, startup fundada em 2015, para análise de solo em tempo real usando laser da tecnologia LIBS, a mesma aplicada pela NASA para avaliar o solo de Marte. Foram cinco anos de pesquisa e desenvolvimento para chegar ao produto final, que tem ganhado mercado rapidamente e já está em sete estados brasileiros.

Ao incidir no material, o laser forma um plasma que permite quantificar elementos químicos que emitem luz, como fósforo, potássio entre outros. A técnica ainda mensura o teor de carbono do solo. “Estamos entrando forte no mercado de crédito de carbono para o futuro da produção sustentável”, afirmou o CEO da Agro Robótica, Fábio Angelis. “O carbono será nossa próxima commodity.” O executivo se prepara agora para uma nova rodada de investimentos. O primeiro aporte foi feito em 2019 pelo NT@gro, fundo criado por Antonio Maciel, executivo que comandou grandes grupos como Ford e Suzano.

O caminho foi diferente no caso da Acquanativa Monitoramento Ambiental. Fabricante de equipamentos tradicionais para automação industrial e monitoramento ambiental desde 2000, a empresa firmou parceria com a Embrapa para produzir sensores que avaliam a qualidade da água. Os dispositivos utilizam parâmetros físico-químicos para medir, por exemplo, oxigênio dissolvido num tanque de piscicultura para controle da produção de peixes ou camarões.

Antes só encontrados no mercado internacional, agora esses sensores têm tecnologia brasileira de menor custo. Por conta dessa conexão com a Embrapa, desde 2018 a Acquanativa já cresceu oito vezes, o que até exigiu investimentos de R$ 2 milhões para ampliar a fábrica localizada em São Carlos (SP). “Sem a pesquisa deles não conseguiríamos desenvolver o produto. E sem nossa capacidade de transformar o estudo num produto real, a tecnologia não chegaria ao produtor”, afirmou o diretor comercial da Acquanativa, Hugo Vieira.

ANALISE DETALHADA No Lanaf são utilizadas várias tecnicas como ressonãncia magnética, fluorescencia e até Espectroscopia de Emissão Optica com laser, a mesma técnica usada pela Nasa para avaliar o solo de Marte

Outra empresa iniciante que se prepara para estrear ao mercado com produto desenvolvido a partir das pesquisas fotônicas é a Brasil Agritest. A startup fundada em 2017 trabalhou com o Lanaf na busca por um sistema que ajudasse a classificar a soja, detectando defeitos no grão em diversos pontos da cadeia de produção. O equipamento utiliza a fotônica associada à inteligência artificial para avaliar o produto, visualmente e pela captura de informações físico-químicas, classificando e emitindo relatórios sobre as amostras, conforme exigência da legislação. Segundo a chefe de pesquisa e desenvolvimento da Brasil Agritest, Anielle Ranulfi, essa avaliação é feita hoje por poucos profissionais especializados com base em uma inspeção visual, levando-se em conta a cor e o formato dos grãos.

EVOLUÇÃO Débora Milori, chefe da Embrapa Instrumentos, diz que a fotônica ajudará o agro a vencer as novas barreiras para elevar a produtividade (Crédito:Divulgação)

“Mas sem padronização nem rapidez, isso acaba criando divergências e prejuízos”, afirmou Anielle. O dispositivo consegue reduzir de uma hora e meia para cerca de quatro minutos o tempo de duração da análise. O protótipo está em teste, no laboratório e no campo, mas ainda sem data certa para chegar ao mercado.

Já a FIT Tecnologia se baseou na ressonância magnética nuclear para desenvolver o SpecFit, equipamento que permite à agroindústria analisar, em larga escala, sementes, grãos e o alimento final industrializado, como óleos, molhos e margarinas, identificando qualquer adulteração. Detalhe: não é preciso abrir as embalagens. As informações são geradas em apenas 60 segundos, sem destruição da amostra e sem gerar resíduos. Lançado em 2016, o aparelho ganhou nova versão no ano passado, e agora pode analisar amostras maiores e avaliar até o teor de gordura na carne ou em produtos processados à base de proteína animal. Em breve, entrarão nesse rol dados sobre suculência e grau de maciez de uma peça de carne adquirida pelo consumidor. Em 2019, a FIT também recebeu investimentos da NT@gro e da Fapesp, o que a ajudou a chegar em 19 países.

O trabalho da Embrapa Instrumentos com seus parceiros tem dado tão certo que o número de contratos já chega a 40, confirmando que pesquisa e desenvolvimento devem andar juntos para garantir que a inovação seja criada, utilizada e multiplicada.