No dia 22 de outubro, a rainha Elizabeth II, da Inglaterra, aos 87 anos, permaneceu por cerca de três horas no moderno New London Theatre, na região central de Londres, para assistir ao espetáculo War horse (cavalo de guerra, na tradução do inglês). Baseada no livro do escritor Michael Morpurgo, a peça conta a saga do camponês Albert e de seu cavalo Joey no início do século passado. A história retrata como a amizade entre um homem e um animal pode durar uma vida toda, resistindo aos infortúnios da Primeira Guerra Mundial. Há seis anos em cartaz, a peça, que também foi transposta para as telas de cinema pelo americano Steven Spielberg, já foi vista por mais de quatro milhões de espectadores ao redor do mundo. Ao final da apresentação no London Theatre, sorridente, a rainha Elizabeth quebrou o protocolo e subiu ao palco. “Eu continuo achando que Joey é um cavalo notável, extraordinário”, disse.

Na Inglaterra, não é somente Sua Majestade, a rainha, que tem paixão por cavalos. Seus súditos também veneram tudo que diz respeito aos equinos da raça thoroughbred (em português, puro-sangue inglês). O turfe, nome dado às corridas de cavalos, foi uma invenção inglesa do século 17 e é uma paixão nacional até os dias atuais. “No mundo todo, o turfe sempre será um estilo de vida para quem gosta de cavalos”, diz Eduardo da Rocha Azevedo, presidente do Jockey Club de São Paulo, fundado em 1875. Ele, que já foi operador do mercado de ações, presidente da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e fundador da BM&F, na década de 1980, comparece todos os dias ao hipódromo da Cidade Jardim, onde está instalada a suntuosa sede do Jockey, às margens do rio Pinheiros, na capital paulista. Além de manter cavalos na Vila Hípica, ele é dono do haras Santa Camila, em Valinhos (SP).

Cavalos são animais que despertam, além das paixões, negócios no mundo todo. No Brasil, segundo um estudo inédito realizado pelos professores Roberto Souza Lima e Ricardo Shirota, do Departamento de Economia e Administração da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), de Piracicaba, os cavalos de corrida puro-sangue inglês movimentam diretamente R$ 1 bilhão por ano. Mas a capacidade de geração de negócios do turfe é bem maior. O trabalho, que deve ser entregue neste mês à Associação Brasileira de Criadores e Proprietários de Cavalos de Corrida (ABCPCC), não dimensiona, por exemplo, a influência da atividade que vai da indústria de medicamentos ao turismo. “Só com empregos diretos o turfe envolve mais de 20 mil pessoas”, diz Rocha Azevedo, que preside o Jockey Club de São Paulo desde 2011.

Sentado na cabeceira de uma ampla mesa na sala de reuniões da sede do clube, no centro da Vila Hípica, Rocha Azevedo, conhecido como “Coxa” pelos amigos, se propôs a dirigir a entidade, que encontrou mergulhada em dívidas e com pouco crédito na praça, como se fosse uma empresa. Todos os dias, das dez da manhã às cinco da tarde, ele pode ser encontrado às voltas com contas, pagamentos e negociações, que vão do eletricista à administração de uma dívida que hoje é de R$ 220 milhões, pouco mais da metade dos R$ 420 milhões devidos há dois anos, quando foi eleito. “Comparado ao patrimônio que o Jockey Club possui, não é impossível resolver essa questão”, diz. No mês passado, por exemplo, a antiga sede social da rua Boa Vista, no centro velho de São Paulo, foi vendida por R$ 90 milhões. Inquieto por natureza, aos 64 anos, Rocha Azevedo tem pressa para colocar a casa em ordem. Ele quer apresentar aos sócios do Jockey, até o próximo mês, um plano que vai além da desmobilização do patrimônio da entidade como meio para sanar as dívidas. “O turfe vem passando por mudanças em todo o mundo, o que também pode ocorrer no Brasil”, diz Rocha Azevedo. “Para atrair mais gente ao esporte, precisamos aumentar o nível dos prêmios.” No principal páreo do turfe paulista, que é um dos maiores do esporte na América do Sul, o Grande Prêmio São Paulo, realizado em maio, concedeu prêmio de R$ 220 mil pelo primeiro lugar. Quem levou foi o potro Gober, criado no Stud Red Rafa, em Americana (SP), do empresário Ricardo Steinbruch, presidente do conselho de administração do grupo Vicunha Têxtil.

De fato, os prêmios no Brasil não são comparáveis aos que o turfe movimenta no mundo. Na Inglaterra, por exemplo, entre os 61 hipódromos do país, o de Ascot, construído em 1711 em Berkshire, a 60 quilômetros do Palácio de Buckingham, é o mais famoso. No início, o hipódromo servia apenas para promover as corridas de cavalos da realeza. Até hoje elas acontecem em junho, duram cinco dias, juntam mais de 300 mil pessoas e, na edição deste ano, distribuíram o recorde de R$ 16 milhões em prêmios. Em março, três meses antes das corridas de Ascot, a Dubai World Cup, nos Emirados Árabes Unidos, pagou prêmios de R$ 53 milhões em nove corridas. Em Paris, no início do mês passado, no mais famoso templo do turfe francês, o hipódromo de Longchamp, o grande prêmio Arco do Triunfo concedeu R$ 14 milhões pela vitória à potranca Treve, criação do haras Du Quesnay de propriedade do sheik Joaan Bin Hamad Al Thani, do Catar.

Esses templos do chamado “esporte dos reis” não são desconhecidos por alguns cavalos de primeira linha brasileiros e seus proprietários. Em Longchamp, entre os 18 animais purosangue inglês classificados para a prova Arco do Triunfo estava o brasileiro Going Somewhere, que terminou a prova em nono lugar. “É um cavalo espetacular”, diz Ricardo Ravagnani, superintendente da ABCPCC e representante brasileiro no Comitê de Ratings da Organização Sul Americana de Fomento da Raça PSI (Osaf). A instituição faz parte da International Federation of Horseracing Authorities (IFHA), com sede na França. “Poucos animais criados no País conseguiram a proeza de estar em Longchamp, depois de ter ganhado corridas importantes na América do Sul, como a de San Isidro, na Argentina”, afirma Ravagnani. Going Somewhere pertence a Benjamin Steinbruch, irmão de Ricardo e principal acionista da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Dono do haras Phillipson, também em Americana, Steinbruch possui um dos maiores plantéis de cavalos PSI do Brasil, com mais de 100 éguas em reprodução.

Além da família Steinbruch, nutrem paixão pelo PSI empresários do primeiro time, como o gaúcho e ex-banqueiro Júlio Bozano, com fortuna estimada em cerca de R$ 4 bilhões pela revista americana Forbes, e o armador carioca Gonçalo Torrealba, do Grupo Libra, dedicado ao transporte marítimo, fluvial e de operação de terminais portuários e logística. Bozano e Torrealba possuem haras em Bagé, no Rio Grande do Sul, apelidada pelos turfistas como a Kentucky brasileira, em referência ao Estado norte-americano, um dos maiores polos mundiais de criação de cavalos PSI. Em Bagé são cerca de 20 haras, entre eles o Santa Maria de Araras, de Bozano, também com cerca de 100 éguas na reprodução, e o haras Stud TNT, de Torrealba, com 80 éguas.

Em novembro do ano passado, Torrealba firmou uma parceria com o americano Robert Clay, dono do Three Chimneys Farm, um dos principais haras do Estado de Kentucky, para criar cavalos de sua propriedade nos Estados Unidos. Entre eles estão as éguas Pure Clan, arrematada em um leilão em Lexington, por US$ 4,5 milhões, e Pilfer, comprada por US$ 1,9 milhão. Em entrevista ao jornal Thoroughbred Daily News, na edição de 15 de novembro de 2012, Torrealba disse que, enquanto no Brasil a criação de cavalos de corrida é um hobby para ele, nos Estados Unidos o investimento serve para ganhar dinheiro na bilionária indústria americana do turfe. “Acreditamos que os Estados Unidos são o melhor lugar do mundo para apostar no mercado das corridas de cavalo”, afirmou Torrealba. Segundo dados da American Horse Council, o impacto da criação de cavalos de corrida na economia americana é de cerca de R$ 200 bilhões por ano, entre prêmios, direito de transmissão dos páreos, criação e comércio de animais.

No Brasil, além do Jockey Club de São Paulo, os principais hipódromos são o da Gávea, no Rio de Janeiro, o Cristal, em Porto Alegre, e o Tarumã, em Curitiba. Do total de R$ 1 bilhão que os cavalos de corrida movimentam por ano no País, as apostas representam R$ 600 milhões. Os demais R$ 400 milhões vêm da criação dos animais, comércio e leilões. Rocha Azevedo acredita que o movimento de apostas no Brasil pode mudar se houver um esforço de modernização dos hipódromos. Para ele, esses espaços poderiam ter uso multifuncional, como locais de eventos para shows e exposições de arte. “Os hipódromos são lugares centrais em todas as cidades do mundo e podem atrair públicos diferenciados sem comprometer o mundo do turfe”, diz Rocha Azevedo, baseado na experiência do próprio Jockey Club de São Paulo, que tem sido palco de eventos artísticos, como o Lollapalooza, realizado em março, e o show da banda britânica Iron Maiden, em setembro. “Também estamos negociando a transmissão pela televisão dos páreos com a Rede Bandeirantes, o que daria mais visibilidade ao setor.” O acordo prevê a entrada ao vivo das corridas, através do canal Band Sports. A parceria com a Band envolve, ainda, um acordo com o grupo espanhol Codere, multinacional especializada na administração de apostas, com ações negociadas na Bolsa de Madri, e a americana Churchill Downs, do Kentucky, que há 140 anos é a responsável pela realização do Kentucky Derby, considerada a maior prova do turfe mundial.

O Jockey Club de São Paulo também está aberto à participação de outras raças de equinos para correr em suas raias. No dia 30 de setembro, cerca de 150 pessoas, entre criadores e técnicos ligados à Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Árabe (ABCCA), estavam no clube para a primeira corrida de animais da raça, no hipódromo paulista. As negociações para que os cavalos árabes entrassem no templo do PSI paulista começaram em 2005. A disputa dos 1,2 mil metros de distância em pista de areia marcou o retorno do árabe ao mundo do turfe, depois de uma ausência de 11 anos. O último páreo entre cavalos da raça aconteceu no hipódromo paranaense de Tarumã, em 2002.

Segundo Paulo Saliba, diretor de corridas da ABCCA, a intenção é realizar um dia de corrida por mês no clube paulista, com prêmios de até R$ 15 mil por páreos regulares e de R$ 50 mil nos grandes prêmios. Para a raça, foram reservadas 80 baias na Vila Hípica, das cerca de mil construídas para abrigar o PSI. “O Jockey Club de São Paulo está entrando em uma nova fase e isso nos interessa muito”, diz Saliba. “Queremos fazer parte do mundo do turfe em nível mundial.” Criadores de árabe também realizam provas em países do circuito internacional do turfe, como França, Estados Unidos e Emirados Árabes. No ano passado, os páreos da raça distribuíram R$ 20 milhões em prêmios. “No Brasil, vamos começar devagar, mas queremos ganhar velocidade nessa corrida”, diz Saliba.

Para o empresário fluminense Cláudio Hirsch, da empresa de logística Logitrade, e criador de árabe há 22 anos no haras Namahê, de Quatis, no Rio de Janeiro, a experiência paulista pode servir de modelo a outros hipódromos. Hirsch também é diretor de fomento da ABCCA e participou do evento paulista. Ele diz que a ideia é discutir com Carlos Eduardo Palermo, presidente do Jockey Club Brasileiro, do Rio de Janeiro, no bairro da Gávea, um plano para colocar a raça na agenda das corridas do hipódromo carioca. “No Estado, há 16 criadores de árabe e um plantel de cerca de 400 animais”, diz Hirsch. “É totalmente viável a nossa participação em corridas exclusivas para a raça.” Rocha Azevedo, que também foi receber os novos companheiros do turfe, acredita que tudo é possível. “Que venham para os hipódromos e fiquem”, diz ele. “Nessa nova fase do turfe nacional, há lugar para quem é competente na arte de criar cavalos de corrida.”