Desde que o presidente Michel Temer assumiu a presidência interina do Brasil, o setor do agronegócio voltou a discutir uma questão que vinha sendo relegada a segundo plano diante da crise política: como o produtor pode produzir mais, com menos, e ser eficiente na gestão de sua fazenda? A safra 2016/2017, que começa a ser semeada em dois meses, pode marcar o início de um severo processo de ajustes no financiamento da produção. O governo Temer se comprometeu a manter os R$ 202,88 bilhões orçados por Dilma Rousseff, para a safra que começou no dia 1º de julho (leia mais na pág. 30), mas, para as próximas temporadas, o dinheiro pode minguar. “O cenário não é mais o mesmo”, afirma Gustavo Diniz Junqueira, 43 anos, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB). “Acho que chegamos à exaustão dos recursos governamentais para o agronegócio”. Desde 2014 no comando da entidade quase centenária, Junqueira é considerado uma das forças jovens do setor e pretende quebrar paradigmas. Para ele, o agronegócio deve se preocupar menos com o volume de recursos e concentrar esforços na gestão das propriedades. “Essa, sim, será a próxima revolução do agronegócio brasileiro.”

DINHEIRO RURAL – O presidente Temer e o ministro da Agricultura Blairo Maggi anunciaram a realocação de recursos do Plano Safra original, a pedido de setores do agronegócio. A medida é positiva?
GUSTAVO DINIZ JUNQUEIRA  –
  De certa forma, ela é positiva porque o governo ouviu os pedidos do setor e fez ajustes. Por exemplo, com a mudança do programa de financiamento de máquinas agrícolas, o Moderfrota, que foi de R$ 5 bilhões para R$ 7,5 bilhões. Era o que esse segmento almejava. No entanto, o que me preocupa é que muito do que foi prometido poderá não ser cumprido. Mesmo considerando a agricultura como um negócio que tem dado o maior retorno para o capital investido nos últimos 13 anos, o País trabalhou como se o dinheiro não fosse acabar. Claro, isso estava alinhado com os próprios anseios do setor. Sempre pressionamos o governo federal por mais recursos para o agronegócio. Mas essa época acabou, o cenário não é mais o mesmo. Acho que chegamos à exaustão dos recursos governamentais para o agronegócio. Agora, precisamos administrar muito bem o que podemos dispor, e isso vai acontecer com a melhoria da gestão das fazendas.

DINHEIRO RURAL – Como o sr. vê a atuação dos bancos privados no financiamento do agronegócio?
JUNQUEIRA –
Para eles entrarem com mais força, é preciso criar o ambiente favorável para que sejam competitivos. Isso começa com a segurança jurídica do próprio negócio. Quanto maior o risco, maior será o custo do capital. E isso força o governo a gastar mais, porque a taxa Selic tem de ser mais alta, hoje fixada em 14,25%, o que leva à necessidade dos subsídios. O segundo ponto é trabalhar para a melhoria das demonstrações financeiras dos empreendimentos rurais, facilitando a análise de crédito. Além, é claro, de limitar as vantagens do Banco do Brasil, que possui acesso a uma poupança rural, com recursos vindos do próprio crédito rural. Com isso, pode-se pressionar os bancos privados.

RURAL – É possível pressionar os bancos privados?
JUNQUEIRA –
Uma reestruturação desse porte não vai acontecer com boa vontade. Demanda um trabalho microeconômico pesado, mas que poderá influenciar o setor de forma positiva. Por exemplo, financiamentos via Cédula de Produto Rural (CPR), via Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), podem levar à entrada de produtores no mercado de capitais, abrindo capital na bolsa.


TRANSPARÊNCIA: o produtor deve gerir sua produção com eficiência e conseguir empréstimos privados mais baratos

RURAL – Quais as forças que farão isso acontecer?
JUNQUEIRA –
Está na mão de várias, porque é preciso uma ação em conjunto. Acho que cabe aos ministérios da Fazenda e da Agricultura. O Banco Central também deve estar envolvido e, em alguns casos, até o próprio Congresso Nacional. É um trabalho longo e difícil, de desregulamentação do mercado como ele funciona hoje, para que o sistema financeiro seja cada vez mais eficiente. O fato é que, mais do que angariar fundos para o Plano Safra, o Ministério da Agricultura tem de atuar como um agente de planejamento de longo prazo.

RURAL – Que papel deve ser o Ministério da Agricultura?
JUNQUEIRA –
Nos últimos anos, a função do Ministério da Agricultura parecia ser prioritariamente aumentar os recursos de financiamento. Não precisamos de um ministro para isso, porque o Banco do Brasil tem esse papel há 40 anos. Acho que o comandante da pasta, hoje na figura do senador Blairo Maggi, deve olhar quais são as oportunidades de mercado que podem se abrir ao produtor rural.

RURAL – A China, por exemplo, é um caso para se repensar e traçar planos mais robustos?
JUNQUEIRA –
Com certeza. O governo precisa definir melhor as pautas com esse país. A China é o maior parceiro comercial do Brasil e podemos nos firmar como o provedor da segurança alimentar dos chineses. Precisamos fazer a seguinte conta: quantas pessoas têm de ser alimentadas lá e quantos bilhões de dólares a China está disposta a pagar por isso. Feita a conta, o governo brasileiro pode elaborar um cardápio com o melhor resultado de investimento de dólar por proteína animal para o país asiático. Mas isso com contrato firmado de, por exemplo, 20 anos. Só então podemos entrar numa negociação, abrindo concessões de um lado e do outro. No final, vamos ter um projeto de longo prazo, que vai nos beneficiar muito. Mas o País não pode aumentar a sua produção em 40%, sem contrapartida, para que o mundo possa ter comida. Tenho escutado isso em várias palestras, baseadas no relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês). Discordo disso, completamente.

RURAL – Qual o perigo dessa ideia?
JUNQUEIRA –
O perigo está em depreciarmos nossa produção no campo. O agronegócio precisa se planejar baseado em geração de riqueza e não no atendimento a uma demanda mundial por alimentos, indiscriminadamente. Pergunto: “o que acontece se você sair com a mentalidade de que é melhor vender o que você produz e não produzir para aquilo que há demanda?” A tendência é gerar uma superprodução, em algum momento. Nessa hora, haverá uma queda de preços que leva à quebra do sistema. Temos de fazer o contrário. O produtor precisa produzir para ganhar dinheiro. O Brasil não pode simplesmente fazer um trabalho para o mundo, sem que seja recompensado por isso.

RURAL – Como o sr. vê os avanços do agronegócio?
JUNQUEIRA –
Passamos por revolução essencialmente tecnológica. Nos últimos 40 anos, foi a decisão pela inovação que levou o agronegócio a uma situação tão diferenciada, produzindo cada vez mais. Deixamos de copiar a agricultura em outras partes do mundo e inventamos o nosso próprio jeito de cultivar. Isso é o que chamamos hoje de agricultura tropical. A inovação levou a nossa produção a ganhos de mercado consideráveis, que representaram no ano passado 22% do Produto Interno Bruto do País, com R$ 1,27 trilhão. Produzíamos uma safra por ano, agora são duas e logo podem ser três para muitas culturas. Houve também uma grande melhoria de máquinas agrícolas, herbicidas e fertilizantes e o início da integração da lavoura com a pecuária.


Mascate: o ministro da Agricultura tem viajado para países como a China para vender os alimentos brasileiros

RURAL – Qual a próxima revolução no campo, do porte dessa das últimas décadas?
JUNQUEIRA –
Apesar de já contarmos com inúmeras agroindústrias no País, em que há uma gestão mais evoluída sob o ponto de vista financeiro, de análise de risco e de planejamento na produção, essas empresas ainda representam uma minoria no setor. Portanto, ainda vai levar muito tempo para que mais empresas engrossem esse grupo. Esse é, de fato, o atual grande gargalo. Creio que nem demos ainda o pontapé inicial, mas a próxima revolução do setor é transformar o produtor rural em empresário rural. Vai ser nesse momento que o País poderá ter maior domínio do comércio internacional. Essa sim será a próxima revolução do agronegócio brasileiro.

RURAL – E como começar essa revolução?
JUNQUEIRA –
O caminho mais eficaz é atrelar o desenvolvimento da gestão da propriedade com a oferta de linhas de financiamento. O governo federal poderia garantir mais recursos, quanto melhor fosse a gestão do produtor rural. É através do canal de financiamento que é possível traçar estratégias para influenciar que os melhores no setor do agronegócio sejam cada vez mais privilegiados.

RURAL – Mas o sr. mesmo disse que daqui para a frente os recursos ao produtor serão mais escassos.
JUNQUEIRA –
Mas não serão necessários tantos recursos, com a melhoria da gestão. O custo de operações de empréstimo e do próprio seguro rural, por exemplo, tende a se tornar mais barato, caso o produtor tenha a sua operação mapeada. Quando o produtor passa a contratar as melhores equipes para trabalhar em sua atividade, ele passa a aplicar as melhores tecnologias em sua produção. Quando há uma gestão financeira mais eficiente, ela leva o negócio a ter um menor risco na sua operação. Com um sistema operacional menos arriscado, menor é a chance de esse produtor sofrer por um problema climático, por exemplo. Bem paramentado, o produtor pode antever o negócio e se adaptar. Quer dizer, sua operação passa a ser muito mais conhecida e isso tem grande influência na contratação de um seguro rural, por exemplo. É mais fácil para uma instituição financeira liberar recursos para um negócio que ela sabe bem como realmente está.