O Whey Protein, um suplemento nutricional que virou febre nas academias de ginástica, está mais próximo do campo do que se imagina. Atrás do nome em inglês, essa substância em forma de pó adicionada em bebidas, ou mesmo em biscoitos e barrinhas, nada mais é do que o soro do leite, um subproduto valioso da fabricação de queijos, mas que até pouco tempo atrás era visto no Brasil como um resíduo industrial. “O cara da academia não imagina que esse suplemento vem de algo que era descartado pelo queijeiro”, diz Caroline Mellinger, pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos, do Rio de Janeiro.

O soro do leite é um velho conhecido, que servia à alimentação animal, principalmente de porcos, mas que, nas duas últimas décadas, passou a ser largamente utilizado na fabricação de bebidas lácteas. Já o Whey Protein é o soro do leite processado, numa versão concentrada. Nos últimos anos, com a popularização de alimentos funcionais e suplementos, há uma tendência de valorização desse produto. “O Whey Protein está ajudando a tornar o soro do leite popular”, diz Caroline. “Estamos vendo a reconstrução da imagem desse produto.”

Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Queijo (Abiq), o Brasil produz cerca de 850 mil toneladas de queijo por ano. Estima-se que, em média, para cada quilo de queijo produzido são gerados oito litros de soro. A tendência mostra o potencial que movimenta os fabricantes. A Sooro, empresa de Marechal Cândido Rondon, no Paraná, especializada em soro do leite em pó, iniciou suas atividades processando 150 mil litros de soro por dia, em 2001. Pouco mais de uma década depois, a capacidade instalada é de 1,2 milhão de litros. “O soro era visto como um problema e não como um produto de alto nível”, diz Hélio Garcia, diretor-executivo da empresa. “A indústria costumava importar o soro em pó, enquanto o queijeiro jogava a matériaprima fora”, afirma. Mas isso começou a mudar, à medida que o soro nacional passou a ser valorizado e ganhou qualidade. No ano passado, a empresa paranaense gerou 16,7 mil toneladas de sólidos do soro do leite e faturou R$ 57,5 milhões, ante 12,4 mil toneladas produzidas, para uma receita de R$ 34 milhões no ano anterior. Além disso, em 2011, com investimentos de R$ 20 milhões em tecnologia, a Sooro deu o pontapé inicial na produção brasileira de Whey Protein Concentrate, produto que representou 1,2 mil toneladas do total fabricado pela empresa no ano passado. Segundo Garcia, a indústria está substituindo o leite em pó pelo soro em pó na receita de pães, biscoitos e sorvetes. O ingrediente também é nutritivo e apresenta um bom desempenho no processo industrial. “Além disso, o quilo é mais barato, custa em torno de três reais”, diz.

A Sooro coleta o soro do leite in natura produzido por cerca de 20 queijeiros num raio de até 400 quilômetros da fábrica. A matéria-prima passa por um processo de filtragem e secagem. Cerca de 94% do soro é composto por água, que é tratada e retorna para o meio ambiente, enquanto os sólidos vão compor o produto final. “Os queijeiros se livram de um problema ambiental, porque não se preocupam com o descarte do material”, diz Garcia. “E a venda do soro gera uma fonte de renda interessante.” Neste ano, a Sooro espera produzir mais de 18 mil toneladas de soro em pó e faturar R$ 65 milhões, um crescimento de 13% ante 2012.

O Sindicato das Indústrias de Laticínios de São Paulo (Sindileite), estima que o Brasil já tenha capacidade para produzir 115 mil toneladas de soro em pó por ano, mas produz apenas 40 mil toneladas e importa cerca de 28 mil toneladas. Segundo o presidente da entidade, Carlos Humberto Mendes, o maior empecilho para que esse mercado cresça nacionalmente é a tecnologia. “O soro é muito perecível, precisa ser mantido refrigerado, e o transporte é caro”, diz. “Mesmo assim, acreditamos que o setor está crescendo acima de 10% ao ano e o Brasil está caminhando para a autossuficiência.” Para Luiz Fernando Martins, presidente da Abiq, outro problema é a estrutura das queijarias. “O resfriamento de grandes volumes não estava previsto nos projetos mais antigos, mas as queijarias estão se adequando”, diz. Cerca de 50% dos sólidos do leite usados na fabricação dos queijos fica na produção, enquanto o restante vai para o soro. “Jogar o soro fora é perder metade da bacia leiteira”, diz Martins.

Os grandes laticínios estão de olho nesse mercado. A catarinense Tirol, de Treze Tílias, que iniciou a produção de soro em pó em 2005, é uma delas. A empresa recebe um milhão de litros de leite por dia e é uma das maiores do Estado. Atualmente, a Tirol tem capacidade para secar 400 mil litros de soro por dia, o que representaria uma produção de até 650 toneladas de soro em pó por mês. Mas a Tirol ainda está trabalhando abaixo da capacidade instalada e revende boa parte do soro para empresas de nutrição animal. O diretor-administrativo e financeiro Fabio Cesar Dresch diz que agora a estratégia é produzir e reaproveitar ao máximo o ingrediente. “Estamos investindo na diversificação dos produtos que levam essa matéria-prima”, diz. Exemplo disso foi o lançamento do Frutein, um suco com soro do leite, em 2011. “O desafio é fazer com que o consumidor conheça os benefícios e as propriedades do soro”, diz.

Neste ano, a gigante BRF, dona da marca Batavo, também lançou um suco com soro de leite, batizado de Hidra. “A proteína do leite é uma das mais bem avaliadas por nutricionistas e consumidores”, diz a diretora de lácteos, Luciane Matiello. “É o alimento do futuro.” Além disso, a BRF se juntou ao grupo irlandês Carbery e criou a joint venture Nutrifont, com o objetivo de produzir o soro em pó e derivados. A empresa está investindo R$ 130 milhões na construção de uma fábrica em Três de Maio, no Rio Grande do Sul, que será abastecida por unidades de queijos da BRF na região. “Com essa parceria, vamos avançar nesse negócio”, diz Luciane. Enquanto as empresas investem, o Ministério da Agricultura está desenvolvendo uma Instrução Normativa para estabelecer os padrões de identidade e qualidade do soro de leite destinado ao comércio nacional e internacional e os critérios para o uso do soro na produção de alimentos. O anúncio da normativa deve ser feito até o fim do ano.