À primeira vista, quem vê as pilhas de tiras finas e estreitas de madeira armazenadas nos fundos de um galpão de São Bernardo do Campo, na região do ABCd paulista, pode até imaginar que se trata de entulho de alguma fábrica de móveis, e que serão descartadas. A cidade, além de ser o mais importante centro da indústria automobilística do País, é um importante polo moveleiro. Longe de terem como destino o lixo, as lâminas de 70 centímetros de comprimento, seis de largura e apenas dois milímetros de espessura estão ali para serem transformadas em modernos e sustentáveis óculos de sol e de grau. Nas mãos de três jovens designers, Leonardo Valente, 23 anos, Fernando Rodrigues, 28, e Fabio Willers, 29 anos, as peças de imbuia, marfim e muiracatiaria, transformadas em óculos por sua empresa, a Notiluca, fundada em 2012, estão cada vez mais enfeitando rostos no Brasil. O trio foi pioneiro no uso da madeira para esse fim no País.

A história começou como uma brincadeira de faculdade dos amigos Valente e Rodrigues, em 2011. Enquanto cursava o último semestre do curso de desenho industrial, na Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo, Valente frequentava a oficina de madeira da faculdade. “Sempre gostei muito de trabalhar com esse material”, diz ele. Não à toa, seu apelido na faculdade era “Aléojadinho”, uma junção de seu pre- nome, Leonardo, com a alcunha do mais famoso escultor do barroco brasileiro, o Aleijadinho. Graças à sua aptidão para o trabalho artesanal, Valente reaproveitava as sobras de madeira da oficina, criando anéis, vasos e outros objetos. Certo dia, ele decidiu fazer óculos de sol de peroba-rosa, para presentear a namorada. O resultado agradou à amada, mas Valente não conseguia encontrar uma ótica que topasse colocar as lentes na armação. “Como a peça ficou um pouco irregular, ninguém queria fazer o serviço, por medo de quebrá-la”, afirma. Enquanto não encontrava quem aceitasse a tarefa, Valente produziu outras duas armações. Foi depois de muitas andanças que ele, finalmente, conseguiu as lentes para os três óculos e sua namorada recebeu o presente. Hoje, eles estão noivos.

Os outros dois óculos não foram para a gaveta. Valente passou a usá-los na faculdade. Logo de cara, o produto causou frisson. “A galera adorou e começaram as encomendas”, diz ele. Foi então que o estudante, com a ajuda do colega de classe Fernando Rodrigues, resolveu transformar a ideia num negócio. Willers, gaúcho de Parobé, formado pela Unisinos e amigo dos paulistas, foi convidado para fazer a gestão financeira da empresa. Sem referência alguma sobre como fabricar óculos de madeira, o trio levou um ano até lançar a marca. “A Notiluca foi o resultado de muita pesquisa, tentativa e erro”, diz Rodrigues. “O desafio era desenvolver uma técnica de fabricação que tivesse equilíbrio entre durabilidade, flexibilidade e estética.” Além das três espécies em uso, o trio de designers não descarta novidades. Já foram testados a madeira de roxinho, o cedro-rosa, o cedrinho, a cerejeira e a copaíba. “Queremos diversificar a matéria-prima e ampliar o portfólio de produtos”, diz Valente. Para iniciar a fabricação com roxinho, madeira que se destaca por sua cor, falta apenas encontrar um fornecedor confiável.

Valente é o responsável pelas compras e pela análise da matéria-prima. Todos os meses são adquiridas cerca de 100 toras cortadas em forma de prancha, de até 2,5 metros por 40 centímetros. “Observo bem o pranchão, porque a madeira não pode ter rachaduras”, diz. A matéria-prima é cortada em uma marcenaria em São Paulo e as lâminas seguem para a notiluca. Os sócios só trabalham com madeira legal, que possua selo de origem do instituto Brasileiro de Meio Ambiente (ibama) e da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo. Os selos são a garantia de que as pranchas são provenientes de áreas de manejo florestal sustentável. Outra atitude sustentável é aproveitar as sobras para confeccionar enfeites para os óculos e para produzir brindes, como chaveiros. “Evitamos o desperdício ao máximo”, diz Rodrigues. Na linha de montagem dos óculos, as lâminas são cortadas a laser, como as hastes, por exemplo. na sequência, o processo é totalmente manual. Entre montagem, colagem, prensagem e acabamento, cada par de óculos leva cerca de seis horas para ficar pronto. Hoje, 13 artesãos respondem pela produção de 1,5 mil óculos, por mês, vendidos em cerca de 80 lojas espalhadas pelo Brasil. O preço ao consumidor vai de R$ 350 a R$ 410.

Com menos de dois anos no mercado, os óculos estão começando a fazer a cabeça de celebridades. Atrizes como Priscila Fantin, Nathália Rodrigues e Paloma Bernardi já foram fotografadas com o acessório. Segundo Valente, as peças surpreendem não apenas por serem inusitadas, mas também pelo resultado. “São óculos muito confortáveis e leves”, diz. Eles pesam, em média, dez gramas. “a madeira traz um estilo inovador, que provoca uma sensação de bem-estar”, afirma Rodrigues. de acordo com Willers, os óculos de madeira vieram para ficar. “Não serão apenas um modismo passageiro”, afirma. “Com os óculos de grau, vamos conquistar um público fiel.”

O próximo passo dos empresários é ganhar o mundo. Até julho, a Notiluca exportará o primeiro lote, de 900 peças, para a Europa, para metrópoles como Milão, Barcelona e Lisboa. Eles esperam fechar 2014 com uma produção de até 3,5 mil peças por mês.