A pequena Carmo de Minas, cidadezinha que nasceu no início de 1814 e tem apenas 14 mil habitantes, é a protagonista de um fenômeno agrícola recente na arte de produzir café. O município, encravado em uma das belas paisagens montanhosas que compõem a Serra da Mantiqueira, no sul de Minas Gerais, está entre os maiores produtores de cafés especiais do País. E se valeu desse dote para criar a Rota do Café Especial, um passeio à espera de turistas, baristas e gourmets curiosos. Distante 420 quilômetros de Belo Horizonte e a 275 quilômetros da capital paulista, Carmo de Minas, vizinha de São Lourenço, município conhecido por suas fontes minerais, possui uma combinação de clima favorável e solo fértil, fatores que lhe garantem a produção de grãos de alta qualidade. Tanto é que, desde 2002, quando os cafeicultores carmolenses conquistaram o segundo lugar no renomado concurso nacional Cup of Excellence, organizado pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA, na sigla em inglês), todos os anos, Carmo de Minas é destaque e vai parar na lista dos melhores grãos produzidos no País. Foi a partir desse concurso que os produtores da região começaram a apostar na dobradinha café-turismo rural. “O intuito é educar para poder vender”, diz Hélcio Carneiro Pinto Júnior, um dos idealizadores da Rota do Café Especial. Segundo ele, a ideia é mostrar não somente o cultivo, mas também o processo de produção dos grãos diferenciados. “Levamos as pessoas a descobrir um café a que elas não estão comumente acostumadas”, diz Pinto Júnior.

Ele, o irmão Jacques Pereira e o amigo Márcio Meneses de Oliveira, criaram a Rota do Café Especial há quatro anos, inspirados em uma história mais do que centenária. Tudo começou com a família de Hélcio e Jacques, que está na região há quatro gerações, à frente da fazenda Sertão, herdada pelos avós José Isidro e Nazareth Pereira. A história do grupo no agronegócio começou com a pecuária leiteira, mas a cafeicultura se tornou uma exclusividade, ao incorporar à produção as fazendas Santa Inês, Nossa Senhora de Fátima, Santa Lúcia e Ipê. Juntas, elas formam o grupo Sertão, num total de 800 hectares de área, dos quais 280 são destinados ao cultivo de café. Produzem por ano, 25 mil sacas de cafés, sendo 60% de grãos especiais da espécie arábica e, na grande maioria, da variedade borboun amarelo.

Paisagem:

até onde a vista alcança, os cafezais enchem os olhos. Cultivo cuidadoso é tarefa diária

 

 

Da fazenda Sertão, pode-se apreciar o contraste entre as montanhas, as estradinhas sinuosas do interior mineiro e os imensos cafezais. De um mirante nessa fazenda, avista-se o cafezal da fazenda Santa Inês, vizinha de porteira que há alguns anos foi recordista em pontuação no concurso dos cafés especiais. “A fazenda recebeu nota 95,85, em uma escala de 0 a 100”, diz Pinto Júnior. O recorde mundial de complexidade da bebida é uma composição que leva em conta a acidez, a cor e a doçura do grão. “A lavoura da Santa Inês é centenária e um ótimo exemplo de plantio e de colheita artesanais”, diz Pereira.

De acordo com Pinto Júnior, a intenção da Rota do Café é que ela tenha um caráter histórico-cultural. Além dos visitantes entrarem em contato com todo o processo produtivo do cultivo do grão há, ainda, as construções e os maquinários centenários. Na sede da fazenda Sertão, construída em 1891 e restaurada há 50 anos, estão expostos objetos de época, como uma banheira de madeira, e um moinho d’água, no jardim. Há, ainda, uma pequena capela, o chamado mirante central e uma casa na árvore – nos moldes daquelas construídas para crianças -, de onde também se tem uma bela vista. O objetivo é que o passeio se torne uma viagem aos séculos 19 e 20, uma espécie de sala de aula ao ar livre, em que as pessoas possam compreender uma parte importante da história do País, que foi a contribuição da cultura cafeeira para o desenvolvimento nacional. O cultivo do café chegou ao Brasil em 1727, pelas mãos dos portugueses, mas foi entre 1800 e 1930, no denominado Ciclo do Café, que o grão se tornou âncora das exportações. “Resgatamos alguns artigos antigos e fizemos uma exposição mostrando o contexto histórico do café e das quatro gerações de nossa família”, diz Pereira.

Aula ao ar livre

Cafeicultores mostram aos turistas um pouco da arte de cultivar a terra

 

1 – Na rota do “pé à xícara”, pode-se conhecer a colheita do café e os cuidados especiais para não estragar o grão maduro.

2 –

Os agricultores mostram a antiga e artesanal técnica de limpar o café em grandes peneiras. Em seguida, os grãos são tirados do campo.

3 –

No terreiro, os grãos de café são espalhados para que sequem antes de ir para a torrefação.

Estabelecido o conceito da rota do café “pé à xícara”, os criadores do projeto não se limitaram ao público leigo quando pensaram em reeducação do consumidor. “As pessoas olham muito preço e acham que café é tudo igual”, diz Pinto Júnior. A intenção é ir além do público leigo na arte da bebida. Uma derivação do passeio pela rota se destina aos proprietários rurais do Brasil e de outros países. O enfoque mais profissionalizado é direcionado ao conhecimento sobre a produtividade das lavouras e as técnicas de manejo, passando pela colheita, secagem e a torra do grão. No fim da rota, os visitantes experimentam a bebida na tentativa de identificar seus sabores. “Muitos turistas, sem intimidade com o grão, ao provarem pela primeira vez um café que não tenha açúcar, saem com uma visão diferente daquela a que estavam acostumados”, diz Pinto Júnior. Para ele, ganhar adeptos pelo paladar é o caminho para que os cafés especiais aumentem sua participação no mercado. De acordo com a BSCA, o Brasil deve produzir cerca de 1,2 milhão de sacas de grãos especiais, neste ano. Em geral, as visitas às fazendas são realizadas com pequenos grupos de até 14 pessoas, com saídas pela manhã e à tarde. O preço do passeio é de R$ 50 por pessoa.

Grãos de qualidade:

cafezais centenários são cultivados nos morros, sem agredir o meio ambiente