A gaúcha SLC Agrícola quer cultivar 700 mil hectares do Cerrado brasileiro na safra 2020/2021. Conheça sua estratégia para colocar em pé o ambicioso projeto de se tornar uma das maiores produtoras mundiais de soja, milho e algodão.

A trajetória dos irmãos Eduardo e Jorge Logemann, de Horizontina, na região das Missões, no Rio Grande do Sul, pode ser dividida em dois grandes capítulos. Até 1999, eles eram identificados como industriais, donos da SLC, fabricante por duas décadas de tratores e máquinas agrícolas, fundada por seu avô Frederico Logemann. Naquele ano, a empresa da terra da supermodelo Gisele Bündchen foi vendida para a americana John Deere, um dos maiores conglomerados mundiais do setor.

Com a venda da fábrica, os Logemann resolveram passar para o outro lado da porteira, iniciando o segundo capítulo, com investimentos pesados no agronegócio. De lá para cá, a SLC Agrícola, com sede em Porto Alegre, tornou-se uma das maiores produtoras de grãos do País, dona de 16 fazendas que neste ano estão cultivando 340 mil hectares de lavouras de soja, milho e algodão, nos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia, Maranhão e Piauí. “O Brasil tem terras e potencial de produtividade, e a logística, hoje ineficiente, vai melhorar”, diz Eduardo Logemann, presidente do conselho de administração da SLC. “Como projeto, nossa empresa sempre será uma grande fazenda para a produção de alimentos.” A previsão da SLC, que deve colher 1,5 milhão de toneladas neste ano, é chegar à safra 2020/2021 pronta para cultivar 700 mil hectares de terras e figurar entre os maiores produtores mundiais de grãos e algodão. Mas a comemoração já começou. Nesta safra, ao ultrapassar a barreira dos 300 mil hectares cultivados, ante 282 mil hectares em 2012/2013, a empresa entrou para o seletíssimo clube dos grandes produtores de grãos do País, no qual figuram nomes como Grupo Bom Futuro, de Eraí Maggi Scheffer, com fazendas concentradas em Mato Grosso, e Tiba Agro, empresa administrada por brasileiros, com capital do fundo Vision Brazil Investments, criado por dois ex-executivos do Bank of America. Na SLC Agrícola, o último balanço fechado mostra uma receita de R$ 1,1 bilhão em 2012 (o resultado de 2013 está prestes a ser  presentado aos acionistas), do qual R$ 568 milhões vieram da venda de pluma de algodão; R$ 286 milhões, da soja; R$ 100 milhões, do milho; e R$ 58,6 milhões, do caroço de algodão. Até o terceiro trimestre de 2013, os dados parciais exibem um faturamento superior a R$ 800 milhões. Sozinho, o braço na agricultura representa 48% das receitas de R$ 2,1 bilhões do grupo naquele ano.

São quatro os pontos principais  da estratégia traçada pela SLC para crescer daqui para a frente: aumentar a produtividade das fazendas, adquirir mais terras, fazer parcerias e atrair investidores internacionais. Até agora, a história da SLC foi emblemática para o setor porque foi ela, nesta fase de estruturação de corporações rurais, a primeira empresa constituída por fazendas produtoras de grãos a ter suas ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa). A abertura de capital, em 2007, na qual a empresa de Logemann obteve R$ 300 milhões, foi uma espécie de marco desse movimento rumo ao mercado financeiro. Antes disso, poucas companhias do agronegócio, como a Sadia e a Perdigão, atual BRF, e a Cosan, do empresário paulista Rubens Ometto da Silveira, haviam se arriscado na bolsa. Depois da SLC e da Cosan, outras empresas do setor fizeram seus IPOs, como a Brasil Agro e a Vanguarda Agro, também produtoras de grãos; a Biosev, a Tereos e a São Martinho, com cana-de-açúcar; a JBS, a Marfrig e a Minerva, com
proteína animal. “A entrada na bolsa clareou os caminhos de toda a equipe de comando e definiu objetivos”, diz o CEO Aurélio Pavinato, há 20 anos na SLC. “Hoje, somos um time focado em fazer com que as fazendas sejam cada vez mais eficientes e rentáveis financeiramente.”

Pé na Estrada Para dar conta do recado como executivo número 1 da equipe da SLC, aos 46 anos, o gaúcho Pavinato, que assumiu o comando em maio de 2013, tem despendido boa parte de seu tempo nas fazendas, controlando diretamente cada passo na gestão do negócio. Em 2013, ele passou nove semanas voando de fazenda em fazenda, sem contar as viagens a Nova York, onde está parte dos acionistas da SLC, a São Paulo, para negociar com bancos, ou à Ásia, para visitar clientes. Nesse período, Pavinato passou 20% do tempo na sede, na capital gaúcha, e 80% em viagens. Mas o agrônomo que se tornou doutor em sustentabilidade de soja e algodão na região do Cerrado não viaja sozinho. No avião da SLC, ele costuma estar acompanhado de sua tropa de elite, que no dia a dia faz os negócios acontecerem. A equipe de executivos de campo da SCL é composta por um gerente regional – no caso do Nordeste, o agrônomo Márcio Silveira, que há sete anos começou como trainee e hoje é mestre em planejamento agrícola –, pelo diretor de produção, Gerson Trenhago, pelo engenheiro agrícola Luciano Bizzi, diretor de mecanização, e pelo engenheiro agrícola Álvaro Dilli Gonçalves, especialista em agricultura de precisão, responsável pela diretoria de recursos humanos e sustentabilidade. 

De acordo com Gonçalves, o segredo da SLC é o treinamento da equipe de 3,5 mil pessoas, das quais 2 mil são funcionários fixos. “Acabou a era da força nas fazendas, o que vale é o conhecimento”, diz. No entanto, numa organização em expansão como a SLC, apenas o conhecimento de uma máquina não é mais suficiente. “É necessário que a equipe conheça os processos da empresa”, diz Gonçalves. “Para nós, o que vale é a mudança de comportamento.” De acordo com ele, a empresa investe, anualmente, R$ 1,5 milhão em treinamento e desenvolvimento da mão de obra nas fazendas. O técnico agrícola Adir Picco, 36 anos, que começou a trabalhar como estagiário na SLC há 11 anos, é resultado desse esforço de formação. Passou por três fazendas, até se tornar coordenador de pesquisa na fazenda Panorama, em Correntina (BA). “Como profissional, contabilizo tudo no meu dia a dia”, diz. “A empresa me oferece um pacote que contém qualidade de vida e disso eu não gostaria de abrir mão”, diz Picco, que é pai de um garoto e de uma  enina.

“Benefícios como planos de saúde, odontológico, moradia e transporte escolar contam tanto quanto nossas ferramentas de trabalho no campo.” Trenhago, diretor de produção, diz que a cultura de empresa da SLC sempre foi diferenciada, em vários aspectos. Segundo ele, na época em que o agronegócio no País ainda era um empreendimento essencialmente familiar, nas fazendas do grupo o modo de produzir, pesquisar e cuidar da equipe seguia critérios ajustados ao planejamento estratégico, copiado das corporações de outros setores. “Lá atrás, mesmo antes de ter seu capital aberto, a SLC já era profissional”, afirma. O Ceo Pavinato define um negócio profissionalizado como um conjunto de obras. Em termos de estrutura física, as 16 fazendas da SLC foram projetadas de forma muito  semelhante, divididas em áreas de plantio e em uma praça central com as residências, um clube, escritório, armazéns, beneficiadora de algodão e pista de pouso para aviões. “Há um esforço muito grande para que as fazendas sejam, antes de tudo, um lugar bom para se viver”, diz Pavinato. A SLC sempre foi uma empresa compradora de terras baratas, que ao longo dos anos se transformaram em fazendas altamente valorizadas pelo mercado, não só do ponto de vista produtivo, mas também pelo lado socioambiental. No oeste da Bahia, por exemplo, um hectare de terra bruta está avaliado em cerca de US$ 2,3 mil, enquanto as terras da fazenda Panorama da SLC valem US$ 8,6 mil o hectare. Em Diamantino, em Mato Grosso, onde está localizada a fazenda Paiaguás, com 36 mil hectares cultivados, o valor do hectare é de US$ 6,1 mil, o dobro do cobrado por um hectare de pastagem na região. Além da valorização imobiliária, a SLC vem conquistando ganhos de produtividade.

No caso da soja, em várias de suas fazendas a colheita média das últimas cinco safras foi de 3,5 mil quilos por hectare/ano, cerca de 30% superior à marca nacional de 2,8 mil quilos. No milho, para o mesmo período, a SLC conseguiu até 10,5 mil quilos, mais do que o dobro da média nacional de 4,3 mil quilos. “Desde que a SLC começou a comprar fazendas, em 1977, ela sempre ganhou dinheiro por ter administrado muito bem as terras e também ganhou muito na sua valorização”, diz Pavinato. Atualmente, o patrimônio imobiliário  rural da SLC está avaliado em R$ 2,7 bilhões, superior ao seu valor de mercado na Bovespa, de um R$ 1,8 bilhão, no fim de fevereiro.

Dinheiro de fora – O grande impulso nos negócios após a abertura de capital na BM&FBovespa, há sete anos, veio com a estruturação de dois esquemas que tendem a ganhar fôlego: a criação de uma empresa específica para comprar terras, a SLC LandCo, desvinculada da produção, e as joint ventures. No ano passado, foram fechadas duas operações nesse sentido. Pela parceria com o Grupo Dois Vales, a SLC passou a administrar 30 mil hectares em Querência, município do Vale do Rio Araguaia, em Mato Grosso.
A Dois Vales é controlada pela holding Soares Penido, dona da Serveng, que participa de consórcios de concessões de estradas, como a via Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, do aeroporto de Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, dos trens de Salvador e de empresas de ônibus. Da Mitsui, um dos principais conglomerados industriais e financeiros do Japão, a SLC recebeu um aporte de R$ 30 milhões, para administrar 21 mil hectares em São Desidério, na Bahia. Nessa parceria, a participação da empresa gaúcha é um pouco superior a 51% do aporte total, pois a Mitsui, por ser um grupo estrangeiro, não pode ser majoritária no negócio. “A parceria com a Mitsui, que também quer crescer no Brasil, foi fechada para durar 99 anos”, afirma Pavinato. A SLC foi muito procurada nos últimos anos por fundos estrangeiros de investimento, interessados em colocar dinheiro no País. Segundo Logemann, desde 2010, ano em que a Advocacia-Geral da  União (AGU) deu um parecer contrário  ao controle de grandes áreas agrícolas por estrangeiros, há um buraco na legislação brasileira. “Nós não somos contra a entrada de grupos estrangeiros, que são bem-vindos para produzir”, diz Logemann. “Somos contra a especulação de terras.”

Para o economista José Vicente Ferraz, da consultoria Informa Economics FNP, de São Paulo, embora o mercado de terras tenha sido afetado nos últimos três anos, em função do parecer da AGU, a  compra de áreas propícias à agricultura continua sendo um grande
negócio no Brasil. “Ainda dá para ganhar muito dinheiro com terras para a produção de grãos”, diz Ferraz. A título de comparação, ele lembra que a remuneração das aplicações convencionais na Europa, nos Estados Unidos ou no Japão pode chegar, no máximo, perto de 3% ao ano. No Brasil, o mercado de terras dá um retorno na casa dos 15%. “É uma festa e a tendência é continuar assim, principalmente para as empresas que pegam uma terra bruta e em três ou quatro anos a transformam numa área produtiva”, diz Ferraz.

De acordo com o analista, mesmo que o investimento leve um tempo, o dinheiro que o investidor coloca no negócio é muito menor do que o preço final da terra. “Quando se calcula a taxa de retorno de um empreendimento desses, ela vai a 20% ou até mais”, afirma Ferraz. Atraídos por essa rentabilidade, cerca de dez fundos atuam no País. Além da Tiba Agro, há outros, como o Agrifirma, fundado em 2008 com capital dos financistas britânicos Lord Rothschild e Jim Slater, e o Vinci Partners, capitaneado pelo empresário Gilberto Sayão, ex-sócio do Banco Pactual. De acordo com Pavinato, a SLC Agrícola, aberta a novas parcerias com fundos de investimento, por intermédio da SLC LandCo, tem como objetivo compor seus ativos com 50% de terras próprias. “Como estratégia, manter 50% de terras no negócio dá mais estabilidade e nos deixa menos expostos à volatilidade do mercado”, diz. Atualmente, as joint ventures representam 11% dos ativos da SLC; os arrendamentos, 34%; a SLC LandCo, 10%; e o restante são propriedades do grupo. “Hoje, temos um banco de terras de 49 mil hectares para serem cultivadas e que funcionam como um pulmão”, diz Pavinato.

Com os 340 mil hectares cultivados na atual safra, a SLC está a meio caminho de seu objetivo de chegar a 700 mil hectares na virada da década. Detalhe: embora sua primeira fazenda tenha sido adquirida no Rio Grande do Sul, ainda quando era essencialmente  industrial, a SLC não cultiva um palmo sequer de terra em seu Estado de origem. Totalmente profissionalizada na direção executiva (Jorge, o irmão de Eduardo, ocupa a vice-presidência do conselho), a SLC deposita suas expectativas no desenvolvimento tecnológico de sua produção. “Apostamos em tecnologias e pesquisa permanente, como nas sementes de soja cada vez mais precoces e produtivas”, diz Logemann. “O Brasil tem potencial, produtividade e não deixa nada a desejar quando comparado a outros países, como os Estados Unidos e a Argentina.”