A reedição da novela “Pantanal”, que passa a ser transmitida pela Rede Globo no final de março, trará novamente a viola para o horário nobre da televisão brasileira. Dessa vez pelas mãos de Gabriel Sater, que interpreta Trindade, o peão violeiro e cheio de mistério. É exatamento o mesmo personagem que marcou a estreia de seu pai, Almir Sater, na dramaturgia, em 1990, na primeira versão da obra, exibida pela Rede Manchete. As comparações serão inevitáveis, mas que fiquem no campo da ficção: Gabriel e Almir são instrumentistas diferentes. “Comecei a ser músico inspirado pelo meu pai, mas optei por seguir meu caminho para ter minha própria identidade”, afirmou Gabriel à RURAL.

O universo da viola é mesmo assim, repleto de diferenças, particularidades e muita personalidade. É um instrumento de alma caipira com presença universal, por conta de sua inconfundível sonoridade, potente e vibrante, segundo o violeiro e produtor musical Osni Ribeiro. “Toque a viola com as cordas soltas e já tem ali um acorde, na maior parte das afinações”, afirmou. Sim, a viola pode ter várias afinações, conforme a região, a cultura, os costumes: meia guitarra, guitarra inteira, rio acima, rio abaixo, quatro pontos, boiadeira e cebolão. Essa última foi a escolhida por Gabriel Sater. “Uma vez ouvi o Tião Carreiro dizer em uma entrevista que essa afinação fazia as moças chorarem, era capaz de ecomocionar as pessoas. Aquilo me marcou muito”, disse.

Tião Carreiro, que fazia dupla com Pardinho, é uma das principais referências para grande parte de violeiros e violeiras. Era um músico inquieto, sempre em busca de novas formas de tocar, um verdadeiro inovador na opinião do violeiro Ricardo Vignini, que tem um estilo não tão convencional. Desde 2007, ele e seu parceiro musical Zé Helder tocam clássicos do rock’n’roll e do heavy metal na viola, de Queen a Metallica. O projeto batizado de Moda de Rock caiu nas graças do público jovem, que passou a buscar as aulas da dupla. “Mas antes de aprender a tocar Led Zeppelin na viola, precisa estudar os ponteios do Tião Carreiro”, afirmou Vignini.

NOVO MOMENTO Para o violeiro roqueiro, esse maior interesse pela viola como um instrumento universal é muito valioso, inclusive por elevar o nível técnico musical. “Imagine a qualidade dessa garotada, que está aí tocando viola aos 18 anos, quando tiverem 50”, disse Vignini. Em sua opinião, outro reflexo desse novo momento da viola é a presença crescente das mulheres, que também vão se tornando referências, como Letícia Leal e Adriana Farias.

 

OBRA DE ARTE Luthiers como Luciano Queiroz são considerados artesãos pelo primor na fabricação de cada instrumento (Crédito:Luciano Queiroz)

A viola ainda ganhou mais popularidade quando entrou no universo acadêmico. Em 2004 foi criado o bacharelado de viola caipira na USP de Ribeirão Preto, no interior do estado de São Paulo, iniciativa do instrumentista e professor Ivan Vilela. “Foi uma enorme colaboração porque trouxe formatação para o aprendizado, padronização que ajudou até na questão das partituras”, afirmou Osni Ribeiro.

Para o músico, é possível que hoje o Brasil tenha mais violeiros do que guitarristas, tamanha é a projeção do instrumento. Como aconteceu com as guitarras e os demais instrumentos de cordas, a evolução nos processos de fabricação contribuiu significativamente para o aprimoramento das violas. “Aumentou muito o número de luthiers, eles estão se desenvolvendo mais do que os fabricantes”, disse Ribeiro. Prova disso é o tempo que leva entre o pedido e a entrega de um instrumento.

“Optei por seguir meu caminho, para ter minha própria identidade” Gabriel Sater, músico e ator

No caso de Luciano Queiroz, luthier de Assis (SP), a fabricação do instrumento leva de 20 a 30 dias, mas por conta do número de pedidos a espera é de um ano e meio. Isso acontece também por trabalhar sozinho e não ter uma linha de produçao. “Optei por peças únicas, tudo personalizado, não existe uma viola igual à outra”, afirmou. Por todo esse processo artístico para se chegar a cada viola, os luthiers são chamados de artesãos.

A soma de toda essa dedicação com a escolha da matéria-prima (madeira) e das partes que compõem o instrumento (ferragens e captação) é o que define o preço de venda. Queiroz cobra de R$ 7 mil a R$ 10 mil por instrumento, mas nesse mercado de luthiers há opções a partir de R$ 3 mil, para quem está começando, ou acima de R$ 15 mil, no caso de músicos mais experientes e mais exigentes.