Alçado ao posto de CEO da Marfrig Global Foods em março deste ano, Miguel Gularte recebe do fundador Marcos Molina a missão de construir um ícone verde na agropecuária mundial

O mês de março deste ano já é um marco na história da Marfrig Global Foods, maior fabricante mundial de hambúrgueres e segunda maior empresa global de carne bovina. No contexto macro, viveu, como toda a indústria agropecuária, a insegurança sobre os meses futuros em decorrência do isolamento social imposto pela crise sanitária da Covid-19. No ambiente interno, passou por um processo de mudança de gestão com a nomeação de Miguel Gularte para CEO, e entrou no primeiro mês de um trimestre com recordes históricos. O bom desempenho culminou em uma reclassificação na nota da companhia pela Fitch Ratings de BB- para BB e da nota de crédito de AA para AA+. O bom momento da empresa, como disse Gularte para a DINHEIRO RURAL, é resultado de uma série de decisões estratégicas como aquisições de companhias em mercados relevantes a exemplo do americano e argentino, além de aumento de produtividade no Brasil com decisões difíceis, que incluiram fechamento de unidades fabris. Em paralelo, a empresa segue investindo esforços para assumir o papel de protagonismo na adoção de práticas de sustentabilidade. O direcionamento dado por Marcos Molina, fundador e presidente do Conselho de Administração da Marfrig, levou a companhia a ser o único frigorífico brasileiro a entrar na lista da Science Based Targets, iniciativa internacional que reúne 990 empresas engajadas com metas de redução das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) no mundo.

RURAL – Na segunda quinzena de setembro, a Fitch elevou o rating e a nota de crédito da Marfrig. Como a companhia recebeu a notícia e qual o impacto da classificação?
GULARTE – Estamos focados em entregar um resultado operacional acima do mercado com governança e sustentabilidade. A elevação do rating da Marfrig de BB- para BB e da nota de crédito de AA para AA+ comprova que o mercado reconhece e valoriza o planejamento estratégico bem estruturado e o potencial de realização da empresa de maneira completa e pragmática. O resultado é que o valor agregado da marca sobe.

RURAL – Vocês fecharam um segundo trimestre com resultados positivos mesmo em um ano tão atípico. Como o senhor avalia os impactos da Covid-19 e os números do período?
GULARTE – Mesmo com a crise, a operação América do Sul manteve suas unidades em funcionamento, graças a um rígido protocolo de segurança adotado logo após o decreto de estado de pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Já em termos operacionais, este foi um período de recordes históricos para a companhia, resultado de uma série de decisões estratégicas que tomamos ao longo dos últimos anos. Destaco o investimento na National Beef nos Estados Unidos. Na Argentina, adquirimos dois ícones quando se trata de produtos: a salsicha Vienissima e o hambúrguer Pati, por meio da aquisição da Quickfood. No Brasil compramos o complexo industrial de Várzea Grande da BRF trazendo para o portfólio da companhia produtos de valor agregado mais elevado, além de um movimento que chamamos de retorno às bases.

RURAL – No que consiste esse movimento?
GULARTE – Comprar bem, transformar bem e vender bem. Para isso revimos todos os nossos processos do ponto de vista estratégico, logístico e de custo. No ano passado, fechamos três plantas que tinham poucas habilitações e eram ineficientes. Em paralelo , fizemos investimentos naquelas mais rentáveis, o que nos permite abater em 11 unidades o mesmo volume que abatíamos em 14. Com os ajustes, tivemos um crescimento do lucro líquido de 1.743%, para R$ 1,6 bilhão no segundo trimestre deste ano. Já o Ebtida ajustado subiu 266%, para R$ 4,1 bilhões.

RURAL – Houve também mudanças na estratégia do portfólio de produto?
GULARTE – Tomamos a decisão muito importante de focar na produção de hambúrguer, um produto que tem uma margem muito elevada e que tem crescimento constante de vendas. Além disso, com toda essa pandemia e aumento de delivery, o hambúrguer foi o alimento que mais cresceu em vendas. Mesmo com o fechamento das redes de fast food, tivemos um crescimento expressivo. Hoje somos a líder do segmento com a produção de 240 mil toneladas do produto, com fábricas no Brasil, Argentina, Uruguai e Estados Unidos.

RURAL – Como foi a preparação interna para dar mais ênfase à produção de hambúrguer?
GULARTE – Fizemos esse processo de maneira muito rápida. Ao mesmo tempo em que realizamos investimentos Capex (Investimentos em Bens de Capitais) para aumentar linhas de produção na estrutura que já existia, agregamos novas fábricas como a de Várzea Grande e a Quickfood na Argentina. Mas é importante destacar que também crescemos em enlatados e carnes cozidas.

RURAL – Além dos produtos tradicionais, em agosto do ano passado, a empresa anunciou uma parceria com a ADM para entrar no mercado de hambúrguer vegetal. Como o sr. avalia essa parceria até o momento?
GULARTE – Conseguimos aliar duas gigantes do mercado. A Marfrig com todo sua capacidade fabril e de comercialização de um lado. Do outro, a ADM com todo o conhecimento, sistemas e matérias-primas para a produção de hambúrgueres, quibes e almôndegas à base de plantas. Juntas, entramos em um mercado novo, que está crescendo e cujo os concorrentes trabalham em uma escala de produção muito menor. Então conseguimos fazer a captura desse mercado de forma mais rápida do que nós mesmos esperávamos.

RURAL – Qual a projeção do mercado para a nova linha vegetariana?
GULARTE – Esse mercado é muito novo e todas as informações sobre projeções são muito vulneráveis. Mas, eu diria que não é errado pensar que em breve o segmento de hambúrguer vegetal passe a participar com mais de 10% da categoria. Então, se a Marfrig hoje produz 240 mil toneladas ao ano, em uma avaliação conservadora podemos pensar em 24 mil toneladas só de hambúrguer vegetariano em um curto período de tempo.

RURAL – Há expectativa de exportação para a linha Viva, composta pelos produtos com base de planta?
GULARTE – Sim. Começamos a rodar comercialmente esses produtos no início da pandemia, o que provocou um certo atraso nos planos. Mas, entre os mercados com grande potencial para as exportações estão China, Estados Unidos e Europa. Nesses países que têm uma cultura alimentar mais diversificada do que o Brasil, o índice esperado de crescimento são ainda maiores.

RURAL – Considerando a empresa como um todo, mesmo com a pandemia houve uma evolução significativa da exportação das operações na América do Sul. Qual a expectativa da participação dos embarques ao exterior para o próximo ano?
GULARTE – A participação das vendas ao mercado interno e externo eram equilibradas em 50%. Quando começamos a ver que a pandemia ia afetar o mercado interno, sobretudo o food service, e vimos que o dólar apresentava uma relação de troca favorável frente ao real, direcionamos as operações para a exportação a países que estavam com o processo de reabertura mais adiantado do que o Brasil. Passamos, então, a exportar cerca de 70% da nossa produção no segundo trimestre o que provocou também uma relação muito saudável entre oferta e demanda no mercado interno.

“Hoje se uma empresa não cumpre os requisitos ambientais, fica fora do jogo” (Crédito:istock)

RURAL – Quais os principais mercados para exportação da Marfrig América do Sul?
GULARTE – Cerca de 65% das receitas de exportação tem origem nas vendas para China e Hong Kong. Além da peste suína que destruiu o plantel asiático, houve uma transferência de um grande contingente populacional do interior para os centros urbanos, o que está provocando um aumento do consumo de carne per capita na região. Atualmente, o volume gira em torno de cinco quilos de carne bovina por ano por cidadão chinês, cerca de oito quilos e meio por pessoa ao ano de frango e 47 kg/per capita/ano de proteína suína. A importação de bovinos pelo país que era em torno de 800 mil toneladas, passou a 1,6 milhão de toneladas em 2019 e tudo indica que esse volume vai aumentar consistentemente.

RURAL – Este ano foi bastante desafiador para o agronegócio exportador brasileiro sobretudo na questão da reputação. A indústria foi envolvida em agendas nada positivas como desmatamento e suspeita de contaminação de produtos pelo coronavírus. Essa repercussão atrapalhou os negócios?
GULARTE – É importante ter em perspectiva os avanços internacionais que o Brasil está conseguindo nesse campo e separar o que são empresas de primeira linha. Os produtores brasileiros praticam corrida de obstáculos. Fizemos avanços espetaculares na exportação da carne bovina com o apoio do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Conseguimos habilitações para os Estados Unidos que é um grande importador de carne, com mais 1,4 milhão de toneladas por ano; e para a China que é o maior mercado atualmente. O campo brasileiro é competitivo. A sustentabilidade é mandatória, não é mais opcional.

RURAL – Mas, há fiscalização? Como inibir ilegais?
GULARTE – A fiscalização existe, mas infelizmente fica aquém do necessário. Hoje se uma empresa não cumpre os requisitos ambientais – não mostra, não certifica e não mede os critérios de sustentabilidade – fica de fora do jogo. Não vende nem para o mercado interno e nem exporta. O Brasil produtivo, exportador e pujante respeita o meio ambiente. Na medida em que o Brasil afiance cada vez mais o compromisso verde, os ilegais serão excluídos do sistema.

RURAL – Em julho, a companhia lançou o programa Marfrig Verde+. Quais os compromissos assumidos?
GULARTE – O protagonismo da Marfrig na área ambiental começa em 2009 sob o comando do fundador Carlos Molina que sempre se preocupou de maneira muito profunda com o aspecto da sustentabilidade. Desde então, investimos mais de R$ 250 milhões em programas socioambientais. Com o programa Verde+, lançado em julho, anunciamos mais R$ 500 milhões em um projeto que tem como principal missão impactar o fornecedor indireto para que adote as boas práticas como condição de continuar um fornecedor da Marfrig. Hoje, a rastreabilidade do gado não acontece para todos os mercados e não é desde o nascimento. Nosso objetivo é que 100% da cadeia de produção seja sustentável e livre de desmatamento nos próximos dez anos.