D o centro de Londrina, o segundo município mais rico do Paraná (o primeiro é a capital Curitiba), até o distrito de Irerê, são 30 quilômetros de estrada ladeada por plantações de soja, milho ou trigo, as principais culturas do Estado. Essa é a distância que, todos os anos, o ex-sitiante Sebastião Ramos, 70 anos, percorre várias vezes, entre os dias 24 de dezembro e 6 de janeiro, para encontrar os amigos e cumprir uma missão que ele considera sagrada: realizar na região a Festa do Santo Reis, uma tradição trazida ao País pelos portugueses. Ramos é um dos 15 integrantes do grupo Meninos Deus, fundado há cerca de 40 anos pelo agricultor Aristides Marques de Souza. Ele é o comandante do grupo, que há 12 anos mantém os mesmos integrantes. O comandante é uma espécie de mensageiro da paz e guarda durante todo o ano a bandeira do Santo Reis, símbolo maior da festa, geralmente feita de tecido e enfeitada com fitas e flores. Católico fervoroso, Ramos participa de reisados desde os 16 anos de idade. “A Festa de Santo Reis não é folclore para nós, é pura religião”, afirma ele. “É a nossa profissão de fé e fazemos tudo para que a folia não seja esquecida.”

Baseada na Bíblia, a tradição tem por finalidade lembrar o momento em que os três reis magos avistam no céu a Estrela de Belém, anunciando o nascimento do menino Jesus. Gaspar, Melchior e Baltazar, um negro, o outro branco e o terceiro moreno, representam toda a humanidade. Na bíblia, os magos partem ao encontro de Jesus para lhe oferecer ouro, mirra e incenso, elementos que representam a realeza, a divindade e a imortalidade. A Festa do Santo Reis ocorre em várias partes do mundo. É uma das comemorações religiosas mais importantes em países como a Itália e a Espanha. No Brasil, além do Estado do Paraná, os reisados ocorrem principalmente em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Bahia e Goiás. Nos reisados, cabe ao responsável pela bandeira – no caso do grupo Menino Deus, a Ramos, também chamado de embaixador –, conduzir as “companhias”. É ele que organiza o roteiro de visitas e pede permissão para a entrada do cortejo nas casas, onde acontecem as rezas e os cânticos em versos, acompanhados de viola caipira, violão, sanfona, pandeiro, triângulo e caixas. Quem recebe o grupo, oferece alguma prenda. O grupo do Paraná aceita alimento e água, mas bebida alcoólica não entra. Em geral, os cantores vestem fardas ou uniformes, e os demais, chamados de bastiões ou palhaços, usam roupas coloridas e máscaras. São os responsáveis por abrir caminho para a folia.

Waldemar Pereira de Deus, 67 anos, é um dos palhaços. No grupo Menino Deus, ele é o principal, chamado de bastião de primeira, e encarregado de levar a bandeira. De Deus também entrou para o grupo quando tinha 16 anos. “É a nossa festa rural, com a fé lá em cima”, afirma. Hoje aposentado, ele já cultivou café em parceria e trabalhou 12 anos na Cooperativa Agropecuária Vale do Tibagi (Valcoop), de Londrina. “O canto é muito bonito e eu queria que essa folia nunca acabasse”, diz ele.

A continuidade da Festa do Santo Reis depende de gente como o trabalhador rural Vergílio Trindade de Oliveira, 60 anos, que começou na lida da boiada aos 13 anos de idade, e de sua mulher Maria Helena Barbosa, 54 anos, filha de agricultores. “Enquanto o grupo Menino Deus existir, a minha casa estará de portas abertas”, afirma Oliveira. “A festa faz a gente chorar de emoção porque lembramos os nossos antepassados, todos foliões de reis”, diz Maria Helena, que desde os cinco anos de idade participa de reisados. Há oito anos consecutivos, o casal recebe em sua casa a saída e a chegada da bandeira do Menino Deus, os dois mais importantes momentos. A saída é o início das comemorações, que acontece à meia-noite do dia 24 de dezembro.

A chegada é o recolhimento da bandeira, durante todo o dia 6 de janeiro, realizada com um grande banquete de comida sertaneja, onde não falta o leitão e o frango.

Nos últimos anos, o roteiro cumprido pelo grupo tem sido de até 20 casas visitadas. “Mas, nos tempos passados fazíamos 40 visitas de reis”, diz Ramos. “Não é mais como antigamente, em que as fazendas tinham colônias de trabalhadores. Hoje, as casas são distantes umas das outras.” Para ele, é cada vez mais raro organizar um roteiro como o ocorrido em 2 de janeiro, quando o grupo percorreu a Estrada dos 500 Alqueires, na localidade de Barra Grande. Nesse dia, a folia aconteceu em seis propriedades rurais de uma mesma família. “As terras foram divididas entre os nove filhos de um folião de reis e a maioria continua na tradição”, afirma Ramos. “Eles aceitam a nossa bandeira e isso nos incentiva a voltar ano após ano para lembrar que temos fé.”