A Assembleia Legislativa de São Paulo adiou para esta quarta-feira, 1º, a votação do projeto de lei que concede título de propriedade aos assentados da reforma agrária no Estado. A sessão que apreciava a proposta foi suspensa após a apresentação de emendas por parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT), contrários à forma original do projeto. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) realizou manifestações na capital, nesta terça-feira, 30, alegando que o projeto “regulariza a grilagem” de terras públicas.

O projeto, do governador João Doria (PSDB), possibilita a obtenção do título definitivo a cerca de 7 mil famílias assentadas pela reforma agrária no Estado. O MST afirma que as terras podem ser tiradas dos pequenos agricultores e ir para as mãos do agronegócio. Isso porque o que eles chamam de ‘PL da Grilagem’ permite a regularização também de áreas públicas ocupadas por fazendeiros, principalmente no Pontal do Paranapanema, extremo oeste de São Paulo. O MST afirma que são 500 mil hectares nessas condições.

A proposta prevê o pagamento de 5% do valor do terreno ao Estado para garantir o título de domínio do lote – hoje, os assentados têm a concessão de uso do lote, sem pagamento. Conforme Kelli Mafort, da direção nacional do MST, os assentados sonham com o título do lote, mas vão ganhar uma dívida impagável. “Da forma como o PL está proposto, o assentado que não pagar pela terra está fora, sem direito a nada. É um jeito de se livrar deles (assentados), privatizando a reforma agrária”, disse.

Segundo a líder, o artigo 4º da proposta permite regularizar terras públicas griladas, favorecendo os grandes proprietários de terras. “Vários deputados são ruralistas ou têm relações com a especulação imobiliária. Querem abocanhar as terras do povo paulista. Doria quer acabar com o Itesp”, disse. A Fundação Itesp administra 140 assentamentos no Estado de São Paulo, onde vivem mais de 30 mil pessoas.

Conforme manifesto do MST, assinado também pela Associação dos Funcionários do Instituto de Terras do Estado de São Paulo e pela Comissão de Direitos Humanos da OAB paulista, o projeto de João Doria está em desacordo com a Constituição Federal, pois ignorou a livre escolha entre o título de domínio e a concessão de direito real de uso das terras, prevista no artigo 187 da carta magna. Os signatários alegam ainda que as obrigações impostas ao assentado para ser dono do lote não se aplicam a futuros adquirentes da terra, o que pode gerar especulação imobiliária e estimular a venda das parcelas.

As entidades consideram que frente à conjuntura atual, com crescente redução de recursos destinados ao fomento da agricultura familiar, desemprego estrutural e conjuntural, e as crises econômica, política e institucional, “uma equivocada titulação dos assentamentos estaduais poderá contribuir para o agravamento desse cenário, com empobrecimento da população rural e urbana de inúmeros municípios no Estado, devido à desconfiguração dos assentamentos enquanto comunidades de direitos, trabalho e vida, inchaço das periferias das cidades, redução da produção e encarecimento dos alimentos”.

A Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), órgão fundiário do governo estadual, disse que eventual mudança no projeto está a cargo da Alesp e que não há risco de prejuízo ao produtor assentado. “Para vender o lote, será necessária a anuência da Fundação Itesp e o novo comprador terá que atender o perfil de agricultor familiar, podendo no máximo adquirir duas áreas. Além disso, o valor sugerido para a outorga do título definitivo está adequado às condições do agricultor familiar assentado. As exigências são próprias da natureza de um projeto público de assentamento rural, produzir na terra e respeitar a legislação ambiental “, disse.

Ainda segundo o órgão, o projeto foi discutido com a comunidade assentada, através de audiências públicas. “A titulação compreenderá a etapa definitiva do assentamento, ao qual os beneficiários estão vinculados por força de lei. A adesão ocorrerá conforme o prazo estabelecido na lei, que poderá ser prorrogado mediante justificativa da família assentada.” O Itesp afirma que a inclusão no projeto da regularização das áreas acima de 15 módulos (mais de 450 hectares) decorre da adequação promovida pela Assembleia Legislativa e busca “pôr fim a litígios judiciais que se arrastam há décadas”.

Integrantes do MST invadem sede regional do Incra

Cerca de 200 integrantes do MST realizaram protestos na capital, nesta terça, contra o projeto de Doria e também contra a ordem de despejo de 450 famílias acampadas em Valinhos, interior de São Paulo. Depois de ocupar a sede regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em São Paulo, o grupo fez protestos na Praça da Sé, em frente ao Tribunal de Justiça paulista e, em seguida, se dirigiram à Alesp para acompanhar a votação do projeto que muda a reforma agrária. No caso de Valinhos, os sem-terra querem que o Incra atue junto à prefeitura da cidade e a justiça local para, ao menos, adiar o despejo.

Os manifestantes são moradores do Acampamento Marielle Vive, instalado na área há três anos e sete meses. As terras fazem parte da Fazenda Eldorado, que obteve, em 2019, a reintegração de posse contra os sem-terra. Com a chegada da pandemia de covid-19 no início de 2020, a ordem de despejo foi suspensa pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Desde então, a retirada das famílias vem sendo adiada.

Na semana passada, a 37ª Câmara de Direito Privado do TJSP decidiu pela manutenção da reintegração de posse em favor dos proprietários, oficiando ao juízo de Valinhos para a execução do despejo. Conforme o MST, a decisão foi dada antes do surgimento da nova variante sul-africana da covid-19, que pode colocar em risco as famílias, principalmente as 150 crianças que vivem no acampamento.

A Superintendência do Incra em São Paulo informou que os membros do MST estiveram em seu prédio-sede, na capital, mas não houve interrupção das atividades, ficando os manifestantes concentrados no andar térreo do prédio. Uma comissão de representantes foi recebida pelo superintendente regional, Edson Alves Fernandes. “A pauta está sendo encaminhada para a sede do Incra em Brasília, em especial para a Câmara de Conciliação Agrária, para análise e orientação superior sobre os itens apresentados”, disse, em nota.