DIFÍCIL DE VER: as nanopartículas ao lado, no tamanho “real”, são 70 mil vezes menores que um fio de cabelo

Quem já pisou numa fazenda sabe que agricultura se faz nos mínimos detalhes e não há produtor que se preze que contradiga essa “verdade”. Mas agora alguns cientistas brasileiros resolveram levar esses “detalhes para o microscópio”. Essa é a nanotecnologia, um tipo de ciência que desenvolve produtos tão pequenos que correspondem à espessura de um fio de cabelo dividido em 70 mil partes. Esse tipo de procedimento é usado em larga escala nos Estados Unidos, que descarregam um caminhão de dinheiro todos os anos: US$ 1 bilhão. Os métodos criados a partir dos conhecimentos “nanométricos” podem gerar uma infinidade de produtos usados em praticamente todos os ramos de atividade. E a agricultura não fica fora disso. O Brasil começa a dar os seus primeiros passos no terreno dessas medidas para lá de milimétricas. Entre 2006 e 2007, foram aportados cerca de R$ 74 milhões em pesquisas de nanotecnologia. E no foco desses investimentos está justamente o agronegócio.

Ainda neste semestre, deve ser inaugurado o primeiro Laboratório Nacional de Pesquisa em Nanotecnologia Aplicada ao Agronegócio. O centro, que funcionará nas instalações da Embrapa Instrumentação Agropecuária, localizada em São Carlos (SP), consumiu mais de R$ 4 milhões e quer ampliar as pesquisas nesse setor. “Junto com o laboratório, criamos a rede de pesquisa em nanotecnologia, que engloba uma série de especialistas. Com a participação de 17 unidades da Embrapa, que estarão junto com 13 universidades brasileiras e universidades dos EUA e da França”, afirma o Coordenador da rede de pesquisa em nanotecnologia aplicada ao Agro, Luiz Henrique Capparelli Mattoso.

Mas, afinal, o que essa partícula praticamente invisível – para se ter uma idéia, um fio de cabelo mede cerca de 70 mil nanopartículas – pode fazer pelo agronegócio brasileiro?

Algumas dessas possibilidades já podem ser vistas na Embrapa Instrumentação, que já há alguns anos vem desenvolvendo aparelhos a partir da nanotecnologia.

Foi a partir dessa tecnologia que os cientistas da unidade desenvolveram um papel-filme protetor para frutas, que possibilita aumentar o seu tempo de prateleira, além de ser comestível. Segundo o pesquisador da Embrapa e um dos responsáveis pelo desenvolvimento do produto, Odílio Assis, no caso da maçã, o tempo de conservação aumenta de 25 dias a um mês. “Em condições controladas, com refrigeração ela pode durar até um ano a mais”, diz.

O filme é uma película feita à base de enzimas animais e vegetais, que são transformadas em um líquido. Após a aplicação, as partículas dessa solução se agregam aos poros da fruta, alterando sua respiração e retardando sua decomposição. “A grande vantagem é que a camada é comestível e não altera o sabor nem a textura da fruta”, comenta o cientista, que acredita que no prazo de dois anos o produto já esteja em uso pela indústria. “O mercado de frutas exóticas brasileiras cresce muito. Esse filme é ideal para garantir a qualidade do produto no caso de exportações.” Agora, o desafio dos cientistas é tornar o produto comercialmente viável. “A tecnologia ainda tem um custo alto. O Brasil perde quase 40% da sua produção de frutas no manuseio e transporte, mas ainda tem um lucro grande. O produtor acha mais fácil perder do que investir.”

PROVADORES – Outra invenção promete facilitar a vida dos provadores, a princípio, o de cafés e vinhos. Tratase da língua eletrônica. O equipamento, que funciona por meio de sensores desenvolvidos com nanopartículas, consegue classificar a bebida quanto a sua qualidade. “A língua foi desenvolvida para café, mas futuramente pode ser usada para água, sucos e até gasolina e biodiesel”, conta Mattoso, considerado o “pai da língua”.

LUIZ HENRIQUE MATTOSO, da Embrapa, desenvolveu uma “língua” eletrônica para classificar café

De acordo com o pesquisador, a língua funciona de maneira semelhante ao sistema gustativo humano, com uma diferença: os sensores são capazes de analisar as características de cada molécula das bebidas e classificá-las de acordo com um padrão determinado.

Na mesma linha de pesquisa foi desenvolvido o nariz eletrônico, que também utiliza o sistema de sensores com nanopartículas para determinar, não através do paladar, mas sim do olfato, o tempo de amadurecimento da fruta. A pesquisa está em andamento com bananas e os resultados são positivos, como conta o pesquisador responsável pelo aparelho, Paulo Sérgio de Paula Herrmann. “Através de sensores, é possível captar os gases emitidos pela fruta quando ela está em fase de amadurecimento. Assim sabemos o momento exato da colheita.” O sistema ainda está em fase de aperfeiçoamento, mas o pesquisador já aponta o baixo custo como a grande vantagem do modelo. “O Brasil perde 40% da sua produção de banana durante a colheita. Com esses sensores, o produtor poderá se programar melhor e evitar prejuízos. Até porque o custo desses sensores, se produzidos em larga escala, deve ser de centavos”, afirma.

Além dessas pesquisas, a unidade já trabalha no desenvolvimento de novos usos para produtos da agropecuária. Nesse sentido, os mais avançados são os plásticos biodegradáveis, feitos a partir de materiais como amido de milho e fibras de coco. “Através de nanopartículas podemos reforçar a resistência desses materiais, que são ambientalmente sustentáveis”, pondera Mattoso. É a nanotecnologia pronta para mudar o agronegócio, justamente nos mínimos detalhes.

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