Foi apresentado na sexta-feira, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, um anteprojeto de lei para a encampação (ou seja, o término antecipado do contrato) da concessão a Rodovia dos Lagos (RJ-124), hoje administrada pela CCR e que liga a cidade do Rio à região dos Lagos. O projeto pega carona no desfecho envolvendo a Linha Amarela (Avenida Governador Carlos Lacerda), em que o ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), autorizou na quarta-feira que a prefeitura do Rio retomasse a administração do trecho. Segundo especialista, a decisão do STJ abriu espaço para uma grande insegurança jurídica diante de um momento em que Estados e País tentam atrair capital privado para investir em infraestrutura.

O projeto na Alerj, apresentado pelos deputados Anderson Moraes (PSL) e Dr. Serginho (Republicanos), publicado na sexta-feira no Diário Oficial da assembleia, propõe ao governador do Rio, Cláudio Castro (PSC), a encampação da operação e da manutenção da rodovia. O contrato com a CCR foi celebrado em agosto de 1999.

Os deputados argumentam que, assim como ocorreu na Linha Amarela, a Rodovia dos Lagos também encontra-se “eivada de vícios, sobretudo em relação a denúncias de abuso da tarifa do pedágio e prorrogação contratual por mais 10 anos, prevista na Deliberação AGETRANSP nº 838 de 26/07/2016, preterindo nova licitação e, consequentemente, atentando à economicidade”. O texto pede ainda que em 90 dias após a aprovação do edital pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) seja realizado uma nova licitação para o trecho.

Em nota, a CCR afirmou que recebeu com surpresa a decisão da Alerj de propor um anteprojeto de lei autorizando o governo estadual a fazer a encampação do trecho da Rodovia dos Lagos.

“A decisão do anteprojeto afronta a lei de Concessões e o contrato atual que está em vigor e segue sendo cumprido em toda as suas determinações. Convém lembrar a importância histórica e política do Rio de Janeiro, o que torna ainda mais grave a adoção de medidas casuísticas que desrespeitam as regras jurídicas, os contratos em vigor e que politizam – num ano eleitoral -, tema de importância nacional”, disse a empresa, em nota.

Segundo a empresa, a medida compromete de forma grave a segurança jurídica dos contratos. “Irá prejudicar de forma severa e irreversível, se não for bloqueada, todo o programa de concessões brasileiro, assim como qualquer eventual interesse privado em investimento no Rio e no País”, apontou. A empresa disse ainda que irá adotar todas as medidas judiciais cabíveis para a preservação dos seus direitos.

De acordo com o advogado e professor de direito administrativo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rafael Maffini, a decisão do STJ trouxe uma instabilidade que pode comprometer todo o programa de concessões do País. “O que temos de entender é que o desenvolvimento do País pressupõe um marco regulatório claro para as concessões em que se priorize a obtenção do estado de segurança jurídica”, disse.

Ele explicou que o próprio projeto apresentado pela Alerj tem falhas graves. “A figura da encampação se justifica em razão de interesse público o qual deve ser detalhado e claramente motivado. A justificativa que foi utilizada para a indicação legislativa não me parece suficiente”, disse. Ele destacou ainda que o próprio instrumento de encampação não condiz com as alegações dos deputados de vícios e irregularidades, que exigiriam outros mecanismos, como a anulação ou caducidade do contrato. “Há incompatibilidade entre os fundamentos e a medida proposta”, disse.

Segundo o sócio do escritório Toledo Marchetti, João Paulo Pessoa, cabe agora ao governador do Rio escolher se acata ou não a proposta. Pessoa explicou que a encampação é utilizada quando o poder público resolve pedir a devolução da concessão. “Na caducidade é o término antecipado por não cumprimento de obrigações. Na encampação, a concessionária não necessariamente deu causa para o fim. Dessa forma, a indenização costuma ser mais alta”, explicou.

Ele explicou que o tema não deve avançar. O problema maior, defende, é a insegurança que ele traz, na esteira do que aconteceu com a Linha Amarela. “Me parece mais uma história política para aproveitar esse clima de insegurança que já está pairando sobre contratos de concessão”, disse.

O governo do Rio de Janeiro foi procurado para comentar, mas não se manifestou até o fechamento desta reportagem.