Diariamente, o agrônomo Alexandre Figliolino se debruça sobre gráficos e tabelas que mostram o desempenho do agronegócio.Por anos, ele se dedicou ao setor da cana-de-açúcar, mas ultimamente estuda com afinco os fundamentos estruturais das cadeias agrícolas. Como diretor comercial de Agronegócios, Figliolino é hoje um dos homens de frente do Itaú BBA, instituição que atua no atacado e pertence ao grupo Itaú Unibanco, o maior banco privado do País. A lista de grandes clientes do Itaú BBA inclui gigantes como a BRF, Usina São Martinho, Raízen, Fibria, ETH, Biosev, JBS, Cosan, Minerva Foods, Heringer, entre outros. Em entrevista à DINHEIRO RURAL, Figliolino diz que, no atual quadro econômico, é preciso ganhar mais do que se tem a pagar. “Hoje, todos os setores, sem exceção, devem estar atentos à geração operacional de caixa em seus negócios”, afirma.

 

DINHEIRO RURAL – Em que medida a atual valorização do dólar pode melhorar o ambiente de negócios no campo?
ALEXANDRE FIGLIOLINO – Em primeiro lugar, o agronegócio brasileiro será favorecido porque uma parte significativa dos custos de produção está em reais e não em dólares. Em segundo lugar, mesmo que os preços de fertilizantes e defensivos sofram impacto da moeda americana, há outros componentes na formação do custo, como mão de obra e frete, dois itens bastante importantes.

RURAL – Qual deve ser o saldo dessa conta?
FIGLIOLINO – Com o dólar em alta, podemos restabelecer uma parte importante da competitividade do agronegócio brasileiro, principalmente, levando-se em conta que estamos atravessando um período de preços internacionais mais baixos para as principais commodities negociadas em Bolsa, como soja e milho. Em anos anteriores, os preços altos foram sustentados pelos baixos estoques mundiais de alimentos e pela seca dos Estados Unidos. Em  2012 e 2013, por exemplo, o preço da saca de 60 quilos de soja na Bolsa de Chicago chegou a US$ 35,26. Em meados do mês passado, a cotação era de US$ 21,38 a saca. Com o milho, aconteceu o mesmo. O cereal, que já chegou a US$ 16,53 por saca, custava US$ 9,45 em março. O dólar mais alto pode recompor parte dessa queda de preços.

RURAL – Como o sr. analisa o comportamento dos produtores de commodities?
FIGLIOLINO – O produtor tem se mantido mais conservador, dimimuindo os investimentos em expansão agrícola. Muito diferente do ocorrido entre as safras 2006/2007 e 2010/2011. Nesse período, os investimentos saíram de R$ 800 milhões por ano, para R$ 8,6 bilhões, de acordo com consultorias especializadas. Para a safra 2014/2015, a estimativa é de que o setor tenha investido R$ 4,8 bilhões.

INCENTIVO: abertura de linhas de crédito com juros mais baixos favoreceram a compra de máquinas agrícolas
incentivo: abertura de linhas de crédito com juros mais baixos favoreceram a compra de máquinas agrícolas

RURAL – Num momento de incertezas macroeconômicas, o produtor com crédito na mão deve fazer o quê? 
FIGLIOLINO – Acho que o empresário rural deve diminuir o ritmo que vinha imprimindo em seus negócios, principalmente na abertura de novas áreas agrícolas e também na compra de terras. Com isso, ele melhora a alavancagem financeira de seus negócios. É o momento de pagar os financiamentos adquiridos, por conta dos investimentos anteriores. Trata-se de uma estratégia necessária para esse período de economia instável.

RURAL –  Todos os setores do agronegócio deveriam perseguir essa estratégia?
FIGLIOLINO – Pode haver distinção entre um setor e outro, pois as empresas estão em diferentes níveis de alavancagem. Mas todos os setores, sem exceção, devem estar atentos à geração operacional de caixa em seus negócios. É preciso ganhar mais do que se tem a pagar. Nos grãos, por exemplo, a tendência é crescer pouco em expansão de investimentos. O setor de açúcar e etanol já está com o pé no freio dos investimentos há muito tempo. Talvez haja um pouco mais de ânimo no setor de carne bovina porque ele veio de um ano muito favorável. Há cerca de um ano e meio, a arroba do boi custava R$ 90 hoje o preço está próximo de R$ 145. É uma valorização significativa.

RURAL –  Qual a análise que o sr. faz da alavancagem financeira no agronegócio?
FIGLIOLINO – Em termos de ativos, o agronegócio está muito bem. Apesar do momento crítico da macroeconomia, o que requer muita atenção aos negócios, de uma forma geral, o nível da saúde financeira do produtor brasileiro nunca esteve tão alto como agora. Se olharmos para o patrimônio, aí nem se fala. Para muitos agricultores, isso é o resultado de uma boa gestão em épocas de safras recordes e da valorização das terras compradas.

RURAL – Mesmo assim, por que o produtor rural tem tanto receio de utilizar as instituições financeiras? 
FIGLIOLINO – Digamos que parte desse temor é culpa do próprio sistema financeiro privado, que tem uma posição muito conservadora. Há um aparato institucional no sistema financeiro que precisa ser aperfeiçoado. Existe um excesso de mecanismos de proteção para o seguro agrícola, para renda e uma alta exigência de informações que os clientes precisam prestar aos bancos. Outra parte desse receio pode ser creditado à situação dos próprios produtores rurais. Para diminuir esse temor seria necessária uma organização melhor das informações financeiras das propriedades, o que traria maior transparência nas transações com os bancos.

RURAL – Em quais aspectos as informações prestadas pelos produtores não são claras?
FIGLIOLINO – A maior parte dos produtores rurais ainda administra seus negócios como pessoa física. Assim, esses produtores podem contar com uma série de incentivos fiscais, como os impostos simplificados. Mas isso inibe a existência de uma contabilidade mais segura das fazendas, além de diminuir a confiabilidade sobre a sua saúde financeira. O mais adequado, para o sistema financeiro, é que o produtor se apresente como pessoa jurídica.

RURAL – Isso pode ser generalizado para todo o setor?
FIGLIOLINO – Não, os grandes grupos vêm se organizando. Isso é fato. O agronegócio mudou muito nos últimos 20 anos. Subiu de patamar. O setor está cada vez mais profissional e caminha para melhorar seu nível de informação financeira. Isso explica uma participação atual maior do agricultor no sistema de financiamento privado do que foi no passado.

RURAL – O que o Itaú BBA está fazendo para melhorar esse ambiente de negócio?
FIGLIOLINO – Estamos investindo na contratação de mais profissionais capacitados, que entendam a linguagem do campo e que estejam mais próximos dos produtores rurais. Isso vai resultar em um diálogo mais fluente entre a instituição e o empresário rural.

RURAL – Em quais setores o banco está apostando suas fichas?
FIGLIOLINO – De modo geral, estamos nos aparelhando para atender mercados específicos. Temos uma presença muito sólida como assessores em transações de fusões e aquisições nas áreas de açúcar e etanol, proteína animal, fazendas e fertilizantes, mas queremos aumentar a nossa presença. Entre 2011 e o ano passado, assessoramos 53 transações no mercado de capitais e em fusões e aquisições.

RURAL – O que o banco espera do mercado nesse momento? 
FIGLIOLINO – Em épocas de crise, os movimentos de fusão e aquisição tendem a aumentar. Isso aconteceu no setor de açúcar e etanol há alguns anos, com bastante intensidade. Mas, agora, há uma calmaria no setor. Na indústria de carne bovina, grande parte da consolidação já aconteceu, com três companhias dominando 90% da exportação do País. No setor de aves, ainda há espaço para a expansão dos negócios, através de fusões e aquisições. Mas, atualmente, acredito que o setor leiteiro deva gerar as maiores oportunidades. É um segmento que pode crescer bastante.

RURAL – Por quê?
FIGLIOLINO – Porque o setor leiteiro tem um nível de pulverização muito grande no Brasil, comparado a outros países. No mundo, os dez maiores grupos que atuam na indústria leiteira respondem, em média, por 65% dos mercados nos quais atuam. No Brasil, as dez maiores empresas do setor leiteiro respondem por apenas 30% do mercado.

RURAL – O setor teria um desempenho melhor se houvesse menos empresas de laticínios?
FIGLIOLINO – Exatamente. Os movimentos de fusões e aquisições seguem uma lógica de mercado formando companhias mais fortes e saudáveis. Por se tornarem grandes, elas podem atuar em escala global, o que permite uma série de ações para melhorar a cadeia produtiva. A compra da Batavo e da Elegê pela francesa Lactalis, por exemplo, abre a possibilidade de ações que vão do produtor ao consumidor. As empresas de menor porte têm mais dificuldades em realizar ações de cadeia.


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