Voto por lista, redução do número de partidos políticos, fim da reeleição: não faltam propostas em discussão no Congresso Nacional para mudar o sistema político brasileiro. Só na atual legislatura, 52 proposições foram feitas para trocar alguma coisa na maneira como os brasileiros escolhem seus representantes no Legislativo e no Executivo, segundo levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) a pedido do jornal O Estado de S. Paulo.

Para que uma reforma política seja bem-sucedida, ela deve criar regras que tornem a disputa mais justa entre quem deseja competir e que aumentem a representação da sociedade na política, segundo analistas ouvidos pelo Estadão.

Na última eleição, 75% dos deputados eleitos eram brancos e 85% são homens. Além disso, mais de um quarto dos parlamentares têm mais de 50 anos e quase um quinto se define como empresário.

Se a sociedade se sentir mais representada, os níveis de confiança na política podem aumentar, ainda de acordo com analistas. Em julho de 2018, pesquisa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) mostrou que oito em cada dez brasileiros não tinham “nenhuma confiança” nos partidos políticos.

Como, então, criar novas regras que melhorem a democracia e o sistema político no Brasil? O jornal O Estado de S. Paulo reuniu cinco cientistas políticos ligados à academia para debater soluções.

‘Discutir a inelegibilidade de juízes é crucial’

Claudio Couto, cientista político e coordenador do mestrado em Gestão e Políticas Públicas da FGV

“‘Reforma política’ é uma expressão muito genérica, que pode contemplar coisas muito diferentes. Reformar pode significar remover ou acrescentar coisas, modificar desenhos num sentido ou noutro. Cada um tem uma reforma política que prefere e que lhe favorece mais. Nos últimos anos, tivemos o sucesso de aprovar modificações importantes nas regras eleitorais, com o fim das coligações proporcionais e o estabelecimento de cláusulas de desempenho para os partidos, o que deve contribuir para alguma redução da fragmentação partidária ao longo dos próximos anos. O melhor nesse caso é manter essas mudanças e aguardar os seus efeitos.

A meu ver, hoje o mais urgente é limitar a politização da Justiça, com atores do sistema de Justiça interferindo na cena político-partidária, com agendas próprias. Para isso, a atual discussão sobre inelegibilidades de juízes, promotores e policiais é crucial. É um debate que tardou muito, mas finalmente chegou. É o mais urgente neste momento.”

‘É fundamental resgatar confiança do sistema político’

Creomar de Souza, cientista político e professor da UnB

“A crise na representação política não é apanágio do Brasil. Trata-se de um traço comum a regimes democráticos em diferentes latitudes, ainda que suas manifestações concretas possam variar muito. Há uma sensação generalizada de descolamento entre o sistema de representação, em particular os partidos políticos, e as aspirações da maioria dos cidadãos por emprego, renda, segurança, saúde e educação. Em meio à pandemia, essa sensação é aguçada, acarretando aumento da frustração com a política, o que pode abrir caminho para aventuras populistas.

No Brasil, país em que a representação é particularmente débil, a reforma política é ainda mais urgente. Hoje, a palavra-chave não é tanto “mudança”, como em 2018, mas a manutenção daquilo que os cidadãos construíram ao longo de suas vidas. Para que isso seja possível como empresa coletiva, será fundamental uma reforma que resgate a confiança no sistema político, garantindo decisões legítimas e políticas públicas eficazes. Sem isso, estaremos condenados a seguir aumentando a frustração com o sistema político e com a própria democracia.”

‘Participação popular deve aumentar’

Fhoutine Marie, cientista política

“Quando falamos de reforma política é importante frisar que não se trata de um processo único, dada a pluralidade de propostas submetidas à Câmara e ao Senado. Além disso, trata-se de propostas relativas a diversos temas, como o voto distrital, redução do número de partidos, parlamentares, entre outros.

No cenário político atual, onde as instituições democráticas correm risco de esvaziamento, é importante observar quais as mudanças estão em pauta e quem está a cargo de conduzir estes processos, se possuem trajetórias idôneas e preocupação com a transparência e ampliação da participação política. É necessário aperfeiçoar os mecanismos atuais da democracia, de modo a conter a disseminação de informações falsas ou de baixa qualidade e evitar que milhares de pessoas sejam novamente impedidas de exercer o direito ao voto, como ocorrido no pleito de 2018. Por isso é extremamente importante que esses assuntos estejam no debate público, para que as mudanças nos mecanismos institucionais transcorram favorecendo o aumento da participação popular na política e da redução da influência do mercado na esfera pública.”

‘Principal problema é o excesso de partidos políticos’

Mariana Batista, cientista política e professora da UFPE

“Apesar de o momento não ser propício para a discussão de uma reforma política, dado o contexto da pandemia e o papel que o Legislativo vem assumindo com a falta de coordenação do Executivo federal, é necessário pensar numa reforma política no futuro próximo. O principal problema a ser enfrentado é o número de partidos políticos. Não pode ser visto como natural um país sem maiores clivagens linguísticas ou étnicas apresentar um número tão alto de partidos.

A hiperfragmentação é responsável pela falta de clareza para o eleitor quanto às propostas dos partidos e em que se diferenciam, pelo aumento de custos na tomada de decisão no Legislativo e pela fragmentação do apoio ao Executivo e das coalizões eventualmente formadas. Atenção especial deve ser dada aos efeitos da extinção das coligações para eleições proporcionais nas disputas deste ano. Além disso, é preciso levar a sério a questão da representação de mulheres, dados os resultados pífios e os casos de corrupção envolvendo as cotas. No médio prazo, precisamos avançar na discussão sobre o sistema eleitoral e a viabilidade do sistema distrital misto no Brasil.”

‘Democracia existe para ser plural e inclusiva’

Wallace Corbo, professor da FGV Direito Rio

“Uma reforma política, em qualquer variação que possa adotar, precisa buscar a superação de três problemas centrais ao Brasil. Primeiro, o déficit de igualdade brasileiro. Os diferentes índices sociais demonstram a discriminação extrema que sofrem grupos como as pessoas negras, LGBT+, mulheres, pessoas com deficiência, indígenas e outros. Estes índices estão diretamente relacionados à sub-representação desses grupos nos espaços políticos representativos. Abrir as instituições políticas para estes grupos, seja por novos procedimentos, seja por novas instituições, é essencial para reconhecer suas demandas e transformá-la em direitos e políticas.

Segundo, deve-se atacar o déficit republicano brasileiro. No País ainda marcado pelo patrimonialismo e pelo “você sabe com quem está falando?”, uma reforma política deve ser capaz de romper com a apropriação privada do poder, gerando incentivos institucionais para o ingresso de agentes republicanos, a partir de pautas republicanas.

Por fim, uma reforma política é necessária para superar o déficit democrático brasileiro. Não há respostas simples. Uma democracia não existe nem para ser simples, nem barata: existe para ser plural, inclusiva e representativa.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.