“O criador que utiliza angus consegue um preço pelo menos 7% maior pela sua carne na exportação”Antônio Maciel Neto, criador da raça Angus

O empresário Antônio Maciel Neto é um dos executivos mais globalizados do País. Já foi presidente da multinacional Ford do Brasil e seu vice-presidente mundial. Conselheiro do frigorífico Marfrig e da americana ADM, ele é o CEO da Companhia Suzano de Papel e Celulose. Neto de produtores rurais e filho de um engenheiro agrônomo, há dez anos ele decidiu se tornar fazendeiro. De olho nas oportunidades existentes pelo mundo, ele integra um seleto grupo de pecuaristas cujo objetivo é oferecer à pecuária brasileira a receita da carne global. Estamos falando de um produto aceito nos principais mercados, presente nos melhores restaurantes e pelo qual exigentes consumidores estão dispostos a pagar mais caro. Estamos falando da carne produzida a partir da raça angus, que aos poucos ganha o Brasil e chama a atenção de exportadores ávidos por aumentar seus lucros e elevar a base de pecuaristas capazes de fazer um manejo diferenciado para uma carne superior. “O Brasil conseguiu algo fantástico com o nelore e agora com o angus ele pode fazer algo mais espetacular ainda”, diz Maciel. A estratégia, segundo ele, é ampliar de forma drástica o rebanho de angus no País, permitindo um aumento na mistura com os animais zebus tão presentes nas fazendas nacionais. “Com isso, poderemos agregar valor a uma produção que já possui uma escala industrial”, pondera.

Pioneiro: Valdomiro Poliselli Jr. foi um dos primeiros a vender carne certificada angus

A cada dez quilos de carne consumidos no mundo, três são da brasileira. Só esse dado seria o bastante para afirmar que a carne mais globalizada do planeta é realmente a do nelore nacional. Porém, mesmo com exportações na casa de US$ 4 bilhões ao ano, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), o produto nacional não é muito valorizado entre os compradores mais exigentes. Numa rápida comparação, a carne brasileira vale metade da concorrente argentina e 70% da produzida na Austrália. O motivo, alegam os compradores, é certa diferença na qualidade – o que envolve aspectos relacionados à maciez e marmoreio, ou seja, o sabor e a textura da gordura entremeada.

Global: Batalha, sócio do Burger King, só usa o gado inglês para produzir carne

Com o processo de globalização dos frigoríficos brasileiros, que hoje dominam o mercado mundial, algumas lições foram aprendidas. Isso, de certa forma, vem moldando o mercado brasileiro à produção de um alimento feito sob medida ao consumidor final no estrangeiro. Um dos exemplos está no frigorífico Marfrig. Quando adquiriu suas primeiras unidades no Uruguai e na Argentina, o presidente da empresa, Marcos Molina, percebeu que alguns clientes comuns pagavam bem mais pelos cortes dos países vizinhos.Decidido a entender o porquê de tanta diferença, cobrou explicações e ouviu que, sim, os clientes estavam dispostos a abrir a carteira, desde que fosse garantida a entrega de carne com genética angus. “É o gosto deles e temos que atender”, disse Molina à DINHEIRO RURAL, em entrevista recente.

Desde então, Molina começou uma verdadeira cruzada, adquirindo animais da raça angus para formar o seu próprio plantel, além de fornecer tourinhos para que pecuaristas parceiros começassem a aumentar a entrega de gado com pelo menos 50% de sangue angus. Para tanto, ele estava disposto a pagar 7% a mais pelos machos e pagar pelas vacas o mesmo preço do boi, contanto que abatidas no matadouro com menos de 20 meses. Ele vem aumentando a oferta desses animais focando única e exclusivamente nos exigentes consumidores europeus que pagam mais por um produto de seu agrado.

Evolução: Ramires, da associação dos criadores, acredita que a raça está mais adaptada ao Brasil

Essa tendência, que ainda engatinha no Brasil, reflete uma tremenda mudança nas estratégias para a conquista de mercado. No fim da década de 1990, ainda sobre a tutela do ex-ministro da Agricultura Marcos Vinícius Pratini de Moraes, os frigoríficos nacionais lançaram uma campanha internacional batizada de “brazilian beef” – uma carne feita à base do “boi de capim”, cuja grande estrela era o “nelore natural”, livre de doenças como a BSE – a síndrome da vaca louca –, que tanto preocupa consumidores mundo afora. Porém, com a escalada global dos frigoríficos brasileiros, algumas empresas têm optado por juntar o útil ao agradável – um bicho criado a pasto, mas com os padrões europeu e americano. “O cruzamento do nelore com angus é simplesmente maravilhoso”, anota Maciel Neto. “Ele simplesmente mantém todas as excelentes características da rusticidade do zebu e agrega maciez e marmoreio à carne do angus”, diz.

Produção própria: Eloy Tuffy abriu um restaurante que só serve carne certificada angus em SP

Para o pecuarista José Eduardo Batalha, um dos donos da rede de restaurantes Burger King, essa é a tendência dos próximos anos. “É uma carne com padrão, em que o cliente sabe o que vai comprar, sem surpresas desagradáveis”, diz. “No Japão, o consumidor chega a pagar US$ 100 por um bife, o que é algo muito sério”, afirma. A carne consumida em seus milhares de hambúrgueres servidos diariamente em sua rede de fastfood é produzida por meio do cruzamento industrial de angus com gado nelorado. Além disso, segundo ele, existe mais de um século de marketing sobre esse produto. “Se você vai à Europa, aos Estados Unidos ou à Austrália, haverá restaurantes que ostentam em suas portas que só trabalham com carne angus, ou seja, é um produto pelo qual o consumidor já fez a opção”, avalia.

Genética: Castro, que também cria brahman, aposta no angus para cruzamentos industriais

Mas, durante muitos anos, o cruzamento industrial esteve em xeque. Ao longo da última década no Brasil, várias tentativas se viram frustradas diante da falta de conhecimento sobre qual o manejo ideal para um gado importado da Inglaterra. Afinal, o angus é uma raça bem menos tolerante às inóspitas condições de regiões como o Cerrado brasileiro. Problemas com parasitas e outras doenças tropicais assolaram muitos rebanhos comerciais e os credores desistiram do chamado “choque de sangue” e partiram para a criação de zebu pura e simplesmente. Mas houve sobreviventes, conforme explica o criador Valdomiro Poliselli Jr., um dos primeiros pecuaristas a apostar na carne de angus como forma de agregar valor. A VPJ – empresa que comercializa carne com marca própria em grandes redes de supermercados e butiques de carnes – pode ser entendida como sinônimo de angus. E está situada em Goiás. “Do Centro-Oeste para baixo é perfeitamente possível utilizar essa raça”, afirma Poliselli. Segundo ele, o consumidor paga mais por um produto de melhor qualidade. “Não tenho do que reclamar”, afirma, diante de um rebanho de 20 mil cabeças.

De acordo com dados da Scot Consultoria, é preciso cuidado com a forma de se trabalhar o cruzamento industrial e, principalmente, com a comercialização dos produtos. Segundo o anlista Alcides Torres Jr., todo animal cruza de angus com nelore deve ser enviado para o matadouro e não se deve segurar exemplares para servir como “melhoradores” de rebanho. “Fez a cruza, vende para o frigorífico, porque os cruzamentos posteriores podem não funcionar”. Com mais sangue angus na mistura, o criador pode selecionar um animal sensível demais para o clima brasileiro e ter problemas. Com mais zebu, a carne pode não alcançar a maciez e o marmoreio desejados. Batalha, do Burger King, concorda. “O problema é que desses cruzamentos nascem animais fantásticos e muitos criadores têm pena de vender, o que não pode acontecer”, avalia.

Mercado – Mesmo em São Paulo já aparecem as primeiras tentativas de agregar valor aos pratos por meio da seleção de animais especificamente angus. Um dos casos é o do criador e empresário Belarmino Iglesias, dono da rede de restaurantes Rubayat, um dos templos da carne paulistana. “É o que o consumidor gosta”, define. Ele mantém um rebanho próprio selecionado em Mato Grosso do Sul. O angus é a base da produção, totalmente feita a pasto, observando critérios rígidos de sustentabilidade.

Na avenida Henrique Shaumman, num dos bairros mais movimentados da capital paulista, o empresário Eloy Tuffy, dono da rede escolar Microcamp, foi mais longe: abriu um restaurante chamado “Red Angus”. Ele faturou R$ 1,5 milhão em seu último leilão, dois meses atrás, e diz estar certo do crescimento da raça em razão de suas conhecidas qualidades. “O consumidor tem o direito de comprar uma carne com o mesmo padrão”, revela.

O crescimento da procura por animais da raça angus, em suas variações “black e red”, pode ser facilmente verificado levando-se em conta as vendas de doses de sêmen. Entre os anos de 2004 e 2008, o crescimento na comercialização foi de 55%. Ao mesmo tempo, os animais nelore perderam espaço, observando uma redução de 53%. Mas, em números absolutos, a diferença ainda é gritante. Entre nelore e nelore mocho, no ano passado foram comercializados dois milhões de doses, enquanto os angus foram responsáveis por 528 mil. Em 2004, a raça inglesa representava 17% do mercado nelore, hoje essa fatia subiu para 25%.

Segundo o presidente do Núcleo Paulista dos Criadores de Angus, Luiz Henrique Ramires, há uma visível aposta no que tem sido chamado de “angus tropical”. Criadores paulistas têm conseguido selecionar animais mais adaptados às condições severas do Centro-Oeste brasileiro, o que tem aumentado a procura por sêmen. “Há uma evidente corrida por esses animais com características diferenciadas, como pelos mais curtos e melhor adaptação ao clima”, explica. Quem também partilha dessa opinião é o pecuarista Paulo de Castro Marques, que também possui uma premiada criação de animais brahman. Empresário do setor farmacêutico, ele acredita na contribuição do angus em rebanhos comerciais. “Hoje, não é mais admissível aquela conversa de qual raça é a melhor”, diz. “O angus se provou como a preferida do consumidor e junto com as raças zebuínas pode revolucionar a pecuária brasileira”, analisa.

Para Maciel Neto, essa é uma estrada sem volta. Ele afirma que o futuro da pecuária brasileira terá na raça angus a possibilidade de agregar valor ao que já é um bom produto, mas faz uma ressalva: para regiões mais inclementes, como o Pará, o gado inglês pode não ser uma boa opção. “Há espaço para todos, até mesmo para aqueles que desejam trabalhar em nichos, com outras raças, fazendo um trabalho diferente”, pondera. “Mas, para quem deseja fazer um produto requisitado pelos melhores mercados consumidores, o angus é o caminho mais viável”, comenta. Afinal, o freguês tem sempre razão, no Brasil ou no Japão.

Exposições: mesmo com concentração no RS, o mercado de genética cresce em todo o País

O angus no brasil

Tradicionalmente a raça angus é bastante comun no Rio Grande do Sul, onde estão cerca de 80% dos criadores nacionais. Com um mercado restrito até poucos anos atrás, não havia muito interesse em ampliar a criação desse gado em regiões mais quentes do País. Com o aumento dos confinamentos e a grande procura por animais precoces para o abate, a procura tem aumentado significativamente nos últimos dois anos. A mistura de sangue tem sido recomendada por consultorias especializadas, que enxergam no choque de sangue a possibilidade de aumentar o giro de animais dentro da propriedade. Por outro lado, na venda de genética, embora valorizada se comparada a animais comerciais, não há uma diferença tão grande quanto no mercado do nelore. É possível adquirir animais de alto nível por cerca de R$ 50 mil. De acordo com o criador e empresário José Eduardo Batalha, isso pode ser considerado uma grande vantagem. “Isso democratiza a venda de genética e praticamente todo criador pode participar desse circuito”, diz. Mas, segundo ele, é fundamental que o nelore continue os programas de melhoria. “Na verdade, o interessante dessa história é que as duas raças se completam e quem sai ganhando é o mercado brasileiro”, destaca.