“Ao vencedor, as batatas” é uma frase icônica do personagem Quincas Borba, na obra literária de Machado de Assis. Mas cairia bem para definir João Emílio Rocheto, um dos três herdeiros da marca Bem Brasil, com sede em Araxá, município histórico mineiro mais conhecido pela extração de minério e por suas águas térmicas medicinais. A Bem Brasil se tornou a única processadora de batatas pré-fritas congeladas, no País, que trabalha com grandes volumes. Há outras marcas, mas com quantidades irrisórias no mercado. No ano passado, a Bem Brasil processou 130 mil toneladas, cerca de 26% desse nicho de mercado. A receita foi de R$ 520 milhões. A batata, nas suas mais variadas formas de preparo – frita, assada, purê, palha – é o terceiro produto mais consumido no mundo, atrás do trigo e do arroz. Dona do grupo Rocheto, a família mineira também é uma grande produtora de batatas: são 7,2 mil hectares de cultivo em Minas Gerais, São Paulo e Paraná. A produção desta safra deve ficar em 255 mil toneladas in natura. “Para este ano, a expectativa é de uma receita de R$ 800 milhões na Bem Brasil”, diz Rocheto, 57 anos, que também é o presidente da empresa. “Já crescemos 42,5% em 2017, o resultado não poderia ter sido melhor, e vamos continuar nesse caminho.” A receita das fazendas ele não informa.

Linha de produção: na unidade de Araxá (MG), as batatas processadas são de cultivo próprio e compradas de terceiros (Crédito:Divulgação)

Nos últimos três anos, o crescimento da Bem Brasil se deu com um investimento de R$ 200 milhões em uma segunda fábrica no município de Perdizes, a 50 quilômetros de Araxá, que entrou em operação no início de 2017. A meta é processar 200 mil toneladas em 2018, 40% do mercado de pré-fritas. O varejo é cada vez mais receptivo para produtos pré-embalados, congelados e semiprontos, como é o caso da batata pré-frita, destinada a um consumidor em busca de praticidade. É nessa onda que os Rocheto navegam. Eles investem nessa cadeia há muito tempo. Herdeiros na segunda geração, são produtores desde a década de 1940, quando iniciaram o cultivo de batatas selecionadas. Para a época, era uma novidade. Agora, com os investimentos do ano passado, as duas unidades da família poderão processar até 250 mil toneladas de pré-fritas. É justamente para zerar essa capacidade ociosa que o grupo pretende trabalhar nos próximos dois anos.

“O grande desafio é reduzir a dependência da batata pré-frita congelada importada” Margarete Boteon, coordenadora do Projeto Hortifruti Brasil do Cepea/USP

Na cadeia de hortaliças, que movimenta no País US$ 19 bilhões por ano, a batata está em primeiro lugar, de acordo com um estudo coordenado e apresentado no fim do ano passado pelo professor Marcos Fava Neves, da Universidade de São Paulo. O valor gerado pela produção agrícola de hortaliças dentro das fazendas é da ordem de US$ 5 bilhões, dos quais a batata responde por US$ 1,6 bilhão. São 134 mil hectares, com uma produção de 3,9 milhões de toneladas, concentradas em Minas Gerais, São Paulo e nos Estados do Sul. A maior cadeia de hortícola do País é seguida de perto pelo tomate industrial. Mas, no caso da batata, ainda não há dados que diferencie o produto de mesa do industrial. “A batata para a indústria, no caso da pré-frita, precisa de mais sólidos em sua massa interna, não pode ter defeito e deve ter uma forma alongada”, diz Rocheto. “Ela é diferente da batata de mesa.” De acordo com a Associação da Batata Brasileira (ABBA), o mercado nacional de pré-fritas é estimado em 500 mil toneladas anuais. Desse total, cerca de 300 mil toneladas são importadas por multinacionais, como a canadense McCain, a holandesa Farm Frites e a americana Lamb Weston. De todos os tipos de preparos do tubérculo, o Brasil importou 349 mil toneladas, em 2017, por US$ 332 milhões, números ligeiramente superiores ante 2016. Elas vieram da Argentina, da Bélgica e da Holanda, principalmente.

A importação é alta porque a batata, um tubérculo que gosta de clima frio, encontra poucas áreas aptas à produção no Brasil, na comparação com os maiores produtores do mundo. O cultivo global, em 19,2 milhões de hectares, é de 377 milhões de toneladas por safra, ante 260 milhões de toneladas no início dos anos 2000. O Brasil ocupa o 21º posto, atrás de China, Rússia, Ucrânia e diversos outros países de clima mais ameno. Outro entrave é a disparidade do preço pago ao produtor, o que gera falta de previsibilidade nos negócios. No mês passado, de acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP) o saco de 50 quilos variava de R$ 15 até R$ 85 para o produto premium. Para Margarete Boteon, coordenadora do Projeto Hortifruti Brasil, do Cepea/USP, a tarefa de produzir batata industrial no País é difícil, mas vem se tornando viável. “Com tecnologia, o grande desafio é reduzir a dependência da batata pré-frita congelada importada e isto está acontecendo”, diz ela. “Em 2019, é possível que a indústria nacional já atenda a metade do mercado doméstico. É um feito e tanto, lembrando que a indústria nacional de pré-fritas nasceu em 2006.” O avanço significa mais oportunidade de negócio no campo e é com isso que a família Rocheto conta.

Antonio Roberto Bergamasco, 55 anos, é produtor de batata há 40 anos no município de Perdizes, nas proximidades onde a Bem Brasil instalou sua fábrica. Da fazenda Rosária saem sete toneladas por safra, das quais 2,8 toneladas, volume equivalente a 40% da produção, são entregues à Bem Brasil. O restante é vendido ao varejo. “Há três safras comecei a vender para a empresa e o volume vem aumentando a cada ano”, afirma Bergamasco. “Com o contrato com a indústria sei qual será a margem, além da garantia de ter um comprador.” Atualmente, a Bem Brasil compra de produtores da região 109 mil toneladas de batata, 30% da atual demanda das fábricas. Rocheto diz que os produtores estão investindo cada vez mais em qualidade e entregando na indústria um produto superior. “Em 2006, quando construímos a primeira fábrica, o plano era produzir toda a batata processada”, diz ele. “Mas três anos depois já estávamos trabalhando com os produtores da região, como forma de diluir riscos na indústria.” Nessa época, a empresa processava 36 mil toneladas por ano, enquanto o consumo de pré-fritas era estimado em 100 mil toneladas no País.

O mercado de insumos também está atento a essa demanda por matéria-prima mais qualificada. Fábio Torretta, CEO da japonesa Arysta LifeScience, fornecedora de soluções biológicas e químicas para a proteção de plantas, diz que nesse setor a nova fronteira é a rastreabilidade. “Além disso, se a indústria nos dá alguns padrões, nós conseguimos garantir a genética das plantas”, afirma Torretta. “Como é o caso do teor de sólidos necessários para fritar a batata.” A empresa já possui uma parceria de fornecimento de material genético na Colômbia para a americana PepsiCo, dona da marca Elma Chips, e pretende trazer o modelo ao Brasil. No caso das certificações, a batata nacional ainda está fora dos processos internacionais. Mas o grupo Rocheto já iniciou os trabalhos nesse campo. Há dois anos, a fazenda Água Santa, em Perdizes, implantou o programa Valore, da alemã Bayer. O grupo Rocheto foi o primeiro produtor a certificar boas práticas no campo, abrindo a possibilidade para os protocolos internacionais. “Nós nascemos com a meta de ter valor agregado ao produto final”, diz Rocheto. “A tendência de aumento do consumo de batata processada continua e estamos nos preparando até para exportar, no futuro, mudando a lógica do Brasil de ser apenas um País importador.”