O escândalo da carne de cavalo que se alastra pela Europa, evidentemente, não é bom para a indústria da carne. Afasta o consumidor em primeiro lugar e é uma fraude, um crime. Mas crimes dessa natureza nascem de “oportunidades de negócio”. Não seriam cometidos se não fossem lucrativos. É a escassez do produto e a alta do preço da matériaprima original que explicam o que ocorreu em algum ponto da cadeia de carne na Europa.

As crises provocadas pela doença da vaca louca em 1996 e em 2001 contribuíram para que a Europa passasse de exportadora a importadora de carne bovina. Desde então, sua produção não cessa de diminuir. Os preços da carne têm subido no Velho Continente nos últimos dez anos, acelerados especialmente depois que medidas foram colocadas em prática para controlar os volumes importados de países como o Brasil. Forçada por um lobby político bem organizado, a Europa impôs ao País exigências de rastreabilidade compatíveis com as regras impostas aos produtores europeus, embora se tratassem de situações, realidades, sistemas produtivos e riscos sanitários completamente distintos.

As exigências culminaram com a famigerada Lista Traces. Através dela, os europeus exigiram que propriedades rurais no Brasil, rastreadas no interior da área habilitada para a exportação à Europa, tivessem a aprovação de seus veterinários para que pudessem exportar. O fato é uma afronta à soberania nacional, tecnicamente desnecessária e responsável pela criação de uma burocracia custosa e inaceitável para a maioria dos produtores brasileiros. De 15 mil propriedades aptas à exportação, restavam no início de 2008 cerca de 300. Hoje, elas somam cerca de duas mil propriedades. O Brasil tem mais de três milhões de propriedades rurais e exporta carne para 138 países, nenhum deles com exigências parecidas com as que a Europa impõe ao País e a mais ninguém. O efeito disso é visível na curva de preços do bovino europeu. Paralelamente, em 2007, a Romênia e a Bulgária celebraram sua entrada na União Europeia. Os dois países, tradicionais produtores de embutidos e carnes processadas, compravam mais de 120 mil toneladas de carne brasileira, em sua maioria cortes de segunda. Esse comércio também foi interrompido. Não é de se admirar que a Romênia apareça como uma das fontes de carne de cavalo.

Outro exemplo é o do corned beef. A Europa mantém uma legislação com requisitos padronizados de qualidade para o produto importado, mas nenhum para o que é fabricado internamente. O resultado é que os europeus podem processar e vender como corned beef qualquer coisa parecida, competindo deslealmente com o produto brasileiro, que tem melhor qualidade.

Se há uma lição a ser tirada dessa crise é a de que o comércio internacional serve para balancear o mercado. É preciso que a Europa entenda que a primeira vítima das restrições comerciais impostas a outros é sua própria indústria. Para proteger produtores que sobrevivem de subsídios, a Europa penalizou seus 500 milhões de consumidores. Penalizou-os e ao mesmo tempo fomentou o maior esquema de fraude já visto no continente. Em um encontro em Bruxelas, entre brasileiros e europeus, uma representante britânica de uma importante associação comercial perguntava: “Será a carne bovina o novo cordeiro”, numa referência à carne ovina, que era comum nas mesas de todas as famílias da Inglaterra, e que hoje só é vista em dias de festa.

Há 15 anos, a União Europeia era o destino de 56% da carne bovina exportada pelo Brasil. Hoje representa menos de 10%. Os europeus poderiam reverter o quadro com uma maior liberalização do comércio. Mas, provavelmente, o que vai acontecer é que virá com novas exigências, resultantes de sua própria incapacidade de controle. Mesmo que o Brasil pratique, há anos, mecanismos mais eficientes de controle. É o que a experiência nos diz. Esperamos estar equivocados desta vez.