O que colocamos no prato tem a capacidade de interferir nos mecanismos intracelulares a ponto de expandir nossa longevidade? O mercado das dietas antienvelhecimento prospera ao alimentar o sonho de viver anos a mais e com saúde até a velhice. Faz isso com alegações cientificamente frágeis, mas sedutoras. Uma nova revisão de estudos publicada na revista Science neste mês separa fatos de ficção em um dos mais populares filões da alimentação saudável.

O objetivo da pesquisa foi resumir o conhecimento atual sobre as chamadas dietas antivelhecimento. Os autores delimitaram a pesquisa aos estudos pré-clínicos realizados em roedores e, quando possível, aos achados mais relevantes em humanos. Analisaram algumas das dietas mais difundidas, como a restrição calórica, o jejum intermitente, a alimentação sem proteínas e a dieta cetogênica.

Resultado positivo

A análise demonstra que, de todas as intervenções alimentares pesquisadas pela ciência, a redução calórica é a única que demonstrou ser capaz de ampliar a longevidade em experimentos com animais. Roedores submetidos a uma drástica diminuição de calorias chegam a viver 50% mais tempo que os animais livres dessa dieta. Caso fosse possível replicar esse resultado em humanos, seria como elevar a expectativa de vida de 80 anos até o patamar dos 120.

A lógica desse tipo de dieta é reduzir à metade o consumo diário de calorias por longos períodos, sem chegar ao estado de desnutrição. Por enquanto, não há evidências científicas de que ela ou qualquer outra forma de dieta seja capaz de aumentar a longevidade. Ou seja: prolongar o tempo de vida para além da expectativa média.

“Procuramos evidências de que as demais “dietas antienvelhecimento” vendidas às pessoas apresentavam efeitos similares, ao menos em estudos com animais”, disse ao Estadão o biogerontologista Matt Kaeberlein, coordenador do estudo. “A resposta é, claramente, não.” O professor da Universidade de Washington, em Seattle, salienta que o fato de não prolongarem a longevidade não significa que essas dietas não tragam nenhum benefício à saúde das pessoas. Segundo ele, os dados disponíveis em relação a isso não são claros.

Personalização

Uma característica do bem-sucedido mercado das dietas é transformar evidências limitadas obtidas em estudos com animais em promessas milagrosas para quem deseja viver mais e melhor. “O campo da nutrição é confuso. Até mesmo para alguém com treinamento é difícil navegar por tantos conselhos contraditórios”, afirma Kaeberlein. “Minha sugestão é ignorar o ruído. Se alguém disser que a dieta X é a melhor para você, essa pessoa está mentindo”.

Cada indivíduo responde de forma diferente aos diversos tipos de dieta. Um esquema benéfico para alguns pode ser danoso a outros, salientam os autores. Além disso, a biologia de cada um muda ao longo do tempo. Dessa forma, a resposta individual a um mesmo tipo de dieta pode ser diferente aos 20 anos e aos 60. Os autores não recomendam que as pessoas adotem dietas radicais de restrição calórica. Além de não haver comprovação de aumento da longevidade em humanos, esse tipo de esquema alimentar pode trazer riscos à saúde, como prejudicar o sistema imunológico e a cicatrização.

Melhor que fast food

Para algumas pessoas, as chamadas dietas antienvelhecimento podem servir de motivação para a melhoria dos hábitos. Vistas por esse ângulo, talvez elas tenham alguma contribuição a dar. Segundo Kaeberlein, seguir uma dessas dietas é melhor do que viver de fast food e permanecer na obesidade. “Se uma dessas dietas ajudar alguém a emagrecer e a manter o peso saudável, isso será bom para a saúde”, diz.

O bom senso ainda é a melhor bússola. Maus hábitos alimentares (consumo constante de produtos ultraprocessados, com excesso de açúcar, sal e gordura, por exemplo) podem abreviar a vida. Ao mesmo tempo, escolhas saudáveis aumentam a chance de chegar à velhice com boa saúde. Planos alimentares personalizados e sem radicalismos (em vez das dietas da moda) são a melhor estratégia para quem pretende reduzir o risco de doenças e, talvez, ter uma vida longa.

“Não existe dieta ideal para o ser humano”, diz o endocrinologista Marcio Mancini, chefe do grupo de obesidade do Hospital das Clínicas, em São Paulo. “Alguns indivíduos vão se dar muito bem comendo um monte de proteínas e cortando gorduras e carboidratos, mas a maioria nem consegue seguir dietas rígidas a longo prazo”, afirma.

Efeito Sanfona

Mancini salienta que a dieta cetogênica e a Dieta de Atkins são variações sobre o mesmo tema. Leva a uma perda de peso relativamente rápida, mas é difícil de seguir por muito tempo. Segundo ele, o chamado efeito sanfona (recuperação do peso perdido) é mais comum nas chamadas dietas antienvelhecimento do que nos programas balanceados para perda de peso.

Ele destaca a dificuldade de transpor para estudos em humanos os achados verificados em pesquisas com animais. “Mostrar o que acontece em animais ou em poucas pessoas por um período curto é uma coisa. Fazer um grupo grande de indivíduos seguir esse tipo de dieta restritiva durante um tempo longo não é tarefa fácil. Não vivemos em gaiolas, à espera de alimento. No dia a dia, as dificuldades de seguir esse tipo de intervenção aparecem”.

Segundo Mancini, há pesquisas em humanos que conseguem comprovar o efeito de algumas intervenções dietéticas na melhoria das taxas de glicose e na redução da hipertensão em poucas semanas.

Demonstrar que seguir esses esquemas ao longo dos anos pode levar ao aumento da longevidade é mais complicado.

Novas drogas

Por mais que seja difícil demonstrar em humanos que dietas possam desacelerar o envelhecimento e expandir a duração da vida, esse tipo de pesquisa é importante, mesmo quando realizada apenas em camundongos. Apesar de suas limitações, esses

estudos contribuem para a melhoria da compreensão da resposta celular à baixa disponibilidade de nutrientes.

Os cientistas acreditam que essa linha de pesquisa pode levar à descoberta dos mecanismos moleculares capazes de explicar o aumento da longevidade e à criação de remédios para estimulá-la. Eles começam a detalhar a rede complexa composta de múltiplas vias de sinalização que convergem em centros moleculares importantes.

O principal deles é o chamado alvo mecanicista da rapamicina (mTOR), proteína relacionada à atividade mitocondrial, à autofagia (limpeza dos dejetos das células) e à redução da inflamação que contribui para o envelhecimento.

A geneticista Mayana Zatz, diretora do Centro de Estudos sobre o Genoma Humano e Células-tronco da Universidade de São Paulo (USP) destaca também o papel das sirtuínas, proteínas envolvidas no processo de envelhecimento. “Uma das hipóteses é a de que a restrição calórica ativa essas proteínas e, com isso, elas fariam a célula entrar em um regime de baixa atividade para poupar energia. Algo como baixar o nível de luminosidade do celular para reduzir o consumo da bateria”, afirma. “Por outro lado, estudos mostram que o resveratrol presente nas uvas rosadas e no vinho tinto teria exatamente o mesmo efeito de ativar as sirtuínas.”

Para quem pode

Autora do livro O legado dos genes: o que a ciência pode nos ensinar sobre o envelhecimento, escrito em parceria com a jornalista Martha San Juan França, Mayana lidera um projeto de pesquisa sobre pessoas saudáveis com mais de 80 anos. Segundo ela, a longevidade excepcional é para quem pode; não para quem quer.

“Existem centenários que aguentam qualquer desaforo do ambiente; pessoas que vivem muitos anos mesmo sem ter um estilo de vida saudável”, afirma. Eles são exceção. Para a maioria das pessoas, há uma interação entre o genoma e o ambiente. Segundo Mayana, muitos genes devem atuar para aumentar a longevidade, mas o ambiente tem um papel muito importante. “O exercício físico é consenso; não há dúvida de que ele aumenta a expectativa de vida com qualidade”, diz ela. “No caso das dietas, há controvérsias.”

Certezas?

Chegará o dia em que a ciência conseguirá demonstrar que uma ou outra dieta tem o potencial de dar aos humanos alguns anos de vida a mais? O professor Matt Kaeberlein mantém o ceticismo. “Não acredito que qualquer dieta sozinha seja capaz de aumentar a longevidade das pessoas de forma expressiva (30 ou 40 anos), mas posso estar errado”, afirma.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.