Conhecida como a terra do cacau, Ilhéus, no litoral sul da Bahia, que chegou a ser uma das principais regiões produtoras mundiais do fruto, perdeu essa posição desde a década de 1980, por causa da doença chamada vassoura-de-bruxa. Mas a praga, que dizimou boa parte das plantações e levou muitos agricultores ao endividamento e à falência, não assustou um grupo de produtores obstinados que não apenas se mantiveram na atividade, como também começaram a enfrentar a crise, convencidos de que o cacau pode ser a base de um negócio lucrativo.

Para ganhar a guerra, em vez de ficarem apenas na lavoura, eles começaram a verticalizar a produção e transformar suas propriedades em fazendas de chocolate.

Esse é o caso dos irmãos Leonardo e Leandro Reis Almeida, que acabam de investir R$ 3 milhões na construção de uma fábrica de chocolate inaugurada neste mês. Os irmãos Reis Almeida, que também plantam soja e trigo em Goiás, começaram a cultivar cacau ao comprar a fazenda Riachuelo, que estava em ruínas, na década de 1990, com 260 hectares de pés da fruta. Atualmente, a fazenda é um complexo cacaueiro com 1,2 mil hectares, galpões de armazenamento e secagem, laboratórios e maquinários modernos, além da fábrica novinha em folha, é claro.

A produtividade atual é de 70 arrobas por hectare (cada arroba equivale a 15 quilos), um resultado e tanto comparado ao de décadas passadas. Quando os irmãos Reis Almeida assumiram o controle da Riachuelo, a produtividade era de 7,5 arrobas por hectare, menos de um terço da atual média brasileira, de 25 arrobas, e apenas 8% das 90 arrobas por hectare produzidas antes da praga. “Tivemos muito trabalho para levantar a fazenda”, diz Leonardo. Além de produzir pouco, não havia rede elétrica, estradas e galpões. “O antigo proprietário não investia e até mesmo deixava de colher os frutos, por achar que a atividade não compensava.”

A arrumação da casa tinha uma meta: agregar valor à produção de cacau. Após a recuperação das plantações e de muita pesquisa em busca de amêndoas de qualidade superior, a matéria-prima se transformou na marca própria de chocolates finos mendoá, processados em uma fábrica terceirizada. “Agora, com nossa fábrica podemos buscar mais qualidade para o cacau”, diz Leonardo. O desafio dos irmãos, que chegaram a exportar para a Europa antes da crise de 2008, é rentabilizar o produto gourmet pronto para o consumo. Das atuais 65 mil arrobas de cacau colhidas por ano na Riachuelo, 13 mil são de amêndoas especiais. Na Bahia, o cacau superior está cotado a R$ 280 a arroba, enquanto a amêndoa comum não sai por mais de R$ 70.

A fábrica da Mendoá tem capacidade para processar 150 quilos de chocolate gourmet por dia. Ao preço de R$ 200 por quilo, isso significa uma receita potencial de R$ 11 milhões por ano. “O restante continuará sendo vendido como commodity às empresas que processam a fruta na região”, diz Leonardo. A marca começou a ser vendida em cafeterias e casas especializadas de Salvador neste mês. Mas o plano para 2014 é abrir dez lojas próprias em shoppings de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte. Cada loja deverá receber um investimento de cerca de R$ 500 mil. “Estamos vendo que é possível ganhar dinheiro com cacau”, diz Leandro. “O brasileiro está aprendendo a conhecer chocolate de alta qualidade e o mercado é promissor.”

Segundo o administrador de empresa Juvenal Maynart, superintendente regional da Comissão Executiva de Planejamento da Lavoura Cacaueira, na Bahia (Ceplac), com sede no município, o movimento de criação das fazendas de chocolate tende a crescer ainda mais. Ele afirma que, dos 15 mil pequenos produtores da região de Ilhéus, pelo menos 20 já possuem fábricas e até 2020 a expectativa é de que outros 20 abram suas próprias unidades. “É uma mudança considerável de status”, diz Maynart. “Embora a Bahia seja reconhecida como a terra do cacau, ela não tem a tradição de fabricar chocolate.” Para o diretor do Ceplac, a abertura de pequenas fábricas também pode ajudar a atrair mais pessoas para uma região que chega a receber cerca de 200 mil turistas por ano, entre eles muitos estrangeiros. “Até pouco tempo atrás, o turista achava que iria comer muito chocolate em ilhéus, mas não encontrava o doce”, diz o executivo. “Hoje, isso começa a mudar.”

Guarda-chuva Para o produtor Henrique Almeida, dono de duas fazendas de 60 hectares de cacau na região, o turismo pode, de fato, alavancar os negócios. No final de julho, o produtor era um dos participantes do Festival Internacional do Chocolate e Cacau, que reuniu um público de 20 mil pessoas em Ilhéus. O evento itinerante acontece todos os anos em uma cidade baiana. Almeida aproveitou o festival para buscar parceiros que quisessem investir em uma fábrica de chocolate. Para atrair empreendedores, ele apresentou toda a cadeia produtiva de sua marca de chocolate gourmet, a Sagarana, atualmente processado em uma unidade terceirizada. A estratégia deu certo. Quando o festival chegou ao fim, Almeida contava com dois sócios: Marco Lessa, um dos organizadores do evento, e dono da marca de Chocolate Chor, e Guilherme Moura, presidente da câmara Setorial Nacional do cacau e dono da marca Costa Negro.

Com a sociedade sacramentada, eles investirão R$ 1,5 milhão na construção de uma fábrica com capacidade para produzir mil arrobas de chocolate por ano. As marcas próprias permanecerão no mercado, mas sob um único guarda-chuva chamado “Cacau Fino, Chocolate de Verdade”. Os primeiros produtos da nova parceria devem chegar ao consumidor em janeiro do próximo ano, em lojas franqueadas na Bahia. “Na sequência, vamos abrir lojas próprias em São Paulo e outras capitais”, diz Almeida.

Almeida e seus sócios pretendem reproduzir a experiência da produtora Diva Landenberger, dona da fazenda Berg Frut, cuja fábrica de chocolate começou a operar em 2010. Para ela, o investimento valeu a pena. “Hoje tenho um negócio que só prospera”, afirma Diva. Até o final deste ano, a produtora que cultiva uma área de 70 hectares deve quitar um financiamento bancário de R$ 400 mil, dinheiro que foi utilizado para construir a sua pequena indústria, com capacidade para processar 200 quilos de chocolate por dia. Ela também tem duas lojas próprias que faturam R$ 100 mil por temporada, na região, e pretende abrir mais duas lojas. “Já dei uma olhada em Gramado, no Rio Grande do Sul, e Campos do Jordão, em São Paulo”, diz. “São cidades turísticas com forte apelo para o consumo de chocolate e, por isso, um bom local para fixarmos nossa marca.” Para expandir os negócios, Diva aposta em um portfólio diversificado. “Não adianta só fazer o chocolate amargo e achar que vai ganhar mercado”, diz.

Na Chocolateria Berg Frut há barras do doce com até dez formulações, variando de 25% a 100% de concentração de cacau, além da mistura de frutas. A empresária acredita que o movimento de industrialização do cacau pode dar à cultura baiana o mesmo prestígio que ela possuía na época em que o escritor Jorge Amado se inspirava para contar suas histórias. Em uma obra escrita em 1943, o escritor dizia que “No sul da Bahia, cacau é o único nome que soa bem”. Para os empresários da região, esse baiano nascido em Itabuna, a 30 quilômetros de Ilhéus, nunca esteve tão certo.