Mesmo antes de encabeçar listas de melhores chefs brasileiros e representar a nossa gastronomia no exterior, Alex Atala já havia assumido uma outra tarefa: apresentar ingredientes e sabores regionais para um novo público. “O papel do chef, antes de mais nada, é ser um divulgador”, afirmou Atala à RURAL. “Ser um profissional que acredita que para fazer uma comida deliciosa é necessário um ingrediente delicioso, e este ingrediente só vai existir com uma cadeia justa de produção.” Um exemplo dessa atitude está no mini arroz do Vale do Paraíba que é usado em alguns pratos de seu restaurante, D.O.M. O projeto nasceu de uma forma quase singela, quase espontânea. “O produtor Francisco Ruzene bateu na de comunicação especializada em gastronomia Coentro Comunica que logo foi apadrinhada pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Governo do Estado. Além de um mapa com a localização das queijarias que aderiram ao projeto nasceu de uma forma quase singela, quase espontânea. “O produtor Francisco Ruzene bateu na minha porta, eu conheci o produto, comecei a usar e indiquei para outros chefs”, disse. Na época, a produção rizícola da região era voltada ao arroz agulhinha, mas a produtividade era inferior a do Sul, por exemplo. “Produzir arrozes especiais foi a vocação do Vale”, disse Atala. Hoje, Francisco tem a própria marca, Arroz Preto, e cerca de 60% da produção local é de grãos especiais.

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Atala, no entanto, não está sozinho. Diversos outros chefs assumiram a tarefa de valorizar ingredientes brasileiros. E, com isso, têm fortalecido a produção agrícola nacional. Helena Rizzo, à frente do Maní, já foi eleita a melhor chef da América Latina. E seu menu conta com PANCs (plantas alimentícias não convencionais) da estação, peixes amazonenses, farinha do uarini (feita à base de mandioca) e araruta, apenas para citar alguns dos ingredientes atuais. A argentina Paola Carosella, que escolheu o Brasil para montar seu restaurante, Arturito, serve como entrada a sua salada dos agricultores, com hortaliças orgânicas “e outros matos” — como costuma afirmar — enviados pelos agricultores da Cooperapas. A nutricionista Neide Rigo, embora não tenha um restaurante, dá aulas de gastronomia e se tornou uma das principais defensoras das PANCs, escrevendo sobre o tema em seu blog e nas redes sociais.
O caminho é de mão dupla. De um lado, o interesse dos chefs mostra para produtores como uma hortaliça até então pouco valorizada pode ser uma fonte de renda. “Recebi uma produtora que ficou maravilhada quando descobriu que plantas comestíveis podiam ser caríssimas em um restaurante”, disse Marinalva Woods Pedrosa, pesquisadora responsável pelo banco de hortaliças não convencionais da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), em Prudente de Morais (MG). “Ela vislumbrou a oportunidade de ter em sua horta e oferecer ao freguês algo diferente”, afirmou.

Ora-pronóbis e azedinha, que ganham espaço na mesa brasileira. (Crédito:Istock)

Do outro, há um papel de preservação de saberes e culturas que, em alguns casos, estão se perdendo. Esse é o trabalho de Marinalva, que visita produtores, descobre o que eles cultivam e leva amostras ao banco. Depois, a partir do conhecimento acumulado, passa a disseminar as hortaliças a outros agricultores e incentiva o mercado local a receber essas plantas não convencionais. Algumas, como ora-pro-nóbis, já se tornaram mais populares. Muito usada na culinária mineira, já é encontrada em mercados espalhados pelo País. Outras, como a azedinha, também conhecida como salada-pronta por conta de seu sabor ácido, tem um apelo regional e poderia ser apreciada em larga escala. “É um trabalho de resgate da biodiversidade e valorização cultural”, diz Marinalva. “É por isso que os chefs têm um papel importante nesse resgate, mas não queremos que seja algo elitizado. A proposta é acessar algo que antes estava restrito.”

A popularização de ingredientes na gastronomia é também um processo de resgate cultural e preservação de sabores

Madeira da Blue Smoke, usada em defumação. Novos hábitos fomentam oportunidades de negócios (Crédito:Divulgação)

Fumaça valiosa Há casos em que as demandas da gastronomia passaram a transformar em negócio algo que tradicionalmente era considerado descarte. E o melhor exemplo vem do churrasco. Nos últimos anos, a cultura do barbecue americano ganhou força por aqui e, com ela, a prática da defumação de carne. Foi aí que os churrasqueiros brasileiros perceberam um problema sério: o eucalipto vendido no mercado simplesmente não serve para esse propósito. Além de deixar um sabor muito forte, ele é tradicionalmente destinado a lareiras. Ou seja, não foi produzido com foco na defumação. Alguns pitmasters, como são conhecidos os churrasqueiros especializados na defumação, importavam madeira norte-americana. Foi aí que algumas empresas viram a oportunidade de oferecer produtos de origem nacional.

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Uma delas é a Blue Smoke, dos sócios Matheus Raffa e Lucas Nijenhuis. Ambos já trabalhavam no agronegócio e tinham o churrasco como hobby. Foi só em 2019 que decidiram transformar a paixão em negócio e saíram em busca de madeiras frutíferas para vender em lascas para defumação. No início, alguns produtores nem cobravam pela madeira. A Blue Smoke se responsabilizava pela limpeza do terreno e pela retirada das árvores e pronto. Com a popularização da técnica, no entanto, os fruticultores perceberam a oportunidade de negócios. “Hoje, não é mais assim. A gente passou a comprar a madeira em diversas regiões do Brasil”, afirmou Raffa.

O carro-chefe da empresa é a macieira, que tem um sabor marcante, levemente adocicado, e é muito usada nos Estados Unidos. Mas o portfólio é grande e conta com laranjeira, goiabeira, abacateiro, pecã e limoeiro. Elas são vendidas em lascas, o formato mais comum, serragem e pedaços maiores, os “chunks”. A expertise da dupla com o setor ajuda principalmente na análise técnica de quais madeiras são apropriadas para a defumação. “Olhamos o nível de resina, o quanto a fumaça deixa de amargor no alimento, o nível de secagem”, disse Raffa. Mas, no fim, o que importa mesmo é o sabor.

VALORIZAÇÃO O chef Alex Atala e o prato preparado com o arroz do Vale do Paraíba (SP). Hoje, a região se especializou na produção de arrozes especiais (Crédito:Divulgação)
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Papo rápido com o chef Alex Atala

Como a gastronomia pode valorizar não só os ingredientes, mas também a cadeia de produção?
A escolha por ingredientes de cadeia justa e com menor impacto ambiental é uma realidade. Quando o chef interage em uma pequena cadeia, seja ela de comunidade tradicional, seja ela de agricultura familiar, passa a não só movimentar economicamente a região, mas também o aspecto socioambiental.

Em quais projetos você está envolvido agora?
Temos um com pirarucu, um peixe que até alguns anos atrás praticamente não existia no mercado paulista.Temos um trabalho começando com pequenos produtores do litoral paulista com marisco e subprodutos das cordas de marisco. A gastronomia brasileira é um verbo para ser conjugado no plural, principalmente incluindo chefs e produtores.

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