A aceleração do aumento de preços colocou o Banco Central (BC) numa situação difícil: elevar a taxa de juros em plena crise econômica e piora da pandemia da covid-19. Em um gráfico, as tendências de inflação, em alta, e da variação do PIB, em queda, mostram, no jargão de mercado, uma boca de jacaré se abrindo. Essa é uma situação de extrema anormalidade em que atividade econômica e inflação estão em sentidos opostos. A elevação dos juros pode dificultar ainda mais a retomada da economia.

A decisão desta semana será o primeiro teste e, tudo indica, o mais difícil para o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e sua equipe. No mês passado, o Congresso aprovou a autonomia do Banco Central, com a justificativa de garantir a condução da política de juros sem pressões políticas.

Com a inflação em alta, em um ritmo de 5,2% ao ano, a expectativa é que o BC comece agora a desarmar essa bomba relógio para barrar o risco de descontrole de preços, sobretudo em 2022. Será a reversão de um período longo de queda de juros, que levou a taxa Selic (os juros básicos) ao patamar histórico de 2% ao ano. A aposta do mercado é de uma elevação de 0,50 ponto porcentual na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) dos dias 16 e 17 (leia mais na pág. B3).

A perspectiva de a economia entrar em recessão, no segundo trimestre, num quadro de recrudescimento da pandemia, combinado com medidas de isolamento, só amplia o desconforto com a medida.

A inflação ficou ainda mais pressionada nos últimos tempos por iniciativas do próprio governo. A cotação do dólar subiu com os sinais contraditórios na economia dados pelo presidente Jair Bolsonaro, como a intervenção na Petrobras, a tentativa de flexibilizar o teto de gastos (regra que limita o crescimento das despesas) e a articulação para desidratar as medidas de corte de gastos da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do auxílio emergencial.

O resultado: mais pressão sobre a inflação, a ponto de Campos Neto ter entrado nas negociações políticas para impedir uma derrota geral na votação, o que complicaria ainda mais o trabalho do BC na condução da política monetária (calibrar a taxa básica de juros, a Selic, para o controle da inflação).

“É um sinal de desequilíbrio ter essa bomba relógio de inflação alta com uma queda do PIB já contratada”, diz Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas.

Com a inflação em 12 meses se aproximando de 7% em abril, desemprego e PIB negativo, a economia vive uma situação de estagflação (combinação de economia parada com preços em alta). “Esse é o drama para o BC. E não sabemos quanto pior pode ficar a atividade econômica por causa da pandemia. É uma das piores combinações”, diz ela, que não descarta a consolidação de um quadro recessivo em 2021, mais grave do que a estagflação. Além disso, a renda da população caiu com a fragilidade do mercado de trabalho.

Nas contas do ex-secretário de Política Econômica, José Roberto Mendonça de Barros, desde setembro vem se formando um acúmulo de pressões inflacionárias, que começou a partir dos alimentos, mas que não foram levadas devidamente a sério nem pelo Ministério da Economia nem pelo BC.

Aceleração

A mudança foi muito rápida. Em julho do ano passado, diz Mendonça de Barros, a inflação estava abaixo de 2%. Em setembro começou a aumentar e terminou 2020 acima de 4%. “É uma aceleração extraordinária”, diz. Só no mês passado subiu 0,86% – a maior taxa desde 2016.

Para José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre, a alta da inflação é muito preocupante e o BC não pode facilitar. “Se dermos mole nesse campo, vamos continuar com os problemas que já temos e acrescentar mais um.”

Ele ressalta que, no campo das commodities (produtos básicos como grãos, petróleo e minério de ferro), já houve alta de 10% em janeiro e mais 7% em fevereiro. As matérias-primas, afirma, já acumulam elevação de 75% em 12 meses. “Estamos vivendo repasses reprimidos”, enfatiza o economista. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.