O produtor Alexandre dos Santos Viana, 49 anos, cultiva bananas há 10 anos. É uma tarefa cara e laboriosa. Na fazenda Pedra Furada, no município de Eldorado Paulista (SP), ele planta 25 hectares de bananeiras, que exigem atenção total, cinco dias por semana, e que dá fruta o ano inteiro. Para isso, ele gasta cerca de R$ 10 mil por hectare para manter a produção. A feito de comparação, um produtor de soja em Mato Grosso gasta R$ 3,8 mil por hectare na lavoura. O resultado de Viana são cerca de 500 toneladas de bananas a cada ano. Esse número poderia ser bem melhor, até 50 toneladas (10%) a mais. “Tenho muitas perdas durante a safra”, diz o produtor. “Muitas frutas são bicadas por pássaros, atacadas por insetos e amassadas na hora da colheita. Essas são imediatamente descartadas”. Mas há outra parcela de frutas que não estão nessa primeira categoria. São frutas boas e de qualidade, mas que estão fora dos padrões que a maioria dos consumidores busca, simplesmente por serem consideradas “feias” ou deformadas. “Vendo apenas as bananas maiores e com a casca lisa. As menores e com a casca não tão lisa iam direto para o lixo”. Pelas projeções dele, suas perdas com frutas consideradas feias são de 35 toneladas anuais.

Sem perdas Este ano, a startup de Matsuda deve negociar 700 mil toneladas de alimento (Crédito: Alberto Rocha/Folhapress)

Há dois anos, essa realidade mudou. Agora, Viana consegue comercializar essas frutas que antes eram simplesmente descartadas. Ele faz parte de um grupo de 30 produtores e mais três cooperativas agrícolas que abastecem a startup paulistana Fruta Imperfeita. A empresa, fundada no final de 2015, vende cestas de alimentos pela internet, utilizando um modelo de assinatura. Por R$ 100 mensais, o comprador recebe em casa, semanalmente, uma cesta com cinco tipos de frutas e cinco de legumes. Além das bananas da Pedra Furada, a startup recebe maçãs, batatas, mamões, cenouras, pepinos, tomates, laranjas, entre outros alimentos, que chegam direto desses produtores.

Dependendo do produto e da época do ano, o produtor rural ganha até mais negociando com a startup do que vendendo no mercado formal. Viana, por exemplo, vende o quilo de banana no mercado tradicional por preços que variam entre R$ 0,50 e R$ 2. Para o Fruta Imperfeita, esse preço fica em R$ 1,50. “Já dá para perceber que, em certos casos, eu ganho até mais”, destaca o produtor. “É uma ideia sensacional. Passei a ganhar com aquilo que antes eu jogava fora”. Viana lembra que levava uma pequena parte das frutas descartadas para casa, para ele e sua família comerem. “Por serem menores, são as mais saborosas. O consumidor precisa rever seus conceitos.”

E boa parte deles já está revendo. Semanalmente, 1,7 mil paulistanos recebem em casa a cesta do Fruta Imperfeita, segundo o engenheiro mecânico Roberto Matsuda, 35 anos, fundador e CEO da empresa. “Essa ideia está ganhando cada vez mais adeptos”, afirma Matsuda. “Todo produto recebido é devidamente vendido. Nossa proposta é o desperdício zero.” No ano passado, a startup registrou 350 mil toneladas de alimentos recebidos e vendidos. Para este ano, a expectativa é dobrar essa quantidade, chegando a 700 mil toneladas. “Iniciamos o projeto com o foco na conscientização das pessoas sobre os alimentos.

Vemos que essa ideia está dando bons resultados.” Os números confirmam o que ele diz. Este ano, o faturamento do Fruta Imperfeita deve ser de R$ 1,8 milhão. O maior desafio, porém, nem é conquistar o consumidor, mas desatar o nó logístico entre a startup, instalada num galpão na zona Sul de São Paulo, e o produtor rural. A maior parte deles está em São Paulo, mas há produtores em Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Sul. “Negociamos o preço para ser atrativo a esse produtor, para que ele também tenha lucro”, diz Matsuda. “A ideia é que o negócio seja sustentável para todos.”

CONTRA O DESPERDÍCIO Foi quase por acaso que Matsuda passou a empreender no segmento de alimentos, com foco na relação entre o campo e a cidade. Desde o início de sua carreira, o engenheiro atuou basicamente no setor de engenharia civil. Até que, em 2015, durante uma pós-graduação em gestão de negócios com viés em sustentabilidade, começou a perceber que havia um nicho interessante na quantidade de alimentos produzidos nas fazendas e descartados. “Saí à procura de produtores e visitei diversas fazendas, para perceber se isso era realmente um grande problema. A conclusão foi evidente”, diz. De lá para cá, Matsuda investiu cerca de R$ 50 mil na empresa. Os planos futuros, no entanto, podem levar esse negócio muito além do modelo de entrega a domicílio de frutas e verduras. “Hoje, penso em formas de como ampliar o sistema, atraindo mais produtores, mesmo que a gente não compre a produção diretamente dele”. A ideia seria como um conceito de marketplace de produtos sustentáveis, uma espécie de shopping center virtual para o comércio desses alimentos desvalorizados pelo mercado. “Poderia servir de conexão direta entre o público consumidor e os pequenos produtores”.

A tarefa é desafiadora. Isso porque o desperdício da produção agrícola é um dos grandes problemas de um mundo com população crescente, que se alimenta mal, joga fora boa parte de sua produção e precisará de ainda mais alimentos no futuro. Mundialmente, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) contabiliza 1,3 bilhão de toneladas de alimentos desperdiçados por ano. Somando os efeitos econômicos (gastos de recursos naturais como água e terra, mais insumos como adubos minerais, pesticidas, energia elétrica e combustíveis fósseis) e mais os impactos ambientais e sociais, estima-se que esse prejuízo seja de US$ 2,6 trilhões anuais. O valor é equivalente ao PIB do Reino Unido, a quinta maior economia do planeta. No Brasil, a FAO estima uma perda anual de 41 mil toneladas de alimentos. No início deste ano, a Embrapa apresentou os cálculos de desperdício residencial no Brasil. Por pessoa, são quase 42 quilos de alimentos descartados, o que pode representar um desperdício de cerca de 9 milhões de toneladas por ano. No final de maio, a estatal fez o cálculo monetário dessa conta. São R$ 68 bilhões literalmente jogados no lixo. Ao menos, o trabalho de Matsuda acende uma luz no fim do túnel.