Há 12 anos, o chef de cozinha francês Laurent Suaudeau é dono da Escola da Arte Culinária Laurent, em São Paulo. Nela, seus alunos aprendem a manipular alimentos para se candidatarem a vagas de cozinheiros nos melhores restaurantes do País, ou serem donos de seus próprios negócios. Entre panelas e talheres, Suaudeau, que se mudou para o Brasil na década de 1980, quase sai do sério quando o assunto é a produção de animais de caça, exóticos e silvestres, como paca, capivara, marreco, cateto, javali, faisão, jacaré, queixada, rã, ema, patos e gansos. Esse tipo de carne faz parte de receitas elaboradas pelo chef e replicadas por seus alunos, mas nem sempre ela é acessível. “O Brasil está longe de ser um mercado que valoriza o produtor desses animais”, diz Suaudeau. “Aliás, estamos longe de uma cadeia organizada de produção.” Para ele, o Brasil é muito diferente da França, ou de outros países com forte tradição culinária local.

Suaudeau conta que em janeiro esteve no principado de Mônaco para participar das comemorações dos 25 anos do restaurante Luís XV, do Hotel de Paris Monte-Carlo. A casa, agraciada com três estrelas no celebrado Guia de Restaurantes Michelin, é comandada pelo chef Alain Ducasse, que também é dono de mais de 20 restaurantes de alta gastronomia, hotéis, uma escola de culinária e uma editora. Com eles, Ducasse fatura mais de E 20 milhões, por ano. Os festejos dos quais Suaudeau participou reuniram 240 chefes de 25 países e 150 pequenos produtores do entorno de Mônaco. “Difícil era ver concentração de renda maior no mundo, mas quem chamava a atenção eram os produtores da região, pelos queijos perfumados e carnes deliciosas que levaram ao evento”, diz Suaudeau. “Por que isso não pode acontecer também com a produção dos pequenos produtores brasileiros, que oferecem iguarias de qualidade?”

O Brasil não possui estatísticas oficiais sobre criação e consumo de carnes exóticas e de caça, e o Ministério da Agricultura e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) não se pronunciam a respeito. Mas sabe-se que a despeito do volume da oferta e da demanda, o preço dos cortes de carne é salgado. No Mercado Municipal de São Paulo, por exemplo, um quilo de carne de paca não sai por menos de R$ 250. Os preços não diferem muito em capitais como Rio de Janeiro, Salvador ou Porto Alegre. O empresário Gonzalo Barquero é um dos que abastecem esses mercados. O dono da Cerrado Carnes, de Cotia, município próximo a São Paulo, possui uma rede com cerca de 40 fornecedores de capivaras, pacas, queixadas, catetos, cutias e javalis, e mantém contato com mais de 15 chefs de cozinha. “Se depender de mim, esse mercado vai deslanchar”, diz Barquero. No ano passado, a Cerrado Carnes vendeu 1,6 tonelada de carne, ante 800 quilos em 2011. Para ganhar mercado, Barquero vem aumentando seu mix de produtos. Em 2012 foi incorporado o faisão e a galinhad’angola e neste ano o projeto é vender cervo, porco e frango caipira. O projeto é ter um incremento nas vendas da ordem de uma tonelada de carne.

Para facilitar o acesso de mais consumidores aos pratos exóticos, a Cerrado está colocando no mercado a partir deste mês quatro tipos de massas recheadas com faisão, javali, queixada e galinha d’angola. Por enquanto, os congelados serão vendidos em São Paulo, mas o projeto é levar o produto a outros centros consumidores. “A ideia é facilitar o acesso e o preparo dessas carnes”, diz Barquero. Além disso, ele diz que em fevereiro sua empresa exportou para a Martinica, uma província francesa do Caribe, 116 peles de cateto, queixada e javali. A experiência bem sucedida deve se repetir neste ano. “O mercado de peles é uma oportunidade que pode diminuir os custos de produção dos animais, mas o que mais precisamos hoje é focar na carne e ter uma boa legislação que dê segurança aos criadores”, afirma.

A legislação ambiental cheia de meandros é um dos empecilhos que mais afetam os produtores, principalmente os pequenos. “Eles não conseguem se virar sozinhos e muitos perdem negócios”, diz o chef Suaudeau. Segundo o Ibama, desde 2011, uma lei complementar delega aos Estados o poder de autorizar a formação de criadouros de animais e fiscalizá-los, desde que não sejam de espécies ameaçadas de extinção. Ao mesmo tempo, porém, o produtor deve enviar ao órgão relatórios anuais com informações detalhadas do projeto sobre o empreendimento. “Muitas vezes o criador nem sabe por onde começar”, diz Barquero.

O produtor de capivara Carlos Ciciliato, do Sítio Santa Maria, de Indaiatuba (SP), diz que fica perdido com tantas exigências. Desde 2006, ele também cria cateto  e deseja mudar o registro de sua propriedade no Ibama, de mantenedouro dos animais – que tem um foco conservacionista –, para o de criadouro comercial. Até agora, não conseguiu nada. “Já recebemos vários técnicos, fizemos todas as adequações na propriedade, mas esbarramos numa burocracia imensa”, diz. “Muitos produtores desistem desse mercado por causa dos problemas com a legislação.” Para manter a criação de 30 catetos no sítio, Ciciliato gasta R$ 1,2 mil por mês apenas com a alimentação dos bichos.

Um exemplo de grande criador que aposta nesse nicho de mercado e conseguiu se organizar é a EAO Empreendimentos, de Emílio Odebrecht, um dos donos do grupo baiano Odebrecht. A EAO, que tem quatro restaurantes em Salvador, há 12 anos possui um criatório de paca no sítio Busca Vida, em Camaçari, a 50 quilômetros da capital baiana. Atualmente, o rebanho é de 840 animais, dos quais 500 são matrizes. Segundo o gerente comercial do criatório da EAO, Bernardo Ferreira, nos últimos dez anos, o negócio recebeu investimentos da ordem de R$ 1 milhão, principalmente para a compra de matrizes e para a melhoria das instalações. Foram anos de tentativas e erros, até que a EAO encontrasse a receita de sucesso para o manejo e a nutrição dos animais. “As matrizes já alcançam produtividade de dois filhotes por ano”, diz Ferreira. A criação da EAO supre a demanda dos restaurantes da empresa e até o ano passado eram vendidas, em média, 20 pacas por mês. Para 2013, a previsão é vender 50 animais por mês, a partir de um contrato com a Cerrado Carnes, firmado no final do ano passado. A estimativa é faturar pelo menos R$ 350 mil, uma receita nunca vista em anos anteriores. Em 2010, o faturamento foi de R$ 50 mil e no ano passado, de R$ 200 mil. “Hoje, temos um modelo de negócios estruturado”, afirma Ferreira.

O gerente do sítio da Odebrechet, Carlos Augusto dos Santos, diz que o negócio começou a deslanchar depois que a infraestrutura de criação se consolidou. No sítio de dez hectares há 244 baias, entre elas as da maternidade, de engorda, e núcleos de reprodução. O sítio também possui mil árvores frutíferas exclusivamente para alimentar as pacas. “Elas consomem até 1,5 quilo de frutas por dia, sempre frescas”, diz Santos. A fruta é fundamental para garantir a qualidade da carne. Um animal adulto pode atingir até dez quilos e está pronto para o abate com um ano de idade. “Pratos suculentos são feitos com esse tipo de animal: bem criado e jovem”, diz Suaudeau. “Só falta o País acreditar que pode fazer o mesmo.”