Em Fortaleza dos Valos, no interior do Rio Grande do Sul, 20 vacas holandesas da criadora Bruna Schiefelbein não pastam mais como antigamente. Na agropecuária Dois Irmãos, onde Bruna divide as tarefas com o pai e o tio, tudo o que os animais fazem no pasto, na sala de ordenha e no galpão de alimentação vai parar numa tela de computador. Desde o mês passado, esse grupo, de um rebanho total de 170 animais, está usando uma coleira inteligente, que coleta e processa as informações que, depois de captadas por antenas no momento da ordenha, são enviadas a um software batizado de C-Manager. “As coleiras são como os olhos do proprietário, acompanhando as vacas 24 horas por dia”, diz Bruna, que é formanda em veterinária pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Além do gado holandês, a família cultiva soja, milho e trigo, em uma área de 200 hectares. Do total do rebanho, pouco menos da metade é ordenhada atualmente, produzindo 2,4 mil litros de leite, entregues a uma cooperativa da região.

As coleiras usadas pelas vacas da fazenda de Bruna utilizam a tecnologia C-tech, desenvolvida pela startup Chip Inside, que funciona no campus da UFSM. A empresa, criada em 2010, nasceu de pesquisas em microeletrônica, realizadas pelos irmãos estudantes de engenharia, Thiago e Leonardo Martins, cujo objetivo inicial era desenvolver uma versão nacional da tecnologia para detectar o cio no gado leiteiro. Esse tipo de sistema, embora exista há mais de 20 anos no mercado internacional, custa aqui mais de R$ 18 mil, o que abre caminho para a Chip Inside. No entanto, segundo o CEO da empresa, Thiago Martins, o resultado foi muito além em relação ao similar importado. Os irmãos conseguiram criar uma tecnologia que também pode ajudar a monitorar o conforto do animal. “O produto não é um genérico do que existe lá fora”, diz Martins. “Desenvolvemos algo realmente inovador.” 

A coleira monitora três parâmetros comportamentais: nível de ruminação, de atividade e de ócio. Em média, as vacas leiteiras costumam passar oito horas ruminando, oito horas em atividade e oito horas em repouso. Mas esse comportamento pode variar de uma região para outra, ou haver mudanças em função da temperatura. “Em dias quentes, por exemplo, uma vaca costuma ter mais tempo de ócio”, diz Martins. Para que a medição seja consistente, cada coleira calcula o padrão comportamental que é considerado “normal” para um animal, individualmente, depois cruza todas as informações e gera também um relatório sobre todo o plantel. “É possível comparar o comportamento da vaca com o padrão dela mesma e com o padrão do rebanho”, afirma.

Com esse monitoramento minucioso, qualquer alteração na rotina do animal tem um significado. Para Bruna, a maior vantagem da coleira é a identificação precisa do cio. “Podemos inseminar uma vaca no melhor momento para a concepção, 12 horas depois do início do cio”, afirma. “Assim, a chance de aumentarmos nosso índice reprodutivo é maior.” Atualmente, a taxa de prenhez da fazenda é de 50%. Bruna também acredita que economizará na compra de medicamentos, já que, com as informações coletadas, é possível, por exemplo, detectar com antecedência doenças metabólicas como cetose, acidose e indigestão.

A tecnologia começou a ser vendida no fim do ano passado. Parte do sistema, composto pelas antenas receptoras e pelo software, custa R$ 10 mil. As coleiras, adquiridas na quantidade que o pecuarista desejar, saem por R$ 450 cada uma. Cada peça possui um chip com vida útil de cinco anos, que pode ser trocado ao custo de R$ 250. Embora tenha um custo elevado, Martins diz que a coleira compensa. “É um investimento de longo prazo em sanidade e bem-estar animal”, diz. “Quanto mais conforto a vaca tiver, mais ela será produtiva.” A Chip Inside foi selecionada pelo Projeto Startup Brasil, do Ministério da Ciência e Tecnologia, de incentivo às empresas, e recebeu recursos de R$ 186 mil para desenvolver suas atividades.