O coronel Glauco Carvalho, de 55 anos, disse que o afastamento do coronel Aleksander Lacerda não basta para resolver o caso na PM paulista. “Ele tem de ser punido.” Lacerda convocou colegas para o ato bolsonarista de 7 de Setembro, criticou ministros do Supremo Tribunal Federal e chamou o governador João Doria (PSDB) de “cepa indiana”. Carvalho chefiou o Comando de Policiamento da Capital e está na reserva há seis anos. Eis trechos da entrevista dele ao Estadão.

O que significa para a PM o caso do coronel Aleksander?

É preciso diferenciar oficial da ativa do oficial da reserva. O da reserva, até certos limites, pode se manifestar, ter vida partidária. O da ativa tem limitações severas em decorrência do papel na sociedade, por ele portar armas. Tratando-se de um oficial da ativa, o fato é de extrema gravidade. Quero salientar que o coronel Aleksander é meu amigo. Foi meu aluno no Curso Superior de Polícia; é um bom oficial. A despeito disso, fico com a lei, com os princípios e os valores da instituição. Ele tem de ser severamente punido sob o ponto de vista administrativo e sob o ponto de vista penal-militar. Se não, vamos instalar a balbúrdia na instituição. O Brasil está de ponta-cabeça. É surreal. E vejo coronéis querendo contemporizar… A tropa precisa ver que o bumbo bate no pé direito. Fosse em outras épocas, ele estaria preso, para dar exemplo para a tropa.

Afastar não é suficiente?

Para uma instituição que se diz militar, o afastamento é punição muito tênue, pelo menos para nós, militares acostumados à vida da caserna. Se o comandante pode ser apenas afastado, o cabo também não deve ser punido. Se ficar só nisso, abrimos a possibilidade de ações de indisciplina se alastrarem. E vou além: nessas circunstâncias, apesar de meu apreço ao Aleksander, a punição tem de ser pública para que, de recruta ao coronel, todos vejam que a PM não tolera esse tipo de atitude. Democracia não implica libertinagem, em falar o que você pensa e acha sobre autoridades constituídas ocupando uma das funções mais importantes da instituição.

Em toda a sua carreira, o sr. testemunhou algum caso assim?

Fiquei 35 anos na ativa e estou há seis anos na reserva e nunca vi um coronel fazer qualquer tipo de manifestação nesse sentido. É da tradição da Força Pública manter a legalidade. A esquerda, em alguns momentos, defendeu greves de PMs. Em algumas circunstâncias, defendeu ações ao arrepio do Código Penal Militar. Nesse momento, vemos como isso é perverso. O arrepio da lei pode se dar tanto para fazer uma revolução proletária como para dar um golpe.

Como o bolsonarismo se infiltrou na PM?

Há um descontentamento grande nos últimos anos em relação ao PSDB, assim como houve das Forças Armadas com Lula. Em que pese qualquer insatisfação em relação ao governador João Doria, ela não pode, de forma alguma, ser manifestada. Existe o voto para as pessoas manifestarem a insatisfação e, se a maioria do povo optou por um candidato, nós temos de nos submeter a ele. Na minha vida, fui submetido a governos com os quais eu não concordava, mas isso não implica a defesa de golpes ou pegar em armas para a derrubada de governos. Chegamos a um momento em que a insatisfação decantou e ele (Jair Bolsonaro) se tornou o líder de uma causa. O bolsonarismo se alastrou. Tenho amigos que se tornaram defensores do presidente. É preciso entender o que houve. Não basta só criticar as PMs. Precisamos tirar as PMs desse buraco. E o bolsonarismo usa todos os instrumentos para instalar o caos. Ele não tem institucionalidade, não tem limites e tenta destruir todos os valores da instituição. É o que tem de mais indecente na vida pública do País.

O coronel Aleksander alegava liberdade de expressão. O que é essa liberdade para o militar? Qual o limite da crítica?

É simples. E isso vale para todas as carreiras de Estado. A lei e os regulamentos administrativos de todas as organizações estabelecem os limites. E há limites éticos de forma muito mais acentuada nas instituições militares. O limite que o PM pode exercer em matéria político-eleitoral e partidária é zero. Os canais de discordância ética nas instituições militares se dão dentro das instituições.

Especialistas defendem uma quarentena para integrantes das Forças Armadas e outras carreiras que forem disputar eleições. O sr. concorda com a ideia?

Sou radicalmente favorável a uma quarentena de cinco anos para policiais, juízes, promotores, para que as carreiras típicas de Estado possam se candidatar a cargo eletivo. Essas carreiras têm condição de competitividade que extrapolam a dos demais candidatos. Em algumas circunstâncias, pode-se vender a instituição para auferir o voto; é da natureza humana. A democracia precisa criar mecanismo para impedir que o indivíduo tenha essa tentação.

Há risco de bolivarização ou de um golpe dado por policiais?

Não creio, porque não temos uma polícia nacional. Além disso, a maioria dos governadores é de oposição e há um conjunto de oficiais no comando das PMs adstritos à legalidade. O que preocupa é a infiltração de ideologias que buscam a ruptura do quadro democrático. Precisamos coibir essas ações com muita firmeza, sob a pena de termos no Brasil a tomada de poder por instituições policiais.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.