O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro disse que sofreu pressão do presidente Jair Bolsonaro para aprovar a portaria que aumentou em três vezes o acesso a munições no País. Ao Estadão, Moro revelou que não se opôs ao presidente para não abrir um novo “flanco” de conflito no momento em que tentava evitar a troca no comando da Polícia Federal, o que ele considera que daria margem para uma interferência indevida no órgão.

“A portaria elaborada no MD (Ministério da Defesa) foi assinada por conta da pressão do PR (Presidente da República) e naquele momento eu não poderia abrir outro flanco de conflito com o PR”, disse o ex-ministro. Moro falou com o Estadão após o jornal revelar, no domingo, que a portaria do governo que permitiu o aumento na venda de munições foi fundamentada em parecer de três linhas assinado pelo general Eugênio Pacelli, dias após ele ter sido exonerado da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados.

Após a publicação da norma, o número de munição permitida por registro de arma de fogo passou de 200 para 600. No País, 379.471 armas estão nas mãos da população, segundo a Polícia Federal. Dessa forma, o novo decreto pode possibilitar a compra de 227.682.600 balas (600 munições por arma).

A pressão de Bolsonaro para armar a população e aprovar a portaria ficou evidente com a divulgação da reunião ministerial do dia 22 de abril. O vídeo, que veio à tona na última sexta-feira por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), mostra Bolsonaro determinando a Moro e ao ministro da Defesa, Fernando Azevedo, que providenciem a portaria. A norma foi publicada no dia seguinte no Diário Oficial da União.

“Peço ao Fernando e ao Moro que, por favor, assinem essa portaria hoje que eu quero dar um puta de um recado pra esses bosta! Por que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E não dá para segurar mais! Não é? Não dá pra segurar mais”, disse Bolsonaro, na frente dos outros ministros.

O presidente desferia xingamentos a governadores e prefeitos, que, na visão dele, se aproveitam da população desarmada para impor medidas que considera “ditatoriais”, como o isolamento durante a pandemia do novo coronavírus.

Em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, o ex-ministro comentou sobre o assunto. Moro justificou por que não questionou a ordem de Bolsonaro: “Não há espaço ali dentro das reuniões – me pareceu muito claro -, não existe um espaço ali para o contraditório”. E confirmou que assinou a portaria devido à pressão do presidente e não por estar de acordo com ela ou haver elementos técnicos para justificá-la.

E-mail

Como revelou o Estadão, o parecer do general Pacelli foi enviado à assessoria jurídica do Ministério da Defesa às 22h18 de 15 de abril, por um e-mail particular. A exoneração dele saiu no DOU dia 30 de março, mesmo dia em que seu substituto foi nomeado.

Após a divulgação da reportagem, anteontem, o Ministério da Defesa encaminhou nota para afirmar que Pacelli “estava em pleno exercício legal do seu cargo ao assinar os documentos”. Segundo o ministério, uma regra expressa do art. 22 da Lei 6.880/80 permite que o militar possa assinar atos mesmo já exonerado e com um substituto nomeado em seu lugar.

Especialistas em direito administrativo ouvidos pelo Estadão consideraram “grave” e possível “fraude” a decisão do Ministério da Defesa de utilizar um parecer de um general exonerado e sem função numa portaria para aumentar o limite de compra de munições.

Assinatura

A defesa do ex-ministro Sérgio Moro cobrou ontem investigação sobre “circunstâncias anormais” envolvendo o decreto de 24 de abril que exonerou Maurício Valeixo da direção-geral da Polícia Federal (PF). A Secretaria-Geral da Presidência admitiu à PF, em ofício, que a assinatura de Moro foi inserida no documento, mas disse se tratar de “procedimento técnico”. O ex-ministro alega que não foi consultado sobre a exoneração.

No documento, o governo afirma que a praxe é publicar decretos de exoneração com a “inclusão da referenda do ministro ou ministros que tenham relação com o ato”. “Após a publicação em Diário Oficial, quando for o caso, é que haverá a colheita da assinatura da referenda no documento físico”, informou a Secretaria-Geral à PF.

O decreto com a exoneração de Valeixo foi posteriormente republicado, sem a assinatura de Moro, e com a justificativa de que foi registrada uma “incorreção”. “A defesa do ex-Ministro Sérgio Moro informa que não houve coleta de assinaturas físicas nem eletrônicas”, afirmou o advogado Rodrigo Sánchez Rios, por nota. “É preciso, portanto, a apuração das circunstâncias anormais envolvidas na publicação oficial.”

Em depoimento à PF, Moro disse que decretos relacionados à exoneração de servidores “sempre eram assinados previamente” pelo sistema eletrônico do governo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.