Quando o Ministério do Turismo criou o Sistema Brasileiro de Classificação de Meios de Hospedagem (SBClass), em 2011, um dos requisitos para que os hotéis alcançassem a avaliação de cinco estrelas era ter uma cozinha internacional. Isso significa que pouco importa se o hotel está localizado na Bahia, em Mato Grosso ou no Pará: servir um prato francês, italiano ou japonês é mais importante do que oferecer os quitutes típicos desses Estados. A decisão do ministério, naquele ano, deixou indignada a chef de cozinha mineira Mônica Rangel, que até hoje não se conforma com a regra estabelecida. “O francês vem ao Brasil para comer croissant? O americano chega à Bahia louco por um hambúrguer?”, questiona Mônica. “Onde ficam as nossas frutas, pães e queijos?” Desde então, a dona do restaurante Gosto com Gosto, no município de Visconde de Mauá, nas montanhas da Serra da Mantiqueira, do lado do Rio de Janeiro empenha- se na tarefa de valorizar a gastronomia nacional e encabeça o movimento Brasil à Mesa, criado em 2012, que reúne cerca de 100 chefs brasileiros.

Passo a passo, esses profissionais vêm trilhando um caminho que pode popularizar a culinária brasileira mundo afora. País de vocação agrícola, o Brasil será o principal responsável pelo aumento da oferta global de alimentos para abastecer a população mundial, que deverá chegar a nove bilhões de habitantes em 2050, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). No entanto, os chefs esperam que o País possa ir além da produção e deixar a sua marca na mesa do consumidor. Para a chef baiana Tereza Paim, dona de dois restaurantes em Salvador, esse movimento vai valorizar a história e a produção nacional. “A culinária é um retrato daquilo que o País planta e colhe”, diz Tereza. “A gastronomia é mais do que a comida, é a cultura de um povo representada num prato.” De acordo com os chefs do Brasil à Mesa, da mesma forma que os italianos são conhecidos por seu presunto cru, o prosciutto di Parma, ou os franceses ganharam o mundo com o foie gras, a iguaria de fígado de pato ou ganso, o Brasil pode conquistar uma fatia do mercado global gastronômico e garimpar novos negócios. “É um absurdo encontrar queijo francês de leite cru em qualquer supermercado e ainda ter dificuldade em comprar o queijo mineiro”, diz Mônica, referindose aos empecilhos que produtores de queijo artesanal enfrentam para vender o queijo minas fora de seu Estado. 

Em sua cruzada pela valorização da gastronomia local, os chefs brasileiros estão colocando seus holofotes no homem do campo. Chefs estrelados como Alex Atala, Roberta Sudbrack, Carla Pernambuco e Rodrigo Oliveira apostam em produtos nacionais e na parceria com produtores para garantir alimentos diferenciados para suas receitas. Mônica, inclusive, tornou-se agricultora para atender os clientes de seu restaurante. “Produzo todas as folhas e temperos na minha horta”, diz. Segundo ela, a tendência é que a agricultura, a gastronomia e o turismo andem lado a lado. “A culinária brasileira tem como símbolo uma combinação nutritiva, o arroz com feijão, que pode ajudar o mundo a se alimentar mais e melhor”, disse Mônica no mês passado, durante o Fórum Desafio 2050 (leia o quadro abaixo). O evento promovido na capital paulista pelo segundo ano consecutivo é uma parceria entre a FAO, a Embrapa, a Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) e a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). 

Segundo Mônica, o próximo movimento do Brasil à Mesa será mapear ingredientes e receitas genuinamente nacionais. Entre eles está a mandioca. “A mandioca possui vários subprodutos, uma infinidade de receitas e é consumida no Brasil inteiro”, diz. Ao falar para uma plateia de cerca de 500 pessoas, Mônica não estava sozinha. Para o pesquisador da Unicamp Walter Belik, além da valorização dos alimentos, é preciso evitar o seu desperdício em toda a cadeia, da lavoura à mesa. Estima-se que as perdas não controladas na lavoura, por conta da chuva, do sol ou de pragas, e os desperdícios por parte dos consumidores representem uma fatia de 30% de todos os alimentos que são produzidos no mundo. “Precisamos de políticas para evitar o desperdício, para facilitar a doação de alimentos e conscientizar o consumidor”, diz Belik. “Se reduzirmos essas perdas em 50% até 2050, isso vai equivaler a um aumento de 25% na disponibilidade de alimentos.” De acordo com Mônica, nessa questão, cabe à gastronomia promover uma cozinha cada vez mais sustentável. “As pessoas precisam aprender a reaproveitar os alimentos”, afirma. Em seu restaurante, entre os pratos mais requisitados está o chamado “mexidão”. E mesmo o que sobra dele não vai para o lixo, pois os resíduos vão para a compostagem e servem como fertilizante. “Esperamos para o futuro uma gastronomia cada vez mais forte”, afirma a chef.