A grande campeã

Quando assumiu a presidência do conselho de administração da BRF, em abril de 2013, o empresário Abilio Diniz surpreendeu a todos ao dizer que a empresa, união da Sadia com a Perdigão, estava “torta” e que apesar de ser a maior exportadora de frangos do mundo, não poderia ser considerada uma companhia global. A declaração, dita com sua franqueza habitual, gerou um enorme mal-estar, principalmente nos antigos executivos que estavam deixando a BRF por conta nas mudanças que começavam a ser gestadas pela nova administração. Mais de três anos depois, pode-se dizer que a BRF avançou – e muito – na sua estratégia de ser uma empresa com presença em todos os cantos do planeta.

A BRF contava com nove fábricas no exterior, em 2013, sendo sete delas na Argentina, uma no Reino Unido e outra na Holanda. Atualmente, a companhia chegou a 19 unidades, mais do que dobrando sua presença internacional. Agora, ela produz em Argentina, Emirados Árabes Unidos, Holanda, Malásia, Reino Unido e Tailândia. Seus produtos já são vendidos em mais de 150 países. Mas esses números isoladamente não explicam a história completa. “Nossa estratégia contempla diferentes frentes, entre elas, aquisições, parcerias e crescimento orgânico”, afirma Pedro Faria, CEO da BRF, escolhida a Empresa do Ano no Agronegócio pelo anuário AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL 2016. Desde que deixou a gestora de recursos Tarpon, uma das principais acionistas da BRF, Faria se envolveu com a área internacional da gigante brasileira de alimentos. Em novembro de 2013, ele assumiu o cargo de CEO Global. Para muitos, esse foi apenas um “estágio” para que chegasse ao comando da BRF, o que, de fato, aconteceu em janeiro de 2015, substituindo a Claudio Galeazzi.

Em sua estratégia, Faria fortaleceu a posição da BRF no Oriente Médio, o seu principal mercado no Exterior. Em novembro de 2014, o executivo inaugurou a primeira fábrica de alimentos processados na região, nos Emirados Árabes Unidos, um investimento de US$ 160 milhões. Em julho deste ano, anunciou a criação da Sadia Halal, uma subsidiária da BRF para atender o consumidor muçulmano, um mercado de 200 milhões de pessoas e um PIB de US$ 6 trilhões. “Estamos ganhando um novo ciclo de crescimento não só dentro dos países árabes, mas também fora, saindo de uma dimensão geográfica que já dominamos e abraçando o mundo da comida Halal”, diz Faria. Para um alimento ser considerado Halal, ele precisa seguir determinadas regras, principalmente no que diz respeito à forma de abate.

O avanço da BRF não se restringe ao Oriente Médio. Nos últimos 12 meses, a empresa fez uma série de aquisições na Ásia e na Argentina. Em janeiro deste ano, a BRF comprou, por US$ 360 milhões, a Golden Foods Siam, a maior exportadora de derivados de frango da Tailândia. Dois meses depois, inaugurou um escritório em Kuala Lumpur, na Malásia, para acelerar os negócios na região. Em setembro, fez acordo com FFM Berhard, prevendo cooperação com a processadora de alimentos baseada na Malásia. Em novembro, investiu US$ 20 milhões para comprar 2% da chinesa Cofco Meat, um dos maiores produtores de carne suína da China. “Trata-se de uma operação estratégica, em linha com o planejamento da empresa de criar uma presença ainda mais estruturada na China”, afirmou, na ocasião, Simon Cheng, gerente-geral da BRF na Ásia.

oriente médio: a BRF investiu em uma unidade de processamento na região e criou a Sadia Halal, subsidiária que vai atender ao consumidor muçulmano
Oriente médio: a BRF investiu em uma unidade de processamento na região e criou a Sadia Halal, subsidiária que vai atender ao consumidor muçulmano (Crédito:Divulgação)

Na Argentina, a BRF adotou uma estratégia diferente. Por lá, a empresa saiu às compras, mas adquirindo separadamente diversos ativos, para depois integrá-los. “Eles estão montando uma BRF local”, diz Gabriel Vaz, analista do banco de investimento Bradesco BBI. Em um encontro com o presidente argentino, Mauricio Macri, em maio deste ano, Diniz comunicou investimentos de US$ 292 milhões no país vizinho ao Brasil. O aporte contemplava recursos para a compra da Campo Austral, que marcou o ingresso da empresa brasileira no mercado argentino de carne suína, e da Alimentos Calchaquí, dona de uma das mais importantes marcas argentinas de frios, a Bocatti. O dinheiro também será usado para expansão e modernização das fábricas. Hoje, a BRF é dona de marcas muito valiosas na Argentina, como a Paty, quase sinônimo de hambúrgueres, a Vienissima, referência em salsichas, e a Dánica, de margarinas. “Fizemos uma aposta na Argentina no ano passado e estamos mais do que dobrando o tamanho da companhia por lá”, afirma Diniz.

hermanos: Abilio Diniz (no centro à esq.) encontra-se com o presidente argentino Mauricio Macri, em maio deste ano, e anuncia investimentos de US$ 292 milhões
Hermanos: Abilio Diniz (no centro à esq.) encontra-se com o presidente argentino Mauricio Macri, em maio deste ano, e anuncia investimentos de US$ 292 milhões

Apesar do avanço internacional, o Brasil segue como o principal mercado da BRF. Nos nove primeiros meses deste ano, o País forneceu uma receita operacional líquida de R$ 10,7 bilhões, o que representa 42,6% do total registrado no período. Para driblar as restrições do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que impôs uma série de penalidades para aprovar a fusão de Sadia e Perdigão, a companhia aposta na inovação de produtos. Neste ano, foram 25 lançamentos, como a linha Assa Fácil, que dá conveniência para o preparo de cortes de frango. Em 2017, a BRF estima que ultrapassará o número de 70 novos produtos. “Nosso foco é sempre criar valor na categoria”, diz Faria.

Com essa estratégia, a BRF está conseguindo superar um ano em que tinha tudo para dar errado. O aumento do preço do milho, por exemplo, está retirando R$ 1 bilhão de lucro da BRF neste ano, segundo cálculos do Bradesco BBI. Nos nove primeiros meses do ano, os ganhos foram de R$ 88 milhões, queda de 94,2%. Não bastasse isso, a empresa enfrenta maior competição no mercado interno, com a Seara, da JBS. A desaceleração macroeconômica e a volatilidade do câmbio também criaram problemas à BRF. Mesmo assim, a companhia conseguiu aumentar sua receita em 8% nos nove primeiros meses deste ano, quando atingiu R$ 25,1 bilhões. “Acreditamos que estamos saindo desse momento mais fortes e mais confiantes na nossa estratégia de longo prazo”, afirma Faria. “Vemos um cenário bem mais positivo no setor, em 2017, com os níveis de produção de frango no Brasil se normalizando e o preço do milho voltando para níveis bem mais saudáveis.”

Em 2013, com o início de uma nova gestão, um dos planos era transformar a BRF na “Ambev dos alimentos”. O sr. acredita que a BRF conseguiu atingir esse objetivo?

Acredito que, nos dois casos, o modelo de globalização das companhias foi muito bem-sucedido. Mas é importante ressaltar que nosso negócio é diferente e exige um trabalho muito específico. Costumo dizer que o alimento tem o poder de conectar as pessoas, porém, nem sempre o tempero que agrada ao inglês satisfaz o angolano, bem como o corte de frango mais apreciado pelo chinês é o mesmo do brasileiro. Existem muitos exemplos e uma verdade: o respeito pela cultura. Uma empresa de alimentos verdadeiramente global, que opera e produz localmente, deve estar atenta a esse fato.

A BRF tem a estratégia de ser global. Como a companhia está trabalhando para conseguir isso?

Quando ingressei na BRF, em novembro de 2013, contávamos com nove fábricas no exterior, sendo sete na Argentina, uma no Reino Unido e uma na Holanda. Hoje, temos 19 unidades, ou seja, ampliamos em mais de 100% a presença da companhia no cenário internacional. Nesse processo, além de expandir as nossas operações na Argentina, inauguramos uma fábrica no Oriente Médio, nos Emirados Árabes Unidos, e adquirimos outras seis na Ásia, mais especificamente cinco na Tailândia e uma na Malásia. Também ampliamos o número de centros de distribuição de 16 para 20 espaços próprios. Anunciamos uma importante joint venture na Europa para atender clientes do segmento de “food service” e adquirimos marcas emblemáticas na Argentina. Isso sem contar os 27 escritórios nos mercados internacionais, além de granjas e filiais de vendas.

Quais as operações globais que são importantes para a empresa?

Se olharmos pelo retrovisor, é possível notar que a companhia avançou significativamente em mercados emergentes. Isso não significa, porém, que os países desenvolvidos estão fora da nossa estratégia. Há espaço para eles também. A aquisição de uma distribuidora no Reino Unido, no início do ano, por exemplo, ilustra isso. No entanto, percebemos que os países em desenvolvimento ainda consomem pouca proteína, fato que abre um mar de oportunidade para empresas como a BRF.

Na Argentina, a BRF está criando uma mini-BRF por meio de uma série de compras. Por que a BRF resolveu investir na Argentina?

O movimento observado na Argentina está em linha com o nosso objetivo principal, que é ampliar nossa produção e presença em mercados locais, fortalecendo as marcas da companhia, distribuindo e expandindo seu portfólio de produtos ao redor do mundo. Neste ano tivemos dois grandes anúncios, com a aquisição de fábricas e marcas na região. O negócio anunciado com a Calchaquí Productos, proprietária de uma das marcas de frios mais importantes da Argentina, a Bocatti, também contempla a incorporação de mais uma fábrica no país vizinho. A aquisição da Campo Austral, por sua vez, marcou o ingresso da BRF no mercado argentino de carne suína, nos posicionando como segundo maior player local neste segmento. A manobra proporciona relevância à companhia nas categorias de presunto cozido, salame, mortadela e cortes suínos.

Segundo analistas, a BRF está enfrentando neste ano uma tempestade perfeita: aumento no preço do milho, desaceleração macroeconômica no Brasil, dificuldade para repassar preços, maior competição no mercado interno e volatilidade do câmbio. Como a companhia está enfrentando essas questões?

Acreditamos que estamos saindo desse momento mais fortes e mais confiantes na nossa estratégia de longo prazo e na nossa capacidade de mitigar os efeitos cíclicos através de um avanço na cadeia de valor, um aumento da eficiência produtiva e comercial, redução de despesas e um portfólio de marcas cada vez mais forte. Olhando para 2017, vemos um cenário bem mais positivo no setor, com os níveis de produção de frango no Brasil se normalizando e o preço do milho voltando para níveis bem mais saudáveis e uma retomada de crescimento através de inovação.

No Brasil, havia uma série de restrições por conta do Cade. Qual a estratégia para crescer no País?

Apesar das restrições em 2015, tivemos a oportunidade de retornar com presuntos e linguiças da Perdigão, duas categorias muito relevantes para frios e embutidos. Com comunicação consistente e distribuição capilarizada, a marca retomou rapidamente a penetração que tinha na categoria de linguiças defumadas. Já em 2016, a estratégia para crescer foi alavancar ainda mais o pilar das inovações. Em 2016, a companhia trouxe ao mercado cerca de 25 lançamentos. A previsão para 2017 é de que ultrapasse os 70 novos produtos.

21

 

22