Em meio à Mata Atlântica, uma plantação do que o imortal Jorge Amado chamou de “frutos de ouro”, em sua obra São Jorge de Ilhéus, é uma mostra das diversas formas de integração que a agricultura pode apresentar. Cacaueiros cultivados como se fazia há mais de 200 anos, mas com a aplicação de técnicas mais atuais de melhoramento genético; produção agrícola comercial em harmonia com a preservação da floresta; e a convivência do amargo com o doce nas notas de sabor que chegam ao paladar de consumidores do Brasil e do mundo com o fruto já em sua forma final, o chocolate. Essa é a visão que se tem da cacauicultura no Sul da Bahia.

O cacaueiro, natural da região amazônica, chegou à cidade de Ilhéus em 1820, e foi introduzido por ali a partir do plantio sob a sombra da mata. Esse sistema agroflorestal ficou conhecido como cabruca, e se tornou sinônimo do cacau cultivado dessa maneira. Segundo relato do produtor da Fazenda Yrerê, Gerson Marques, “no início, pessoas escravizadas chegavam à floresta e tiravam as árvores baixas, criando ambiente para plantar o cacau”. A quem visita a propriedade, localizada na zona rural ilheuense, o agricultor mostra, na prática, co-mo a Mata Atlântica permanece em cima e o cacaueiro embaixo, permitindo a ma-nutenção da vida animal e vegetal e integrando produção e conservação. “É possí-vel manter a floresta viva e extrair a riqueza dela”, afirmou.

“É possível manter a floresta viva e extrair riqueza dela” Gerson Marques, Fazenda Yrerê (Crédito:Ana Lee Sales)

Fazenda Yrerê, Gerson Marques, “no início, pessoas escravizadas chegavam à floresta e tiravam as árvores baixas, criando ambiente para plantar o cacau”. A quem visita a propriedade, o agricultor mostra, na prática, como a Mata Atlântica permanece em cima e o cacaueiro embaixo, permitindo a manutenção da vida animal e vegetal e integrando produção e conservação. “É possível manter a floresta viva e extrair riqueza dela”, afirmou.

Para o diretor científico do Centro de Inovação do Cacau (CIC), Cristiano Villela Dias, falar de sustentabilidade na cadeia do cacau na Bahia é redundância. De acordo com ele, o modelo cabruca é a forma mais sustentável de produção em termos de agricultura. “A Mata que se vê ao chegar em Ilhéus só está ali por conta da cacauicultura”, disse. Segundo ele, não fosse por isso, esse grande maciço florestal já teria diminuído.

Prova disso é o mapeamento realizado pelo projeto MapBiomas sobre o desenvolvimento do cacau na região Sul da Bahia, com foco nas cidades de Itacaré, Uruçuca, Ilhéus, Una, Itabuna e Canavieiras. Os dados coletados apontam que, 68% da área total dos seis municípios têm cobertura florestal, sendo 37% com plantio de cacau-cabruca. Para Villela, os números tornam mais explícita a importância desse sistema agroflorestal, e mostram com clareza sua contribuição ao promover a sustentabilidade ambiental, econômica e social da região.

DEVASTAÇÃO Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), nos anos 1980 o Brasil chegou a produzir mais de 450 mil toneladas de cacau. No entanto, na década seguinte a região foi assolada pela vassoura de bruxa, doença causada pelo fungo Moniliophthora perniciosa, que se espalhou de forma avassaladora, exterminando plantações inteiras. Para a empresária da Fazenda Cantagalo, Claudia Sá, a visão que se tinha da doença era de que tudo havia sido queimado. “A impressão que a vassoura de bruxa deixa é essa, como se tivesse tocado fogo”, afirmou. O fungo tem essa característica: transformar em cinza tudo o que era verde.

O controle da doença só começou a ser possível pelo melhoramento genético do cacaueiro, a partir de plantas mais resistentes à doença. Segundo Claudia, seu próprio pai, Ângelo Sá, ao perceber que havia na propriedade da família plantas menos afetadas, usou recursos próprios para investir em pesquisas que deram origem a variedades de cacau que sofrem menos o impacto da vassoura de bruxa, como a PS1319. Bem disseminado, esse aprimoramento genético é feito a partir do enxerto das hastes de plantas mais resistentes em cacaueiros doentes. A técnica de combate é a mais sustentável, mas alternativas estão surgindo no mercado.

A pesquisadora da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Natasha Lopes, descobriu que uma proteína modificada do cacau tem potencial para combater a vassoura de bruxa. Testes realizados em laboratório indicaram que, além de inibir o fungo, o produto limita os impactos ao meio ambiente e reduz a probabilidade de interferência em outras características das amêndoas do cacau. Para Gerson Marques, da Fazenda Yrerê, atualmente a utilização de agroquímicos não é uma opção. “O cacau é da floresta. Você acaba matando a árvore, o ecossistema em volta dela e os microrganismos”, afirmou.

Origem da palavra cabruca

A palavra cabruca deriva do tupi-guarani. Ela resulta da junção entre “caá”, que significa mata, e “oca”, que quer dizer casa, e tinha a sonoridade mais parecida com cabroca. O sentido é de que a mata é a casa que protege o cacau. A explicação é do pesquisador da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Dan Érico Vieira Petit Lobão.